segunda-feira, junho 30, 2014

Dois graus a menos – por Rafael Belo












Quanta vida esconde um sobrevivente das ruas? O medo circula com características de raiva. Baba e rosna. Morde e infecta. Quando aprofunda os dentes e arranca pedaço de carne, jorra o sangue... Quem sonhou morar nas ruas? Ninguém nunca quis a companhia do trepidar dos dentes, do estremecer do corpo ou conversar com o frio soprando impiedoso no ouvido e pela pele queimando como se um fogo gélido estivesse aceso e nós fôssemos água e puro álcool. Tudo se alastra com a terrível intensidade de um pesadelo do qual não se acorda.

Toda a roupa é puída, rasgada, velha, encardida ou assim ficará. As pessoas tentam fazer os moradores de lugar nenhum serem invisíveis e os temem. Não sabem da história, não querem saber das necessidades, não dirigem um olhar de dignidade para elas. Quantos agasalhos são apenas estética ou estão na fila para não os repetirmos no período de inverno enquanto muitos agravam os males já existentes no corpo e multiplicam os da mente ou morrem de frio. O inverno começou há nove dias e as temperaturas vem caindo.

É seco. É frio. Nós estamos agasalhados, quentinhos. Lá fora as ruas não são piedosas e nem nós. Basta baixar dois graus a temperatura do corpo e já temos hipotermia. A queda de temperatura é sinal de urgência no hospital. O risco é de morte. Há muitas vidas expostas de maneira absurda nas ruas pelo consumo de álcool, drogas, violência e pela sobrevivência esquecem a criatividade, perdem a vontade, perdem a fé e deixam também de acreditar nas pessoas. Mas quase sempre basta um gesto generoso e a vida desta pessoa é devolvida.

Paramos de torcer o nariz no nosso medo travestido de preconceito. Há moradores de rua que vendendo bala voltaram a ser visíveis e mais.  Há 29 anos um morador de rua carioca queria comprar remédios para a esposa grávida, recebeu o empréstimo de um porteiro equivalente a R$ 12 e no caminho da farmácia resolveu comprar dezenas de balas.


As vendeu em minutos, comprou os remédios e pagou o porteiro. Sem estudos, mas com imensa fé e vontade bolou planos de marketing e ensina hoje em palestras a empresários ao custo de 12 mil reais, como ser um vendedor de sucesso. Ganhou até um prêmio em Nova York “maior especialista em vendas do mundo”. Talvez a falta de agasalho em um dia de frio tivesse levado dele dois graus e com  dois graus a menos a vida dele também pudesse ter ido e só sobrasse uma manchete fria em algum jornal não lido... 

sexta-feira, junho 27, 2014

Não era esperança (miniconto) – por Rafael Belo







Aquele sofá já tinha seu formato mesmo ele se derramando nele apenas às noites. Souza Cinza era consumido pelo sofá. O sofá era o encosto da solidão. A solidão um sumidouro onde desapareciam vítimas constantes e, ele como todo ser humano, oscilava em casa. Seu humor era multipolar e ele não sabia o que fazer com tanta liberdade. Separava seus momentos como instantes de estar sozinho e o restante de lidar como ser solitário, porque, obviamente, não são a mesma coisa.

Estar sozinho era uma necessidade da alma para se expandir. Uma precisão do coração para relaxar e um vício da mente para aquietar.  Ser solitário é.... O silêncio incomodo, o vazio do lar, uma coceira inalcançável, uma ausência de conexão, um medo explicado, um celular mudo... Era uma malcheirosa bosta! Porém, era uma condição por ele imposta. Uma escolha irreversível, simplesmente porque ele não tinha vontade suficiente para reverter. A preguiça se enraizava em seus ossos e, como dizem por aí, cada vez mais Souza Cinza tinha preguiça das pessoas.

