sexta-feira, fevereiro 28, 2014

Porta de todos (miniconto)



Porta de todos (miniconto)
por Rafael Belo

Ele estava cheio de palavras. Mais aquela e ia transbordar. Transbordou e imediatamente se viu levitar. Estava acima de todos aqueles lá embaixo. Seu orgulho ferido não caiu. Voou. Foi mais longe. Sentia-se poderoso. Ficou cego com a nitidez distorcida. Vomitou tantas palavras durante tanto tempo... Uma verborragia seguida de verdadeira hemorragia interna. Sangue jorrando da gastrite nervosa desconhecida. Para si mesmo e o vazio apartamento. Iria matar, mas se conteve. Matou-se. Não deixou sinais, cartas nem mágoas. Levou tudo com ele quando correu, pulou, se encolheu e atravessou a janela com impacto.

Achou ter pulado no sol a não ser pelo intenso frio. Porém, só lembrava-se disso. Um imenso intenso clarão. Uma sensação gelada queimando a pele, congelando os ossos. Não podia ser o sol. Claro. Via-se congelado como um silencioso pássaro, atento para qualquer movimento. Não havia calor. Apenas algo gelado queimando o estômago. Isto poderia ser seu fim. Não prestar atenção poderia ser fatal. Mas para Palo era o contrário. Prestar atenção o matava aos poucos. Sua regra do silêncio era uma lei marcial. Pensamentos, sentimentos, temperamentos eram todos guardados. Além disso, carregava sua mais calada cicatriz. Uma opinião terminada em morte...

Quando confundia sinceridade com oportunidade. Falou tudo de uma vez a uma pessoa presa à vida por um tênue fio desfiando. Ela ligou para ele enquanto morria. Palo falava sobre tudo o tempo todo para todos até então. Depois disso o brilho do olhar se apagou e uma irônica frieza se disfarçava para quem ousava olhá-lo de volta nos olhos. Enquanto lembrava eternamente deste seu ciclo via cicatrizes grosseiramente costuradas por todo seu corpo. Cada lembrança uma cicatriz falante. Não era o bastante para todos. Portanto, as tortas marcas, eram palavras mal costuradas na pele. Geladas. Queimavam.


Palo sentia ser este seu inferno. Mas não se sentia morto. Aliás, se sentia vivo em diversas variedades dele mesmo. Possibilidades talvez escolhidas por outras infinidades de eus paralelos em realidades se tocando em certos pontos e depois seguindo lado a lado. Uma rede predatória social na pesca pessoal dele mesmo. Então, o inferno era apenas uma porta na quina do apartamento de Palo e ele nem havia morrido. Apenas confundiu a quina com a janela e fora ao inferno sem abrir a porta. Arrombou-a. Esvaziado, transbordado, conseguiu abri-la para sair e voltou ao normal. Ao normal dele. Agora vazio de palavras.

quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Só passam...

Só passam...


Avariou o avesso
e o texto saiu todo errado

no tropeço do contexto

o certo foi ao contrário,

estender a mão, então, era manipulação

aversão virou desejo, e todo o ensejo ditado
se misturou no dicionário [de outra línguas]

cada tradução ficou ferida, pequenas ínguas, entre as linhas do itinerário

derradeira crença eterna dos provisórios
onde avesso, conheço, contexto, postos opostos [só passam como contraditórios].


(às 09h12, Rafael Belo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014).

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Coloridos demais (miniconto)



Coloridos demais (miniconto)
por Rafael Belo

Um arco-íris geral. Por toda parte sorrisos duvidosos de diversas cores o abordavam.  Óculos de grau com todos os formatos coloridos o cercavam. Reparando bem, todos usavam óculos e aparelhos... Era tudo uma bizarra aquarela. Bem, menos ela. Sakura Suze. Em seus 30 anos nunca havia visto nada assim. Pensando com cuidado, sua mente era um branco total ou um blecaute. Só sabia seu nome, sua idade, sua cidade e o local onde estava morando. Mas sabia, aliás sentia estar tudo errado. Aquele mundo de fadas bêbadas não podia ser real, podia?

Só havia ela no prédio em que morava. Olhando do terraço via toda a cidade... Casas amontoadas. Algumas de tijolos, mas a maioria de restos de materiais, lona e até papelão. Forçando bem os olhos, não era bem uma cidade. Não para Suze. Era um mar revolto de destroços.  Não. Destroços, não. Pessoas sobrevivendo da melhor maneira possível e tentando morar da forma mais adequada, dentro de suas limitações. Ela não diria ser tudo favela. Alguns poderiam encarar como ofensa. Ela não queria ser encarada de jeito nenhum. Não mesmo.

Um novo apagão a fez querer ter sido tudo um sonho. Não era. Foi acordada com o prédio tremendo enquanto o rádio e a televisão noticiavam a ostentação do aparelho e dos óculos. Repetidamente. Depois insistiam que a felicidade era morar lá fora com pouco amparo e direitos básicos precários. Repetidamente. Ela se levantou e da sua janela via todos na rua. Ela sabia, aliás sentia... Todas as pessoas estavam nas ruas. Ninguém entendia, mas andavam juntos. Mesmo porque o espaço reduzido não permitia outra forma. De repente seu quarto estava lotado de fadas bêbadas de todos os sexos...

