domingo, agosto 31, 2014

embebidos



o resumo é tão extenso quanto a palavra infinita

contendo vários universos no avesso de cada som
nos versos vogais nas rimas consoantes, cada liga
no desliga vinculado na extensão de cada dimensão

separadamente no varal estendidas
a secar na brisa deste entardecer do refrão

no nosso quintal de beleza alvorecida
de segundo a segundo uma diferente canção
na síntese detalhada despercebida

pelos olhares embebidos de imaginação.

(Rafael Belo, às 20h24, domingo, 31 de agosto de 2014).


banho


cão Amor sempre incondicional nos brilhantes olhos

dispostos a demonstrar todo o carinho que há
a se fartar de presença nos olhares curiosos

em um interrogatório feito de cheirar
os aromas cotidianos contando onde estivemos, estamos

de rabo balançando, expressando sua liberdade em sonho
nos informando a alegria à vista, sem prazo, sem fim

escutando além do que dizemos sem sorrir, risonho
lambendo até o ar para estar nos tocando sempre em sim
correndo até nós ao nos ouvir, nos dando todo tipo de banho .


(às 21h17, Rafael Belo, 30 de agosto de 2014, sábado)

sábado, agosto 30, 2014

próximos




janela e portas abertas, mas tudo vazio
vadio a televisão desligada, ar aflito
estamos dentro da tela, conflito
silêncio apela ao som, martela
respiração da solidão, acelera
a luz invadindo em atrito
incendeia a flâmula flamejante
de quem éramos a um instante
abertos as mesmas imagens públicas, flagrantes
então, somos próximos… À próxima geração de antes.

(Rafael Belo, às 10h10, sábado, 30 de agosto de 2014)

Alegoria nossa (resenha do livro Ele está de volta) – por Rafael Belo



O passado deve permanecer no passado. Não aguentaria a velocidade do presente, a não ser se aparecessem neste momento gênios a frente do próprio tempo. Mas, não Hitler. Adolf Hitler não tem graça. Até quem não se lembra das atrocidades e ampliações territoriais da Alemanha nazista durante o assombrado holocausto no regime hitlerista, quer esquecer este período obscuro.

Ele está de volta, de Timur Vermes, me ganhou pelo designer clean, simples e significativo da capa e pela ideia de trazer o Führer führioso, mas a profundidade do personagem em um texto narrado o tempo todo em primeira pessoa nos cansa e não leva a crer no bizarro Reich alemão, porém vale a crítica à política atual alemã que reflete o posicionamento partidário mundial.

Uma coisa ruim não desaparece por uma coisa boa, então ele voltar e se adequar aos veículos de 2011, com todos os achando um comediante genial sem aceitar a possibilidade de ser realmente quem é, é típico da nossa desatenção e descrença. O perfil que conhecemos dele sem levar em conta seus (de)feitos e efeitos é levemente engraçado levando em consideração o cabelo e o bigode junto com a mania de grandeza.

São 300 páginas em um ritmo questionador sobre nossa realidade e o que aceitamos como cultura e valor. Nesse novo mundo se atropelando onde dizer a verdade é tão perturbador que preferem rir e achar graça na seriedade. Local das distorções e manipulações adaptadas conforme se quer acreditar na sombra da caverna enquanto permanecemos acorrentados de costas para a fresta onde a luz invade para acreditarmos ser os ecos e reflexos a realidade.


ELE VOLTOU. E ESTÁ FÜHRIOSOELE ESTÁ DE VOLTA - Timur Vermes

Adolf Hitler acorda num terreno baldio. Vivo. As coisas mudaram: não há mais  Eva Braun,  nem partido nazista, nem guerra.  Hitler  mal  pode  identificar  sua  amada  pátria,  infestada  de imigrantes e governada por uma mulher. As pessoas, claro, o reconhecem— como um imitador talentoso que se recusa a sair do personagem. Até que o impensável acontece: o discurso de Hitler torna-se um viral, um campeão de audiência  no  YouTube,  ele  ganha  o  próprio  programa de  televisão e todos querem ouvi-lo. Tudo isso enquanto tenta convencer as pessoas de que sim, ele é realmente quem diz ser, e, sim, ele quer mesmo dizer o que está dizendo. Ele está  de  volta  é  uma  sátira  mordaz  sobre  a  sociedade contemporânea  governada  pela  mídia.  Uma história  bizarramente inteligente, bizarramente engraçada e bizarramente plausível contada pela perspectiva de um personagem repulsivo, carismático e até mesmo ridículo, mas indiscutivelmente marcante.