Tinha uma inveja doentia das folhas secas. Mesmo mortas, nunca estavam sozinhas e ainda iriam melhorar o solo. Estavam ligadas a algo. Este algo é a renovação da natureza. Ele era um estorvo. Seu nome tinha o significado da ironia. Seixo, pedra...  Não sirvo nem para ficar no meio do caminho de ninguém. Entre a depressão e a total falta de estima e baixa autoestima. Então, um grande inseto verde grama começou a sobrevoar sua cozinha americana e em seguida a sala. Ele estava na sala sendo consumido pelo sofá. Souza pensava: VáemboraVáemboraVáembora...


Com o spray de veneno na mão acertou o inseto no ar, na pia e depois no chão enquanto este tentava limpar a cara. O fez até matá-lo. Souza só conseguia se balançar e repetir: eu matei a esperança... EU matei a esperança... EU MATEI A ESPERANÇA... E o fez até ficar rouco e depois até perder a voz. Então, desapareceu como a voz. Foi-se no sumidouro da solidão. Estava finalmente consumido pelo sofá. Ele desapareceu com a esperança morta. Mas, aquele grande e verde inseto era apenas um devorador. Um destruidor gafanhoto. Este teve a morte antecipada por segundos. Longe de sua nuvem morreria de qualquer jeito.

quinta-feira, junho 26, 2014

chão









grama seca desfocando o verde
atrás da contorcida pena bicolor
sua sombra sedenta traz a sede
em todos os contrastes prolongados, sem sabor

língua que molha os lábios, solário das redes
balançando ao som da pulsação tambor
Coração é impulso, pulso firme de estar inteiro
cabideiro da Alma capacidade, genialidade de estar na imensidão entre imensidões

situações da mente criação, inspirando espaços vazios de cheias
alheias penas voando nossa imaginação.


(às 23h32, Rafael Belo, quarta-feira, 25 de junho de 2014)



quarta-feira, junho 25, 2014

Esfarelando (miniconto) – por Rafael Belo









Não poderia ser pelas incontáveis horas debaixo de sóis de todos os desertos, poderia? Cada pessoa tinha constelações só de astros reis permanentemente ao meio dia sobre as cabeças. Mas era ela quem pensava no plural. Estava sozinha há horas, aliás há dias... A pele de Sara desaparecia nas mãos, ela delirava. Era a própria insolação em seu oásis pessoal. Sentia-se severamente um zumbi. Enquanto suas ideias poluíam a mente enlouquecedoramente seus pedaços pareciam partir.

Caiam pelas esquinas sem sequer serem tocados. Não estavam apodrecidos. Pareciam esquecidos.... Como uma reação natural da falta de propaganda. Quem não é visto, não é lembrado, portanto, é esquecido. No delírio solar, Sara via seus membros aparecendo nas caixinhas de leite do passado, nas notícias dos telejornais do presente e nos nomes de praças ruas e avenidas do futuro. Ah, porque Sara garantia ser celebridade. Garantiu até perder a língua.

Estava esfarelando esquizofrenicamente, estava desaparecendo. Virava um pó cinza e rapidamente era varrida pelos moradores obcecados por limpeza. Sara saltava de esquina a esquina e se espalhava. Ficava um pouquinho em cada lugar. Uma doação literal para aquela cidade. Se todo aquele solitário cinza cobrasse o esforço de Sara ela estava certa em deixar os olhos, as orelhas, a boca, o nariz, a cabeça, o tronco, um braço para lá, outro acolá e as pernas acabam de se separar, mas estavam frente a frente.

O cérebro de Sara também se preparava para virar farelo e se tornar um monte de pó no asfalto. Ela não hesitou em deixa-lo. Suas lembranças já eram clara e gema cozidas naquele asfalto do inferno. Por último, Sara arrancou o coração do peito. Ele batia como uma ladrão coberto de cicatrizes que acabava de garantir uma plástica caso ficasse onde estava. Mas saiu. Partiu-se tanto... Mesmo tão nova, Sara tinha ideias e vontade suficiente para fazer o feito e fez. Reconstruía a cidade. Agora precisava de outro novo.