Por meses gritavam ao seu redor. Repetidamente. o rádio e a televisão noticiavam a ostentação do aparelho e dos óculos. Repetidamente. Depois insistiam que a felicidade era morar lá fora com pouco amparo e direitos básicos precários. Repetidamente. Além disso, continua a transitar entre o deu branco e o seu blecaute. Começou a sorrir abobadamente. Começou a olhar de um modo enviesado, doidivana...

Mãos se ocupavam de sua boca, seus dentes, seus olhos... Dia após dia. Até o dia do não. Neste dia não trocaram nem colocaram óculos ou fios em seus dentes. Angustiada e perdendo seu ar vazio, procurou e encontrou as cores de seu gosto. Saiu. Fugiu para o meio das outras fadas bêbadas. Tudo era ostentação e felicidade. Nunca mais sairia dali, não moraria em outro lugar jamais.

terça-feira, fevereiro 25, 2014

Torcido

Torcido


O verde toca o vermelho, o abraça
e lá fora se movimenta a massa
como um praça viva transformando curvas em retas

e com a falta de setas, ninguém 'dá' sinal
continuam na mesma meta, se limitando ao bem e ao mal

enquanto o vermelho inteiro se destaca, sem tarefas
o verde é fumaça levando o oxigênio,
mas de perto é gás lacrimogêneo e coisa e tal

bomba de efeito moral

sem valor local nenhum, nem história, só uma trajetória torta que distorceu
onde não há direções só rumos
e os sumos que o pássaro comeu.


(Às 09h20, Rafael Belo, terça-feira, 25 de fevereiro de 2014)

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

O contrário do contraditório

O contrário do contraditório
por Rafael Belo

Tudo se inverte na sociedade contraditória. Deste o desgostoso fato de termos de utilizar óculos para corrigir as vistas e aparelho dentário para corrigir a mordedura até a questão de morarmos melhor. É como se de repente o verde fosse vermelho e uma força “oculta” se esforçasse para a periferia ser centro. Não há nada de errado em gostar de si mesmo, de onde se vive, do que se faz... Mas desconheço quem não queira melhorar. Até este instante não conheci um ser humano inteiramente satisfeito consigo mesmo, com seu emprego, com seu salário, com a família, com seu bairro, religião do outro e com a sociedade. Então, quando se fala em manipulação da mídia é fantástico não torcerem o nariz.

Um daltonismo crônico faz o vermelho ser verde e por mais que o vermelho fique piscando ao fundo em alerta, o verde permite a liberação geral. Desde que dê lucro, tenha futuras intenções e ostentação. Ainda estou tentando entender como usar óculos de grau e aparelho se encaixa na definição de ostentação... Sabemos que a felicidade é de cada um, vem do simples e da simplicidade. Mas, elaborar uma matéria exaltando uma pesquisa onde a maioria dos moradores de favelas não quer mudar e se sente feliz... Parece-me forçado demais. Para vocês não?

Da mesma forma os atuais “bocas de lata” e “quatro-olhos”. Tudo usado por vontade. Aqueles ferrinhos nos dentes cortando a gengiva, a parte interna da boca, aumentando a salivação, fazendo muita baba, machucando a boca e fazendo o infeliz com cara de quem está com um ovo inteiro na boca tomando cuidado para não o estourar, pois está cru e com casca... Sinceramente. Se contar o efeito contrário então. Entorta os dentes, acaba com a mordedura, força espaços entre os dentes e, claro, a tinta destes fios (plásticos) coloridos nem são tóxicos, certo?!  Um belo sorriso para vocês...

Não podemos deixar de falar das armações com lentes para os olhos, já não bastava comprar falsificações, agora se usa por estilo, moda, sem respeito... Serão partes da maioria dos jovens futuros comandantes do país? Com certeza podemos esclarecer que ambas as matérias receberam o mesmo tratamento e tiveram as abordagens devidas. Deve ser uma fase e eu sou chato por demais e tudo segue bem no país do futebol... Onde a onda...


Pode ser o efeito Copa... Ela está aí chutando a bola na sua porta e os gringos devem se sentir confortáveis, assim como turistas brasileiros ainda mais quando existem favelas ao fundo de “Estádios da Copa”. Devo estar muito enganado, mas sempre acreditei que morar em favelas não era uma opção e sim uma condição, afinal todos querem mudar... Como nunca morei tão na periferia assim vou considerar meu erro. Mas considerando ainda os entrevistados... Empresários ou integrantes da CUFA (Central Única das Favelas) podemos afirmar a falta de qualquer intenção desta matéria além de reafirmar a felicidade e a vontade destas pessoas de permanecerem para sempre onde estão... Seja lá onde isso for.