sexta-feira, agosto 22, 2014

refeição viva (miniconto) – por Rafael Belo



 Aquela cerca era o limite entre a galinha e um mundo vasto demais para ela. Ciscar, comer, reproduzir, cuidar, ensinar os filhotes e depois tudo de novo até virar canja, cozido ou churrasco. Tácito se sentia exatamente assim, a cerca dele era a preguiça e a mentira personificada nos feitos ditos, mas não feitos por ele. Ele tinha a percepção... A qualquer instante poderia virar refeição da terra.

Morrer literalmente de preguiça, esta limitação cheia de fadiga evitada de Jaiminho. Quando o Programa do Chaves era mais transmitido este era exatamente o apelido de Tácito. Ele tinha tantos fakes nas redes sociais que até se exaltou, certa vez, com ele mesmo. Usou palavras tão belas e poéticas que as mídias digitais os excluíram e ele descobriu não saber quem era.

Foi quando foi embora sem sequer perceber. Então, largado ali naquele chão sem lembrar de como chegara ali, ficou hipnotizado pela repetição dos movimentos da galinha. Tácito estava enganado. A cerca não era suficiente para cercar a galinha, ela passa por baixo para lá e para cá, insistentemente ciscando como se não houvesse amanhã. Provavelmente esta noção era titica para ela.

Então, os olhos de Tácito foram galinhando e seu coração parando. Preguiça não engorda, esta é outra dos pecados capitais. Este é o mínimo resultado da gula. Ele não era guloso, tinha preguiça de repetir. Também era preguiçoso demais para ser saudável, mas havia herdado um belo plano de saúde corporativo. Sabe-se lá porque. Alguém o viu caído, contorcido e chamou socorro. A ambulância o levou para uma UTI exclusiva no apartamento do hospital. Quando ele acordou, os aparelhos respiravam por ele e mantinha seu coração batendo. Tácito teve preguiça de sair de lá.

quinta-feira, agosto 21, 2014

haste





foi embora no limite do poente
por acaso o ocaso era o horizonte da folha
derramando o sol feito orvalho na manhã dormente
uma gota partindo por escolha

esclarecendo o máximo o fim crescente
percebendo o significado do alcance da rolha
ao estourar a comemoração envolvente
rompendo todos os limites da ampola

clareando a beleza em contraste
na haste da viva sombra solta.


(Rafael Belo, às 21h30, 20 de agosto de 2014, quarta-feira).

quarta-feira, agosto 20, 2014

Foi embora (miniconto) – por Rafael Belo







Qualquer um necessitado de ajuda, logo a via sendo a salvadora, o ombro amigo. Certa deixa, Ternura armou seu melhor sorriso e disparou no auxílio de todo um grupo de irmãos. Eram duas mulheres e dois homens. Não tinham nem 20 nem 30 anos, mas perderam qualquer acúmulo material já conquistado. Ela deu além da metáfora da palavra e criou limitações gerais. Não era mais o outro os limites, era si mesmo.

Ternura nem era dona deste nome. Ela era uma mentira. Seu nome verdadeiro, Tessália, fora deposto há muito tempo. Mas, naquele tempo ela era ela mesma. Tinha percepção, no entanto era submissa. Era menos carente, contudo era compensada pelas visitas furtivas de ex-namorados na casa do ex-marido. Tinha compensações para tudo, mas alguém disse ser essencial ser feliz.

Ternura restituíra uma personalidade meiga, carinhosa, preocupada e solícita. Enfim, fazia jus ao novo nome, mas sua carência só aumentava. Ela chorava escondida e falava pelos cotovelos, não só os dela, mas dos outros também. Fingia ter um rumo, porém, estava totalmente perdida. Precisava dizer a verdade, necessitava contar sua história, não era possível esconder de si mesma tanta carência.

