terça-feira, novembro 05, 2013

Tempo de cão


Tempo de cão
por Rafael Belo

O vento sopra e é um músico nato. Toca e tira melodia. Pode ser harmonia ou o caos, mas há o som. Às vezes o vento é o único som diante do silêncio da morte próxima. Um ente querido que se vai, mesmo que não seja humano, é difícil ele não ter humanidade e a pureza do Amor. Dói para cachorro e passa como tudo. Só precisamos saber do tempo dos cães. É totalmente diferente do nosso. Se sairmos por um minuto ou dez anos e voltamos, eles sentem o mesmo tanto de falta. Talvez até os sentimentos dos cães se multipliquem por sete e a expectativa e ansiedade deles tenha toda a intensidade.

Fico olhando a Pandora e suas reações a ausência do Wei. Aliás, são o casal de Shih Tzu de casa. Cresceram juntos por três anos e três meses. Tiveram seis filhotinhos lindos e de súbito e doloridamente, o Wei morreu. Triste e bem dramaticamente. Nos nossos braços diante do estetoscópio do veterinário. O terceiro do curto começo daquela manhã de 31 de outubro. Choramos. Ficamos tristes e feridos com qualquer fala a respeito do Wei naquela quinta-feira. O enterramos no fundo do quintal, próximo à antiga mangueira da casa dos meus pais. Mas, a crônica é sobre a Pandora e ela estava encolhida na dela na noite do mesmo dia.

Na manhã de sexta, pela primeira vez não correu até a porta quando nos aproximamos. Nem saiu da casinha aonde o Wei vinha dormindo nos últimos dias. Não devorou sem mastigar a ração. Ficou lá como se fosse outra cadela. Pedia carinho como se nunca tivesse rejeitado colo. Esparramava-se nos braços como se fosse um gato ou o próprio Wei ou uma “geleca”. Deitava pelos nossos pés na casa. Não queria ficar só. Mais só. Deitava nas almofadas do chão. Soltava um gemido tão baixinho que só próximo do ouvido ouvíamos. Estava leve, ajeitada e triste como nunca foi.

Tentou correr até cansar – como sempre fez – na esperança do Wei aparecer. Depois o procurou por toda parte. Olhava para um lado e para o outro, toda hora. Ficava olhando para frente até a cabecinha pesar e afundava o focinho no chão. Até na casa dos meus pais o procurou. Chegou perto de onde ele estava enterrado, mas não perto o bastante. Nesta manhã fresca de vento amanhecido, conheceu seu novo companheiro doado generosamente por uma veterinária. É o Dudu e pelo que eu saiba, ele não está lendo. Parece o Wei até na cor, mas é mais baixinho e tem a metade da idade. Ela pareceu mais alegre e, diferente do que fez durante sua vida de três anos ou sua maioridade estadunidense de 21, analisa, cheira, se afasta, se aproxima e abana o rabo. Seu tempo é outro.

Um comentário:

José María Souza Costa disse...
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