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

À deriva (miniconto)


À deriva (miniconto)
por Rafael Belo

Era um assalto. Todos estavam com as mãos ao alto. Mas nervosos os assaltantes exigiam todos no chão. Sem olhar para eles, sem se mexer ou qualquer reação. Poderia ser fatal. Mas foi além disso. Foi um massacre total. Era uma festa e os bandidos amadores nunca haviam atirado, muito menos Fatos Via. Mas foi exatamente isso o feito. Via, cinéfilo convicto, principalmente de filmes de ação, esperou a hora certa. Lutou com o assaltante mais próximo. Ele estava com uma metralhadora automática e acabou na hora errada. A arma travou no disparo. Matou todos.

Fatos foi acusado de assassinato em primeiro grau e apontado como líder da quadrilha de assaltantes. Vários assaltos seguidos de mortes não resolvidos também contabilizaram como seus. Sem qualquer prova. Havia câmeras e todo o massacre foi gravado, mas alguém teria de pagar pelos crimes... Pagando o pato... A fatalidade custou à sanidade de Fatos. De fato ele não era mocinho, mas muito menos bandido. Não havia tais coisas. Estava tão abatido e solitário... Ninguém pensou... Mas ele reagiu na primeira oportunidade. De novo. Consciente desta vez. Decidiu exercer o fictício papel de bandido.

Assumido, mas não conformado. Não era frio nem emotivo, porém matar centenas de pessoas... Pelos menos não havia 600 na festa como as balas da arma... Ele lembrava de Carrie, a Estranha... Um banho de sangue paranormal, mas agora pensava só em si. Sempre agia em seu benefício e agora era caçado.  Nunca fez nada para ninguém a não ser ele mesmo. Qual era o problema?! Não lamentava ter ido à festa. Aproveitou muito, se envolveu com várias garotas, mas detestava o rótulo de assaltante... Assaltou vidas, mas não ficou com nenhuma. Não lhe interessava...


Todo o dia relembrava os rostos. Com a maldita memória fotográfica, não esquecia um rosto. Às vezes ria outras gargalhava... Não era pelas mortes e sim pelo seu fim ou “à deriva”, como enfatizava para si mesmo. Ele estava à deriva. Fatos viraria diversas histórias para assustar e traumatizar crianças e adolescentes. Mas, seguia repetindo, tentando não beirar a loucura: Não sou bom nem ruim. Não existe tal coisa. Fui vítima antes de tudo de mim mesmo, mas bem ou mal? Não... É tudo mais complicado ou mais simples. Não sou nada além de mais um mendigo de estrada “à deriva”, sou as minhas escolhas erradas. 

quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Antes do verão










Antes do verão

Caiu,
no rio,
riu,
quase se afogou,

sabia nadar, nadou,

chorou, fez o ciclo, choveu,

um dia de novo por lá passou, evaporou,

choveu outra vez, até foi orvalho, escorreu

adormeceu, úmido no solo, foi semente, flor, floresceu,

de repente era aroma e todos os sintomas da primavera.



(às 08h56, Rafael Belo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014).

quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Todo dia (miniconto)



Todo dia (miniconto)
por Rafael Belo

Não era nada como o lar dela. Nada de bater os calcanhares, protegidos com os sapatinhos de rubis três vezes, e voltar para casa. Nem ela era Dorothy. Não estava em Kansas nem em Oz. Era apenas uma criança. Uma criança perdida. E por mais que neste 2014 não se considera 12 anos adolescente, quanto mais criança, muitas pessoas não crescem jamais, mesmo com todo o tipo de atitudes ousadas... Mas psicólogos apostariam os diplomas, estas serem as mais perdidas e assustadas. Com ela havia muito choro e ranger de dentes no momento, principalmente confusão. Uma grande confusão.

Glenda (ah, este é o nome da nossa personagem) estava tonta, e apesar de infantil, este era um estado provocado por um tijolo, portanto, não era permanente. O tijolo caiu quando ela desafiou a superstição da escada e passou debaixo da escada. Então, aquele pedaço amarelo escapou das mãos do pedreiro e tonteou Glenda. Glenda desabou na ladeira e rolou para longe das vistas de todos. A estrada de tijolos amarelos estava tão longe quanto uma espiral da autoevolução. Por isso, tudo ainda girava aos olhos dela como uma embriaguez sem fim.

Ninguém percebeu o sumiço de Glenda. Era sozinha. Vinha de uma família de acidentes sexuais e uma descrença no aborto. Era a última solitária da linhagem. Nem mesmo o pedreiro percebeu. Seu tijolo amarelo caiu. Não houve som de grito, de dor, de pancada... Ele olhou para baixo viu o amarelo tijolo partido em vários pedaços. Saiu da escada para o andaime e pegou um novo tijolo amarelo. Seguiu construindo e esqueceu aquela distração. Seguiu adiante.  Enquanto Glenda não. Estava tentando sentar. Queria pensar em algo mais doía. Precisava descobrir se tinha um caminho a seguir.