Ela se sentia um cachorro dependente do dono até para comer a ração já posta. Ela queria a presença desta pessoa inexistente, então foi presa na limitação da própria sombra em paralelo com a luz no olhar. Ternura olhava incapaz de enxergar. Suas lágrimas eram que choravam ela. Não havia mais eu naquela carcaça disposta ao sol. Toda Ternura também tinha ido embora.

terça-feira, agosto 19, 2014

ateu




labaredas leves levantam lambendo
lágrimas liberadas lustrando lesadas,
intactas, o alaranjado ar da limitação
da deposição do eu
perdido em uma urbana legião
na maior mentira mentindo para si, seu
quase sem querer crepitando a disposição

em um olhar ao longe na contradição
na falsificada sinceridade que doeu
na queda do apogeu na própria razão imposta [sem percepção].


(às 18h40, segunda-feira, 18 de agosto de 2014, Rafael Belo).

segunda-feira, agosto 18, 2014

Deposição do eu – por Rafael Belo



Há tantos limites impostos e depostos por aí, mas não chegam a confundir. As linhas imaginárias vão até o outro formando quatro paredes intocadas, local do único limite a ser respeitado. Todos os outros cabem aí. Se respeitamos o espaço e direto do outro cumprimos leis e normas gerais. Moral e ética passam, finalmente, a serem diariamente parte de nós. Desatando conteúdo e força de vontade há outros limites além da razão.

Limitações físicas? Ah, elas existem e surgem, porém as mentais só nós mesmos as deixamos nos gradear ou permitimos outros o fazerem por nós. Há todas as possibilidades de sairmos e irmos bem longe para nosso horizonte distante. Esta constante alegação de ignorância é malandragem. Não sabia que não podia? Não sabia ser errado?

Sério mesmo? Fui induzido pela bebida, drogas? Vale para os outros, não vale para mim? Falsidade. Fingimento agudo. Falta de educação velada. Preocupação forçada, montada, plantada para gerar resultados. É educado dar atenção quando não se quer fazê-lo? Seria possível ser menos educado agindo desta forma? Agir como se nos preocupássemos é uma mentira. Uma mentira dupla.

Já cantarolávamos a legião urbana que mentir pra si mesmo é sempre a maior mentira Quase sem querer. Mas se há o quase foi por querer. Para mudar, para ser e fazer melhor é preciso aceitar o que fez e quem é. Não vamos nos forçar a esclarecer, a nos aborrecer ou aborrecer o outro. É preciso perceber a si, o outro e o mundo... Do contrário seremos apenas um olhar para longe, sem sinceridade, impostos a nossa própria diária deposição.

sexta-feira, agosto 15, 2014

preso na caixa (miniconto) – por Rafael Belo





Aquela pena representava toda a liberdade. Ele estava confinado em uma caixa a prova de som. Nunca houve grades ou correntes, mas como cresceu sem contatos e relacionamentos, apenas sob a ditadura do silêncio, era prisioneiro do desconhecimento. Saga estava condicionado a não agir e pensar, então, era tão confuso. Era alimentado três vezes ao dia e depois uma bacia com água para se limpar. Até hoje. Uma parte gasta da caixa se abrira...

Lá fora a pena era soprada pelo vento. Para Saga a pena parecia diferente, mas era a primeira a chegar até os olhos dele, então... Estava desorganizada. Era a única palavra a ser entendida quando aquelas mãos entravam e saiam da caixa. Só sabia quando dormir e acordar por meio daquela luz artificial no meio da caixa. Para ele vento era uma respiração forte. Era o som entrando pela parte desgastada à prova de som...

Respiração livre começou a queimar dentro dele como desejo. Seu coração ofegava junto com a aceleração da respiração. Saga não conseguia ficar parado. Só conhecia o cheiro do medo e aquele novo odor, cheira liberdade, mesmo ele não sabendo nomear aquela sensação. Sabia ser... Pensava ser... Bem, ele não entendia ainda como aquele líquido e aquela coisa podre saindo dele sumia a cada novo acender de luz.