Ficava Sara sabidamente sarada.  Ela não olhava para trás porque realmente ficava. Quem partia era outra, era nova e Sara gostava da ideia de ser nova e da sensação de fugir, desaparecer e desaparecia.

terça-feira, junho 24, 2014

anteverei



estava lá em um minuto e no seguinte nem o minuto existia mais
cada milésimo dos sessenta segundos estava incapaz
todos os esquecidos estavam desaparecidos
formavam uma multidão de desconhecidos
aquele tempo novo não deveria ter acontecido
havia alvorecido a sensação arrepiante dos esquisitos
mitos em atrito com o nevoeiro das lembranças
passando tão rápido parecendo na visão manchas

substâncias da incômoda estatística da cegueira do rei

abrigo dos amigos oblíquos no pensamento longínquo sem tato

onde o tempo conjugará e passará a ser anteverei, desaparecendo sem relato gradativamente no antigo espaço.

(às 20h56, Rafael Belo, segunda-feira, 23 de junho de 2014)

segunda-feira, junho 23, 2014

O que aconteceu? – por Rafael Belo





Ela foi trabalhar. Colegas a viram entrar no escritório e, mais tarde, saindo para o almoço. Isto foi dia 9 de janeiro de 2004. Ela desapareceu. Não foi obtida mais nenhuma informação sobre a mulher. Há dez anos ela está desaparecida. É um relato real da mãe da jovem ainda não encontrada. É falsa a história de ter de esperar 48 para denunciar um desaparecimento. Tratando-se de um adulto sem qualquer problema é mais moroso sim, mas um idoso, uma criança ou qualquer pessoa com algum problema de saúde, é preciso imediatamente dar queixa na polícia.

Não é difícil desaparecer sem deixar qualquer rastro. Desliga-se o celular, deixa de entrar em contato e pronto. Imagina quantas coisas podem acontecer. Em 2011, o jornal O Globo fez um levantamento no Brasil que apontou: a cada 11 minutos uma pessoa desaparece no país. São 141 desaparecimentos por dia, 51 mil 465 pessoas por ano. Ou seja, nestes dez anos sem notícias da anônima desaparecida citada no início deste texto mais de meio milhão de pessoas saíram de circulação no cotidiano da vida brasileira, exatamente 514 mil 650 pessoas.

Estes são os registrados. Em 2007, a Unicef (Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para Criança, agora é conhecido como o Fundo das Nações Unidas para a Criança.) divulgou que das 2,2 milhões de crianças no mundo na época, 1,2 milhão eram anualmente vítimas de tráficos humano. Não há dados atualizados sobre desaparecimentos no Brasil e no mundo. Mas desde a história: um dia foi comprar cigarros e nunca mais voltou, até os usuários de drogas e daquelas que foram fazer uma visita e sumiram, amigos e familiares permanecem em dúvida sobre o que aconteceu.

Mais de 201 milhões de pessoas existem hoje no Brasil e 7 bilhões no mundo. Para todos os brasileiros desaparecerem seriam necessários cerca de 20 mil anos, considerando que não teremos mais filhos. No mundo iriam aí mais ou menos 640 mil anos... E os que já desapareceram, serão esquecidos? Só se mantermos lembranças ruins destes. Mas laços de sangue não são desfeitos, assim como de verdadeira amizade. Nós precisamos saber. Ter um motivo, qualquer razão para tudo. Ninguém simplesmente desaparece. Ou fugiu ou está preso, sem memória, no hospital, assassinado, morto por causas naturais ou acidentais e quem sabe abduzido. O fato é: o que aconteceu? 

sexta-feira, junho 20, 2014

amarelando (miniconto) – por Rafael Belo








Há gerações seguiam a risca o quinto decreto amarelo. Ele agora se perguntava o porquê. Por que ninguém nunca questionou quais são os outros decretos? Quem diabos é o Rei de Amarelo??? Tudo isso lhe dava arrepios e uma sensação de uma futura certeza. Certamente ela aconteceria. O primeiro sinal aconteceu durante suas primeiras horas de dúvidas e hesitações.