Talvez ela nunca descobrisse. Toda jornada leva para nós mesmo. Um crescimento espiritual tijolo por tijolo e cada um de uma cor. Mas, Glenda não tem talvez, nem a vida. Ela não teria esta jornada. Foi só uma pancada. Ela nem ia se lembrar. Nem iam se lembrar dela. Ela não era marcante e agora com o sangue escorrendo quente e viscoso, tinha certeza da continuidade. Mesmo dela. Mas, assim... Esquecida. Glenda ainda ficaria muitas horas por ali. A manhã terminaria, a tarde chegaria ao fim e lá pelo meio da noite, ela se arrastaria até em casa. Para o dia e o tempo, era mais uma peça indiferente. Mesmo com toda a literatura e o ego insistindo em contrariá-los.

terça-feira, fevereiro 18, 2014

Virar dos ponteiros

Virar dos ponteiros


Aéreo,
sem ninguém total

só os pensamentos deitados,
o olhar brilhante, vago
vagando para um tutorial

voando e ao mesmo tempo soterrado
sem estéreo, só chiando temporais

fora do ar, sintonizando errado
ouvindo uma Oz factual

e de repente vira pó, residual, grudado em raiz.


(às 09h20, Rafael Belo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2014).

segunda-feira, fevereiro 17, 2014

Temporais

Temporais
por Rafael Belo

Fechou o tempo. O vento começou a se revolver. Choveram pessoas por toda parte. Queriam grandes mudanças. Contentaram-se com migalhas e deixaram a entender que por um tempo as pessoas se revoltam – a maioria. Algumas por diversas situações e outras por terem pessoas se revoltando. Surgem protestos. Surgem novas manobras políticas. Tira-se o foco e a boa e velha espiral do silêncio segue funcionando, sempre levando Kansas para Oz. Grandes aventuras, grandes descobertas, crescimento... Depois Oz volta para Kansas e o mundo continua como antes. Quem mudou foi você.

Com esta mudança temos fortes emoções e nos “envolvemos” com assassinatos acidentais e novos linchamentos midiáticos. Mais uma vez nos fazemos à pergunta (só mudamos o nome da infeliz fatalidade): quantos Santiagos precisam morrer? Precisava morrer este Santiago? Quantas vezes este ciclo teve início e fim? Vida e morte. Morte e vida. Alguém (previamente ou acidentalmente) é sacrificado em nome do bem maior, ou melhor, dos bens maiores de alguém. Então, vemos meias laranja em todos os noticiários em todas as conversas por aí. São só metade porque a outra parte somos nós. O trabalho foi feito.

Podemos até viver no Quinto Poder com esta liberdade de informação liberada em 2006 pelo Wikileaks, mas o Quarto Poder ainda corrompe a visão dos demais. Simplesmente porque é liderado ilegalmente pelo Executivo e Legislativo... Já o Judiciário é indicado pelos anteriores e o Ministério Público circula entre eles. Os donos da mídia e seus financiadores estão no jogo há muito tempo. Eles não vão jogar contra eles mesmos. Não importa se é proibido pela Legislação, desde 1988, o envolvimento de políticos com a Comunicação Social.

Se os Três Poderes estão envolvidos com o Quarto e o Quinto só podemos desconfiar. Procurar as informações originais, pesquisar, ficar atentos e procurar uma maneira de criarmos instituições que não estão falidas. Pararmos com os pequenos desvios, as pequenas corrupções... Porque os temporais vêm e vão, mas nós somos os piores temporais e os melhores também. Nenhum tempo dura para sempre. Até o tempo é temporal. Não importa quantos de nós foram transformados em VANT humanos (Veículo Aéreo Não Tripulado) somos o maior dos poderes, só precisamos voltar a acreditar nisso.

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Divertir-se-ia (miniconto)


Divertir-se-ia (miniconto)
por Rafael Belo

Irael vivia repetindo qualquer hora cansa. Mas não era só isso. Ele queria cansar. Tinha um desejo lunático e psicótico. Esperava uma provocaçãozinha... Queria explodir, saltar da janela do controle, fugir de toda esta segurança e proteção. Foi às ruas. Juntou-se a muitos, mas queria, não, precisava destruir. Necessitava de violência. Seus olhos brilhavam de desejo. Ele quase sentia o prazer de dar uma lição em alguém. Talvez fosse o poder do domínio. Quem sabe uma liberação de seu eu verdadeiro. Sabe lá. As explicações só solucionam uma parte, afinal.

Ele destruiu. Não só objetos, mas pessoas, principalmente pessoas. Elas estavam no caminho. Queriam impedir, se meter. Ele simplesmente fez isso parar de ser um problema. Ira queria guerra e depois de um tempo as pessoas enxergavam isto nele e se afastavam. Até as corajosas. Quando finalmente a violência se tornou ele. Ira se autoproclamou O Ares. Deus da Guerra. Agora ele era um Neandertal no físico, mas um Einstein no intelecto. Nada pior... Nada pior...

