segunda-feira, junho 16, 2014

Em quarentena (resenha do livro O Rei de Amarelo) – por Rafael Belo



Taticamente tudo tingiu-se de amarelo. Um onírico gótico perdido paralelamente pelo passado, trouxe detalhadamente a ambientação para um olhar amarelado. Ao invés de rostos máscaras escondendo algum tipo de doença ruminando a alma e o cérebro, tornando todo o mais do corpo mera carne. Se a corrupção tivesse uma cor certamente seria amarela e estaríamos, pelos clínicos olhares médicos, em quarentena. Amarelo é atenção e indício de algo errado, de veneno no reino animal e passando do ponto, principalmente se tiver um tom passado de mostarda apontando para um degrade terminado em início de preto. Desta forma há inúmeros Reis de Amarelo à solta por aqui.
Dificilmente tudo termina em apenas um significado, portanto o amarelo aqui reinante não é luz, alegria, descontração, otimismo, calor... Todos estes adjetivos não reinam na totalidade dos significados. É claro, de clareza, que transita pelo branco da pureza apenas por sonho. Do latim hispânico amarellus que é diminutivo de amãrus significando amargo, também está ligada a discórdia. Sua origem é do liquido do fígado, a bile, que digere as gorduras.  Aliás, a digestão do clássico O Rei de Amarelo é atenuante. Está tudo sutilmente e explicitamente ligado. Sem contradição. Há uma corrupção ativa perante a passividade dos personagens até diante do desejo da pureza.

Covardia, traição, doença, ciúmes, medo indecisão, retrocessos... Todos os semáforos do mundo latejam o amarelo.  As cabeças coroadas beiram a loucura pela manutenção de tanto poder e o fígado faz seu papel e corrompe em todos seus sentidos e significados: tornar podre, estragar, decompor, alterar, adulterar, perverter, depravar, viciar, subornar, peitar, comprar. Se perguntarem-se quais as cores mais utilizadas pelos protagonistas pintores e pretensos do livro O Rei de Amarelo, esta seria a cor amarela... Respingada em todos os enredos...

Tão profundamente continuando a mesma história em dez contos arrepiando as palavras e deixando cair pelo demais do madurecer, nos tornando durante a leitura, aquele ambiente onírico gótico norte-americano afrancesado com um sorriso a amarelar, em todos os tons pasteis possíveis. No fim, como óculos postos perante um sociedade repetitiva, nos permitindo enxergar o quanto este pesadelo é real, o tanto da ficção tateando o sobrenatural ignorante do nosso dia-a-dia... Porque o “não saber” e o “ouvir falar” arrepia tanto a nunca quanto a queda brusca da temperatura deste terror cósmico nos empurrando em quarentena. Só precisamos descobrir se desejamos ir para esta direção.


O Rei de Amarelo, de Richard W. Chambers

Obra-prima de Robert W. Chambers, O Rei de Amarelo é uma coletânea de dez contos de literatura gótica publicada originalmente em 1895 e considerada um marco do gênero. Influenciou diversas gerações de escritores, de H. P. Lovecraft a Neil Gaiman, Stephen King e, mais recentemente, o escritor, produtor e roteirista Nic Pizzolatto, criador da série investigativa True Detective, exibida pela HBO, cujo mistério central faz referência ao obscuro Rei de Amarelo.
O título faz alusão a um livro dentro do livro — mais precisamente, a uma peça teatral fictícia — e a seu personagem central, uma figura sobrenatural cuja existência extrapola as páginas. A peça O Rei de Amarelo é mencionada em quatro dos contos, mas pouco se conhece de seu conteúdo. É certo apenas que o texto, em dois atos, leva o leitor à loucura, condenando sua alma à perdição. Um risco a que alguns aceitam se submeter, dado o caráter único da obra, um misto irresistível de beleza e decadência.




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