Amaralino estava amarelando há tempos. Não percebeu o sol passando sem fazer diferença, pois as sombras... As sombras permaneciam densas e paradas... Como se o tempo esperasse uma solução para continuar. Quando a noite chegou havia um sabor metálico com textura de kiwi e um fundindo rançoso no ar com o aroma de uva passada.

Como se o próprio Rei de Amarelo tivesse jogado seu manto no céu e a coroa negra estivesse perdida para sempre, Amaralino temia o pior. Ele já se sentia perseguido e nem havia manifestado seus incômodos e insônias. Ah, tantas noites em claro amarelando ao invés de tomar coragem. Encolhia-se várias vezes em si mesmo em tantos universos contínuos paralelos... Mas como dormir com aqueles pesadelos?

Ele era perseguido por vultos e sabia ser vossa apavorante majestade. Terminava sempre da mesma forma. Amaralino caia sem parar nas escuridões e silêncios absolutos como o Rei. Havia escuridões mais escuras e silêncios mais mudos. Antes de cair no vácuo entre as escuridões e ver as estrelas começarem a aparecerem novamente infinitamente, Amaralino sentiu todo o pavor da certeza da presença do Rei de Amarelo. Depois foi só a dor de um centro pesado e definitivo. Ele tinha razão de amarelar.

quinta-feira, junho 19, 2014

falso origami



chovia dourado sol amanhecido / as pessoas eram pães [adormecidos]
e o mundo é um quadro /fado entristecido impressionista
[nos tons pastéis expressionistas]
da falta de expressão no rosto amarelo
imóvel de tantos sorrisos de aluguel

origami de vários coloridos, mas sempre amarelado papel

dobrado nos pregos da ferrugem em todas as dobras erradas
passadas sem atitudes, porém, além de serem alisadas,
pregadas na representação geométrica sem métrica [nem matemática]
na falta de forma, tamanho, posição em total ausência [de definição.]


(às 21h16, Rafael Belo, quarta-feira, 18 de junho de 2014)

quarta-feira, junho 18, 2014

Constelação do esquecimento (miniconto) – por Rafael Belo





A coroa negra era feita de pedras preciosas derivadas do ônix, turmalina preta, obsidiana, hematite, mas principalmente de axinite e opala preto. Toda sua armação era feita de um tório deixado no ar mais puro da China. Toda luz refletida era amarelada com uma aura negra. Havia uma força magnética dona de todos os olhares e quem olhava tinha a mente esvaziada deixando um olhar abobado, quase feliz.

Queria se apoderar da coroa negra, a milenar, o Rei de Amarelo. Ela sonhava possuí-la e reinar além dos seus limites. Vesti-la era coroar a cabeça com o universo estrelado. Havia muitas estrelas mortas ainda iluminando suas ideias. Ele passou tanto tempo alucinando ser mais majestoso que foi ficando ele amarelo. O Rei Amarelo de Amarelo...

Queria seus súditos como ele e sabia ser a única majestade capaz de suportar a coroa negra. Já havia espalhado seu rosto e trajes nas faces da moedas. Ninguém havia percebido. Aos poucos o papel moeda também o tinha em todas as suas formas. Não demorou muito para alcançar o interior de cada um e todos começaram a amarelar. O problema é que o absolutismo corrompe até o absoluto.