Não havia alívio imediato. Cada golpe era um alívio instantâneo que terminava antes do braço, perna ou cabeça voltar ao lugar. Era uma fúria cega. Uma ira interminável. A suprema ignorância, mas para Ira era todo o conhecimento. Seu sangue frio estava tão quente... Tão quente... Mas ele não suava. Nem uma gota. Evoluía sua violência a cada minuto. Parecia crescer e se embebedar na raiva do mundo. Deliciava-se e se conseguisse parar enquanto praticava sua violência suprema, lamberia os dedos e os beiços.

Assim tudo parecia. Anos de silêncio e de controle sem qualquer, qualquer escape. Explodiram Ira. Ele era pura energia negativa. Saboreava o medo, o sangue e o poder... Hummmm... Mastigava maledicências, justiceiros, vigilantes, heróis... Tudo tinha o gosto de prazer. Até o doce amargar. Mas ele já havia saltado pela janela, passado do limite da sacada... Estava em queda livre, mas tinha aquela ridícula sensação de cair para cima, porque recebeu uma mensagem no celular – ninguém­ tinha coragem de se aproximar. Divertir-se-ia ainda mais. Agora era pago por autoridades para manter o caos, a descrença e a ilegitimidade. Era legítimo. Que Alívio!

quinta-feira, fevereiro 13, 2014

Preenchidos

Preenchidos

Soube saber sabendo,
durante as frestas pelos portões


sabia ser antes de ver lá, vários verões
não ouvindo enxergando vendo

eram histórias de capitalizações
por todas as entrelinhas se mantendo

se subentendendo pelo explícito
no exercício de cada vício

ao falir de cada pessoa passo a passo
só cascas caídas acumuladas de espaços


(Rafael Belo, às 08h08, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014)

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Balão d’água (miniconto)


Balão d’água (miniconto)
por Rafael Belo

Precisamos preencher os espaços ou os espaços no preenchem. Pensava ela. Aliás, todas elas pensavam assim. Mi, Kika e Iwa. Mas isto foi depois. Bem depois. Nem eram Zaru’s ainda. Elas atormentavam a todos com ruídos. Melhor dizendo, esta era Mi. Conhecia todos os tipos de som e os usava para se divertir. Entupia os ouvido das pessoas a até quilômetros de distância. Deixou muita gente surda.

Se imagens pudessem ser vazias, Kika as usava. Até onde as vistas alcançavam podiam ver a poluição dela. Não viam, afinal, muito além... Mas, a pior era Iwa. Iwa não parava de falar. Tinha um fôlego recordista imbatível do Guiness Book. Uma verdadeira verborragia desenfreada. Elas definitivamente preenchiam todos os espaços e os outros eram preenchidos por elas.

Gente de todos os círculos mais próximos e aquelas cuja a infelicidade era alcançada pelos sons de Kika, viviam em conflitos. A guerra era o café da manhã e o desjejum delas. Porém, nenhuma pessoa jamais as via. Eram ágeis, eram mitos. Principalmente porque o orgulho destes seres humanos, não os permitia admitir terem um esquecido motivo, diferente deles próprios.

Quando uma cega-surda-muda surgiu. E... ELa... SORRIA. Além delas, ninguém jamais sorria. Mas, elas não sabiam o porquê daquele iluminado sorriso. Desde seus nascimento, há 20 anos, Sei sentia as vibrações. Sons, imagens, texturas... Cada um vibrava de um jeito e ela preenchia estas vibrações e lhes dava significado. Não ao contrário. Não como todo o resto.

Sei procurava Mi, Kika e Iwa. Ela as procurava e elas não conseguiam retirar toda aquela Luz. Por fim, depois de tanto tempo procurando formas de apagar aquele sorriso, a energia delas se dissipou. Elas foram preenchidas por sorrisos. Mas o de Iwa nunca mais seria visto. A não ser por aqueles sorridentes olhos. Iwa prendia todas as palavras.
Os risonhos rostos de Mi e Kika tinham também sorrisos, aliás tudo nelas sorria. Algo delas se libertou. Mi tapava as orelhas evitando a entrada de qualquer som. Kika escondia os olhos impedindo qualquer luz de entrar. Não existiam mais imagens externas.


Havia o silêncio e a paciência. Paz e harmonia surgia pela primeira vez. Logo viria o Amor. O mal alheio nunca mais foi o mesmo.

terça-feira, fevereiro 11, 2014

Mexendo os dedos

Mexendo os dedos


Confrontado, atado a sabedoria dos três macacos
ligado ao legado do pescoço esticado
com o machado sem fio, cadenciado

balançando pelo leito seco, apesar de encharcado

deitado no esplêndido leito alterado
eternamente bifurcado, desconhecido, fantasiado

no improviso inesperado, saindo encantado o canto
pelo canto iludido, ilusão dilacerada pelo dito ditado

nas cartas traçadas abusando da distração
em um passe de mágica, era corrupção


(às 08h49, Rafael Belo, terça-feira, 11 de fevereiro de 2014).

segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Os Três Macacos Sábios

Os Três Macacos Sábios
por Rafael Belo

O apocalipse anda de boca em boca como uma bactéria na saliva. Vem como obscuridade, como um fim iminente, como uma entidade própria, eminente. Longe do seu grego original apokalúpsis (ação de destapar, revelação. Junção do verbo kalýpto – cobrir, esconder, ocultar, velar - com a preposição apó – indica um movimento de afastamento ou retirada de algo que está na parte externa de um objeto). Longe de ser o que é, revelação. Porém se olharmos bem revela sim. Tudo revela se prestarmos atenção. Atentos, vemos o quanto sucateamos com nosso toque de Midas às avessas.

Não é à toa que morremos todos os dias. Matamos também. Matamos a cada virada de rosto dado, a cada atravessada de rua feita, toda a ignorância não assumida e espalhada por nós, toda vez quando nos fazemos dos três macacos não vendo, não ouvindo e não falando. Aliás, está aí outra distorção “adaptativa“. São os Três Macacos Sábios parte de um templo do século XVII. Santuário Toshogu, em Nikko, Japão. Eles ilustram a porta do Estábulo Sagrado. Seus nomes são Mizaru, Kikazaru e Iwazaru. Literalmente não ouvir, não olhar, não falar.

São bons exemplos, na verdade. Significam que se não ouvíssemos, olhássemos e falássemos o mal alheio, teríamos comunidades com paz e harmonia. Segundo, o folclore local, a origem dos Três Macacos Sábios é chinesa e foi levada ao templo por um monge budista chinês. Se nossas salivas ficassem nas nossas bocas e saíssem quando trocássemos paz e harmonia poderíamos não ter sucateado o mundo. Mas, teorias do passado e futurologias são tão precisas quanto encontrar um grão de areia no meio de uma tempestade no deserto.


Além disso, estamos tão propensos a avaliar, a julgar, a planejar, dosar revelações a ponto de perdermos realmente as referências e acreditarmos em tudo, mesmo desconfiando de todos. Se estivéssemos atentos de verdade, veríamos o kalýpto. Dissimulação e disfarces divulgados como descobertas, como novidades... Um controle sobre nossas mentes e corações sempre escondendo “algo pior”. Mas daqueles que desejam o poder, quais querem paz e harmonia? Preferem usar os Três Macacos Sábios da maneira que lhes convier. 

sexta-feira, fevereiro 07, 2014

O Cuco Incucado (miniconto)


O Cuco Incucado (miniconto)
Por Rafael Belo

Havia alegria. Havia diversão. Mas havia também aquela sensação de ser a última vez. Entre todas as levezas havia algo pesado, disfarçado e só ele percebia. Todos brilhavam tanto a ponto de um incômodo percorrer em arrepio do peito ao estômago. Tudo ali fora preparado para um falso bem-estar. Para uma falsificação de felicidade só assistida além do horizonte.

Depois de se divertirem muito durante todo o dia. Aliás, um dia longo e inalterado... Era para escurecer, mas não. O sol continuava no mesmo lugar. Uma angústia começou a dominá-lo. Ele via pessoas do seu passado. Não estavam mortas, mas ele nunca mais as havia visto nem pensado. Ali seria o fim do nunca mais? Diabo!! Por quê ninguém mais queria perceber esta loucura?!

Ele se atrasou para pegar o transporte. Queria pensar o motivo de tanto divertimento, onde estavam... Assim ficava para trás e parecia trazer todos juntos, pois cada um dos incontáveis rostos ao redor o olhava e inclinava a cabeça para esquerda e para a direita. Então a tentativa de pensamento se interrompia. Viu todos entrar naquela espécie de coletivo hibrido. Foi o último.

Ficou em pé na parte externa. Viu duas figuras. Eram roqueiros das antigas. Com esforço surgiu em sua mente dois apelidos. Tino e Dézão? Logo os nomes se embaçaram. Não sabia. Conversavam sem ele perceber. O primeiro era o mais velho deles e ria com vontade, contagiado. Dobrava-se com as mãos na barriga. Enquanto tentava entender isso, talvez passasse uma hora sem sentido. Ele viu mais de uma vez o mesmo lugar lá fora. Só ele olhava para as ruas... Em uma das incontáveis vezes o transporte parou.

Era um lugar chamado O Cuco Incucado. Pertencia ao mais velho dos dois roqueiros antigos. Este disse: - Salvamos o ônibus. Ele iria para “outro inferno”. Então gargalharam alto. Ônibus do inferno... Todos desceram e entraram no Cuco Incucado como se precisassem se esconder lá dentro. Menos ele.

- Você não... Transporte errado jovem. Você vai para casa, falou suavemente “o mais velho”, enquanto seu sorriso se transformava em gargalhada e o jovem via as costas dele sumirem atrás da porta do Cuco Incucado. Ele virou para o outro lado e começou a correr com uma estranha sensação de carregar toneladas nas costas e ter engolido uma baleia “entalada”. Mas corria leve e seguia para casa.

quinta-feira, fevereiro 06, 2014

I(h)lusões

I(h)lusões

sensações saem sorrindo,
suas sentimentalidades

nas desvairadas esquinas,
amontoadas de nadas, nulidades

somando e diminuindo, surgindo,
nas sombras da idade

quicando nas quinas, indo
idosas e na puberdade

enquanto o tempo se distorcia escorria a chuva 
do olhar

havia o luar, o crepúsculo e as banalidades.