O amarelado Rei de Amarelo julgava-se, e nós o imitávamos sem sequer sabermos, um ser único. Um amarelo ser acima de todos os outros seres, mais evoluído, inteligente, perspicaz e claro não era. Em pleno Brasil durante a Copa do Mundo, descobriu a coroa negra escondida à vista. Em cima do painel digital em um fim de tarde amarelando em Campo Grande – MS, em sua principal avenida. Como todos ao redor, estava hipnotizado, sua mente estava vazia e seu olhar abobado. Olhava para cima e já se esquecia quem era... De novo.

terça-feira, junho 17, 2014

amarelado roteiro


amarelou a reação refletida regularmente,
momentaneamente maculando mentes,
tingidas tinhosamente tolas, fingidas deste amarelar doente,
culpando cebolas pelo conteúdo das ampolas
rentes ao demasiado maduro
imaturo no choro do amargar foragido
atingindo repetidamente o fígado
depois do direto duplo twist carpado, julgo...
não poder julgar a bile
digerindo a melancólica gordura indigesta[fria]
no amarelado roteiro deste desfile [ a rua está vazia.]

(às 09h17, Rafael Belo, segunda-feira, 16 de junho de 2014).


segunda-feira, junho 16, 2014

Em quarentena (resenha do livro O Rei de Amarelo) – por Rafael Belo



Taticamente tudo tingiu-se de amarelo. Um onírico gótico perdido paralelamente pelo passado, trouxe detalhadamente a ambientação para um olhar amarelado. Ao invés de rostos máscaras escondendo algum tipo de doença ruminando a alma e o cérebro, tornando todo o mais do corpo mera carne. Se a corrupção tivesse uma cor certamente seria amarela e estaríamos, pelos clínicos olhares médicos, em quarentena. Amarelo é atenção e indício de algo errado, de veneno no reino animal e passando do ponto, principalmente se tiver um tom passado de mostarda apontando para um degrade terminado em início de preto. Desta forma há inúmeros Reis de Amarelo à solta por aqui.
Dificilmente tudo termina em apenas um significado, portanto o amarelo aqui reinante não é luz, alegria, descontração, otimismo, calor... Todos estes adjetivos não reinam na totalidade dos significados. É claro, de clareza, que transita pelo branco da pureza apenas por sonho. Do latim hispânico amarellus que é diminutivo de amãrus significando amargo, também está ligada a discórdia. Sua origem é do liquido do fígado, a bile, que digere as gorduras.  Aliás, a digestão do clássico O Rei de Amarelo é atenuante. Está tudo sutilmente e explicitamente ligado. Sem contradição. Há uma corrupção ativa perante a passividade dos personagens até diante do desejo da pureza.

Covardia, traição, doença, ciúmes, medo indecisão, retrocessos... Todos os semáforos do mundo latejam o amarelo.  As cabeças coroadas beiram a loucura pela manutenção de tanto poder e o fígado faz seu papel e corrompe em todos seus sentidos e significados: tornar podre, estragar, decompor, alterar, adulterar, perverter, depravar, viciar, subornar, peitar, comprar. Se perguntarem-se quais as cores mais utilizadas pelos protagonistas pintores e pretensos do livro O Rei de Amarelo, esta seria a cor amarela... Respingada em todos os enredos...

Tão profundamente continuando a mesma história em dez contos arrepiando as palavras e deixando cair pelo demais do madurecer, nos tornando durante a leitura, aquele ambiente onírico gótico norte-americano afrancesado com um sorriso a amarelar, em todos os tons pasteis possíveis. No fim, como óculos postos perante um sociedade repetitiva, nos permitindo enxergar o quanto este pesadelo é real, o tanto da ficção tateando o sobrenatural ignorante do nosso dia-a-dia... Porque o “não saber” e o “ouvir falar” arrepia tanto a nunca quanto a queda brusca da temperatura deste terror cósmico nos empurrando em quarentena. Só precisamos descobrir se desejamos ir para esta direção.