(às 18h44, 31 de janeiro de 2014, Rafael Belo)

quarta-feira, fevereiro 05, 2014

Som fantasma (miniconto)


Som fantasma (miniconto)
Por Rafael Belo

20h30
Nenhuma saída. A estrada nos empurrava sempre em frente. Ates os quilômetros se perderem e um brilho vermelho aparecer. Do lado direito da rodovia o carro deu uma guinada, bateu por baixo e voltou em uma estrada acidentada de terra. Esta terminava em um motel. Jean Mirante pressionou o botão do interfone diversas vezes. Estava desconfiado. Tudo parecia o mais completo deserto, mas ainda não era medo. A vontade de parar e descansar estavam à frente.

Precisava dormir. Um som irritante tilintava em sua mente o alertando para tal fato e a noite terminava de cair naquele momento. No extenso horário de verão o dia sempre ia embora suavemente, quase despercebido. Às 20h30 o “quase” transformava-se em “nada”. Então, como um foragido em uma perseguição frenética, se enfiou naquele buraco, aliás, ainda tentava. Poderia não ter conseguido...

Ninguém atendia o interfone e Mirante alternava sua encarada de descrença entre o vidro parecendo à escuridão e o estridente interfone. Pensava ser impossível um motel sem nome iluminado, mal e acusatoriamente, mas iluminado, não ter viva alma. Engatou ré, manobrou e começou a se distanciar. Ouviu um barulho de metal raspando e olhou afetado por todos os retrovisores. O portão do motel abria lento como um cego escalando se equipamentos.

Esperou que saísse um carro ou alguém, mas ouviu algo parecido com uma voz e foi obrigado a virar a cabeça até onde o pescoço permitia. Nada. Deixou o carro ligado desceu desconfiado, mas rápido. Olhava para todos os lados. O portão se fechou como se fosse o velocista Usain Bolt ou até mais rápido. Parecia que nem tinha se movido. Mesmo assim voltou a tocar o interfone mais insistentemente que da primeira vez. O medo se aproximava mais. Assustou quando finalmente uma voz distante e sem rosto respondeu suas perguntas. Ficou com o quarto mais em conta e já se arrependia ao voltar para o carro e desmanobrar para entrar.
21h
Com a chave em mãos deixou a carro deslizar lentamente e percebeu que além de não existir ninguém por ali seu quarto era o último. Ao descer com o medo nos olhos para fechar a garagem... Havia uma sombra indefinida em uma parede ao longe. Forçou a vista, agora com medo, como um túnel do tempo a sombra foi se definindo em um velho vestido florido sem qualquer expressão e movimento. Estava encostada na parede. Antes nada lá havia... Mas se sentia observado – pensando bem – desde que jogara o carro naquela estradinha acidentada de terra. Agora toda a observação se resumia aquela figura que de repente já não estava ali, mas a sensação persistia. Estava sendo observado e com medo mediano.

Apesar do cansaço não conseguiu dormir. Seu cubículo tinha um banheiro com vaso, pia e chuveiro. A cama e o espelho eram do mesmo tamanho. Os lençóis estavam todos marcados assim como o estofado da cama. Ele estendeu a toalha e deitou no chão. A cortina caiu com estardalhaço. Ele procurou um banco e arrumou. Percebeu uma tevê bem antiga – preto e branco - em um cofre vazado com grades. Achou um controle remoto sem função. Usou o banco para subir, esticar os braços, ligá-la e tirar do sexo explícito que pensava estar lá. Mas não. Eram imagens paradas da rua, garagens, guarita e quartos vazios.

Só silencio e seu coração querendo correr em pânico daquele lugar. Desejava freneticamente qualquer tipo de ruído. Mas não. Silêncio enlouquecedor. De costas no chão pensou em sair imediatamente, mas para onde? Melhor suportar mais algumas horas até clarear... Só então percebeu o ventilador de teto, mas mesmo com mais de 30 graus, sua noite estava fria. O que não impediu do ventilador ligar e pendular vagarosamente em um oito invisível. Tinha um ruído de tamborilar de dedos se enervando. Ele pedia de volta o silêncio...

Pegou o celular. Nada funcionava. Sem mensagens, ligações completadas, whats, quem dirá internet... E agora? !Deu um grito, se arrastou até bater na parede. Os olhos arregalados e todo o corpo ofegante. Suava frio. Tudo em resposta a uma invenção de metal cansado e enferrujado que girara na parede e a aparecia, em seu lado recortado, com uma coca KS e um lanche desconhecido, mas com deliciosa aparência e cheiro. Estava faminto e sabia que não deveria comer, mas comeu. Alimentou seu corpo e sua mente se satisfez com o medo. Riu de nervoso. Estava isolado.
22h – 4h
Começou a se sentir mal quando o sono finalmente chegou. Deitou por pouco tempo arrepiando com o tamborilar de dedos aumentando a velocidade vindo de todo o quarto. Como se a pressão daquele cubículo caísse a cada investida do som fantasma. Procurou a luz pelo interruptor. Desesperado já estava no banheiro enchendo a pia pela segunda vez. Não cabia mais nada, então virou para o vazo. Três vezes. Desentupiu a pia com aquele fedor do que havia comido há pouco. A mão remexendo, de dentro de uma sacola, o rosto virado para evitar olhar e cheirar. Os olhos fechados concentrados.  Lavou a pia e as mãos. Escovou os dentes e voltou ao chão e ao medo.