O Rei de Amarelo, de Richard W. Chambers

Obra-prima de Robert W. Chambers, O Rei de Amarelo é uma coletânea de dez contos de literatura gótica publicada originalmente em 1895 e considerada um marco do gênero. Influenciou diversas gerações de escritores, de H. P. Lovecraft a Neil Gaiman, Stephen King e, mais recentemente, o escritor, produtor e roteirista Nic Pizzolatto, criador da série investigativa True Detective, exibida pela HBO, cujo mistério central faz referência ao obscuro Rei de Amarelo.
O título faz alusão a um livro dentro do livro — mais precisamente, a uma peça teatral fictícia — e a seu personagem central, uma figura sobrenatural cuja existência extrapola as páginas. A peça O Rei de Amarelo é mencionada em quatro dos contos, mas pouco se conhece de seu conteúdo. É certo apenas que o texto, em dois atos, leva o leitor à loucura, condenando sua alma à perdição. Um risco a que alguns aceitam se submeter, dado o caráter único da obra, um misto irresistível de beleza e decadência.




quinta-feira, junho 12, 2014

as novas



minhas palavras se enroscam na língua, atrapalham-se na boca e ficam atrasadas no papel
tentando acompanhar o raciocínio do pensamento solto, vão em enxurradas de movimento até onde me avistei
vistei meu nome e revisitei meu eu passado, ultrapassado de tudo que já falei

encosto no meu marco, saco novos versos daquilo ainda não rimado, remado como barco
pela enxurrada do atropelado, inundado pelo tsunami cotidiano adiando maremotos
me afundando em mim, cheio de infinitos tortos... e eu já não me acompanho, colhendo as flores deste jardim absoluto, me apanho feito aroma, pelo nariz

tudo que fiz,
exatamente há um minuto,
já está de luto... [É alguma boa prima, do ressentimento] Há novas rimas, morrendo e nascendo.

(às 16h32, Rafael Belo, quarta-feira, 11 de junho de 2014)

terça-feira, junho 10, 2014

quando




profundamente em contraste, o caule e a haste, nas profundezas da terra, no limite do céu
retoricamente encontrasse, pule e trace, a delicadeza da cratera, o palpite em escarcéu
o voo do chapéu por toda a extensão do lacre da abertura do passe do vento que sou
calmaria e tempestade no mesmo verso, lacrasse o universo no meu anexo, restou...
 em algum canto da terapia toda a perfeição da alegria sem fim, mirasse o serafim
e criasse um querubim sem asas, voando vagos ventos tortos
surgindo sussurros sucintos, em meios copos,  importados dos ecos e importasse
o sussurrasse todo dia
para o respirasse profundamente encontrasse
o contraste do solo e do colo e quando os pés enterrasse, em meio as raízes,... levitasse.

(às 00h31, Rafael Belo, terça-feira, 10 de junho de 2014)

quinta-feira, junho 05, 2014

sentado

                                                               
vou sentar na sombra, para preservar a nova onda,
de frio aqui dentro em ronda [caminhando por aí sem acordar
sonambulando sem respirar] elaborando uma sonda

me aquecendo de lamentos, alimentando gelo com palavras

transformando sentimentos floridos
em flores murchas, despedaçadas

levando feridos, para a máscara descarada

[escancarada ]a sombra senta em mim
suga a raiva guardada para si, leva a primavera do meu jardim,
traz a invernada/e o orgulho já não é mais nada.



(às 12h37, Rafael Belo, segunda-feira, 02 de junho de 2014)

quarta-feira, junho 04, 2014

Caminhada (miniconto) – por Rafael Belo



Regina caminhava e olhava para cima. Seus pés cheios de bolhas e calos já tinham passado qualquer definição de dor. Mas ela era forte. Suportava e caminhava. Obstinada. Olhava para cima. Orientava-se pela antena. Como sempre foi livre. Ela queria se vingar daquela antena transmissora. Todas as operadoras estavam lá e mesmo assim seu smartphone não tinha sinal nenhum. Se tivesse pensado bem não teria destruído o celular... Mas...

Ela não sabia por onda andava. Nem percebia estar perdida. Não percebeu, também, estar em um labirinto de ruas e quadras se entrelaçando em nós. Regina, então, parou. Se tivesse alguém perto e, como de costume, mexendo no esperto celular, além de dar a ela uma cabeçada das grandes, iria mais uma vez deixar cair o celular esperto. E claro, soltar aqueles palavrões reprimidos. Mas estava sozinha e ninguém via o que ela via.

Logo a frente. Havia uma pessoa caída. Na verdade, ela especulou com certeza,  só poderia ser um travesti. Ao ver dela, a onda de surras gratuitas e covardes não pararia mesmo quando houvesse um bom exemplo de justiça. Nada de olho por olho, mas cadeia e uma boa educação moral. Ela se aproximou. Ele estava assustado, mas deixou cair a expressão de pavor quando a viu estender a mão. Tirando os traços masculinos. Ele poderia ser um bela mulher. Seios fartos, cabelo ruivo bem cuidado e quase uma viola...

Não disseram nada por um tempo. Ele estava escorado em Regina, aceitando o milagre sem questionar. Ela perguntou apenas onde ele morava. – bem naquele canto onde me salvou dos meus pensamentos. E se for perguntar da família... Veja bem as marcas que encontrou em mim...  O celular dele funcionava... Regina ligou para uma ambulância e aos seus 40 anos virou uma mãe confidente, amiga de Regis de dia e de Rita à noite. E o sinal perdido segue por lá, Regina continua a caminhar.

terça-feira, junho 03, 2014

a-cor-dar



ilusões perdidas são desenhadas,
na borda da estrada, reduzindo a sacada...
por todo acostamento disfarçado de escada

para a descida em ângulos,
iluminando os olhos fechados cheios de sonâmbulos

caminhando por passos marcados, logo,
querendo exercer livremente sempre a razão,
ignorando o diálogo,

praticando a cegueira na ladeira, nos cegos atos e visão

perdendo a audição e as estribeiras, na própria paralela dimensão, [ao distorcer seu pensar] invadindo a invasão, sem sequer acordar

segunda-feira, junho 02, 2014

Sonambulando – por Rafael Belo

Roubar sonhos, vidas, ser o que não é. Viver de apropriação e do falso sentimento de vitória quando o outro é derrotado, recebe um nocaute e toda a família cai junto. É a alta voltagem da malandragem. A mania de tirar vantagem em tudo. De ter tudo com o menor esforço possível.  Enganar a coletividade e contar como se tivesse conquistado um torneio conceituado superpremiado. O golpe diário tirando o pão e a segurança do povo. E ainda acham que o gigante acordou... Ele é sonâmbulo e sofre de delay agudo.

Fala-se tanto dos nossos sonhos. Somos sonhadores? Alguns sim. Outros seguem os passos do país. De olhos fechados e mãos abertas. Sonhadores são como poetas, estão em extinção e não possuem nenhum tipo de proteção. Os sonâmbulos nem sequer podemos acordar. São os verdadeiros zumbis. Fazem seja lá quais forem suas vontades e alguns segundos depois voltam a dormir. Acordar é difícil. A cor dar. Dar a cor a vida. Utilizar o coração em cada feito, em cada pensamento e, claro, levantar da cama.

Mas parece ao contrário. Querem usufruir das ações alheias, colocar em prática a ideia do outro, devorar os cérebros que brilham e continuar a descansar. Espreguiçar-se na cama. Quantas vezes for possível e se possível for permanecer deitado, viver a vida na horizontal ou encostado. Até utilizar a própria mente para planejar conseguir sem conquistar. Acabam seguindo sonâmbulos pelos cantos e, às vezes, até em destaque no centro do picadeiro e o circo caiu, a lona foi reciclada e todos os animais readaptados a selva – de pedra.

Dois segundos, ou mais, depois do entendimento geral, o som chega e, talvez, a compreensão de que roubou suas próprias chances de acordar... Agora os sonâmbulos perambulam com a lona na cabeça e se confundem aos animais. Seguindo os instintos mais selvagens de sobrevivência e não sabemos mais se aumenta a violência física, psicológica ou moral, se estamos no circo e só há ilusionista manipulando a realidade para que seja feita a vontade deles e nossas ilusões sejam perdidas.