Nada de dormir o som fantasma do ventilador aumentou. Depois de uma hora de paranoia a mente se somou ao cansaço do corpo. Dormiu. Um frio infernal. Acordou assustado no meio da madrugada. O som fantasma aumentara e se repetia sem intervalo. Em pânico e com dor, Jean se encolheu. Percebeu que estava naquela cama contaminada. Havia um brilho tênue no quarto. Um vultou avançou do espelho para ele e se dissolveu na cama. Não se deu conta que ligara o celular e acendera a luz. Mas percebeu de imediato que o silêncio que o apavorava no início voltava como uma carícia desejada.

Um momentâneo silencio pousado. Jean tremia sem controle. Soluçava. Chorava. Arrependia-se. O som fantasma parecia nem ter parado. Tamborilava agitado, rápido e ofegante. Primeiro vinha do ventilador, depois parecia a espreita em cada canto do quarto. A luz se oscilava e celular também. Tudo se apagou, menos Jean que correu para o banheiro. Todo aquele tamborilar tornou-se um sufocamento e um ranger como se um grande peso estivesse suportado por partes que se arrastavam.


Ao sair do banheiro. A escuridão se acumulava. Nada via, mas ouvia, com a carne e a alma, o tamborilar, o arranhar e a respiração ofegante. Agora em seus ouvidos... Não esperou amanhecer. Se jogou na porta daquele túnel do tempo até esta ceder. Deixou tudo para trás. Seus pés sangravam, sua cabeça latejava e cada olhar era de um desespero novo. O tamborilar, o arranhar e a respiração ofegante estavam com Jean. Grudados em sua alma, cortando seus tímpanos.

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Ilhota


Ilhota
 
O tempo vai,
caindo no vento,
corre tempo,
corra vento
e as quinas das cidades assoviam ofegantes,
 
instantes não são mais instantes, são estantes sem fronteiras,
 
cada movimento se dissolve sem barreiras,
 
passa para a memória
e como a história, melhora
 
dependendo da pessoa que toca.
 
(Rafael Belo, 10 de janeiro de 2014, sexta-feira, às 07h01).

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Ilhas e tempos

Ilhas e tempos

por Rafael Belo

O tempo pode ser considerado uma ilha. Uma ilha particular. Cada um tem a sua. Às vezes poucos segundos, ou menos que isto, e já criamos pontes com outros tempos, outras ilhas. Outras vezes são necessários mais minutos, meses ou anos. Mas é preciso que tempos e ilhas convivam e queiram conviver para desbravarmos onde estamos, somos e muita calma para dar as mesmas oportunidades para o outro. Porque sabemos da lupa e os problemas. Lidar com eles, ignorá-los e os tratar como se não existissem é uma forma de nos colocarmos no lugar do outro porque realmente para algumas pessoas nada disso existe. Nem tempo nem ilha.

Mesmo vivendo neste arquipélago psicológico e repleto de temperamentos se digladiando e alfinetando, os fenômenos naturais aliados as nossas persistências se repetem todo ano. Chuvas e fatalidades, velocidades e mortes, marcas carregadas pelo oráculo repetitivo no calendário, no noticiário e nas conversas por aí. Carregamos o desleixo com o qual tratamos nossas vidas fazendo questão de esquecer o peso de cada decisão, escolhida a dedo, no atropelar de nossa pressa, feita pelo nosso tempo.

Do ponto mais alto da nossa ilha cercada de serras e da nossa própria natureza, até o outro faz parte disso. O vemos por meio de nós, através dos nossos olhos pré-concebidos. Estes nossos olhares do avesso. Avesso porque por mais que se aproxime da versão original deste, não é como ele se enxerga, não é como ele se encaixa no arquipélago concebido em um todo como mundo. Mas nestes tempos cada vez com ilhas mais isoladas, há pegadas dos outros nas praias, há sinais nas cachoeiras, há muito de nossa areia por aí, nos pés, pele e olhos dos outros.

Somos nós ganhando um espaço nas outras praias, em outros tempos. Tentando compartilhar nosso particular e, com o tempo, nossas fronteiras se libertam se misturam com outras ilhas e são outros tempos por mais que esta Roda-Gigante, esta Montanha-Russa, acelere, gire, caminhe de costas, fique de ponta cabeça, diminua, em algum ponto descobrimos que o vento nos carrega e deixa um pouquinho do avesso do nosso olhar circulando em quem faz/fez parte do nosso ilhar tiquetaqueando.