Saga não conseguia cortar suas unhas com a boca, então ele as raspava para manter elas rentes aos dedos. Raspava justamente onde o buraco se abriu. Saga forçava a abertura e ela cedia. Lá fora a pena parecia aproveitar o vento e se tivesse olhos, deveriam estar fechados. Saga só queria sentir aquilo. Sua dona tinha medo dele e ele sairia para mostrar a ela não ter motivos para temê-lo. Ele não sabia do motivo do temor dela vir da desinformação sobre sua raça. Mas ele apenas latiria e faria festa, não perguntaria para ela quem era o animal.

quinta-feira, agosto 14, 2014

A cor



O som dos grilhões ressoa aos milhões
multiplica correntes do passado em sensações
dissimulações de um tornado arrastando fantasmas
nas ligações das nuvens e do solo, ambulantes casas
não podendo ser chamadas de lares, apóstolo com asma
caindo nos colos, vulgares pensamentos de quem perdeu asas

vaso antigo contendo sorrisos perdidos, mas nada vaza
as fissuras são meras rachaduras onde o tempo não passa
atrasa o conteúdo para um fundo em brasas
com toda a fumaça escondendo o sol e a cor do céu azul.


(às 20h42, quarta-feira, 13 de agosto de 2014, Rafael Belo).

quarta-feira, agosto 13, 2014

Liberdade para quê?! (miniconto) – por Rafael Belo





Há tanto tempo ela seguia aquelas regras surreais e rígidas que nem sequer se lembrava do motivo de ser tão caxias. Não lembrava quando a carga horária de trabalho humanamente possível foi triplicada, no momento do sumiço dos direitos do trabalhador e daquela insistência do enriquecimento rápido por meio da ditadura e escravidão. Soledad via as pessoas ao seu redor morrerem como baratas envenenadas com baygon.

Extremos. Mas, os tempos não mudaram, as pessoas simplesmente aceitaram os corruptos desdobramentos dos marajás que as comandavam, que invertiam a situação de quem era empregado e quem era patrão de quem. Aquela imagem dos pássaros voando unidos e livres, não era uma esperança para Soledad era tortura. Pior que a dor física estimulada nela diariamente.

Todos os dias, Soledad era torturada com a promessa de férias, mas o dinheiro oferecido para trabalhar também em outros setores, em outros turnos a prendiam. Já ganhara muito dinheiro, mas mal tinha tempo de comer, quem dirá sair e relaxar. Trabalhava pelo trabalho. Um círculo vicioso só inferior as correntes prendendo os pés e as mãos. Limitando os movimentos.


Empobrecidos, os pensamentos também estavam limitados. Era pura rotina de escravidão. Acordar, comer, dormir e entre estas necessidades fazer a higiene pessoal. Não havia mais outros pensamentos. Quem conseguia fugir desta escravidão partia para se embebedar sem saber ao certo porquê, quem não simplesmente só queria dormir para no dia seguinte começar tudo de novo. Então, os grilhões caíram e a liberdade foi dada, mas fazer o quê com isto? Soledad queria perguntar àqueles pássaros, no entanto só conseguia falar e olhar. Mais nada.

terça-feira, agosto 12, 2014

gorjetas



extremos dos tempos sem início no começo nem término no fim
poeira levada pelo vento aos confins do sim
residente na paralisia cerebral balançado concordância
a todo autismo opcional onde os olhos não veem o horizonte a distância
nossa negação cotidiana repleta de intolerância
instância de nós arrastados por correntes, metálico sopro vazio som de passos
edição de personalidade em alto padrão, descompasso
todo uma era de distração imersa em profundidades rasas
raras vozes com sentido despetalando flores secas
repetição de vidas à deriva onde a riqueza que vale é gorjeta.


(às 18h40, segunda-feira, 11 de agosto de 2014, Rafael Belo).

segunda-feira, agosto 11, 2014

Levados pelo vento (resenha de Tempos Extremos) – por Rafael Belo




Ditadura e escravidão, ou melhor, escravidão e ditadura. Ambas deixaram marcas e traços profundos no mundo e mais ainda no Brasil pela durabilidade recorde, deixando de lado Coréia do Norte, Cuba, China e os não comentados Argélia, Congo, Sudão, Zimbábue e de uma forma mais velada Líbia e Venezuela. Estes ainda sofrem. Estes Tempos Extremos são abordados no novo livro de Miriam Leitão.

A escravidão e a ditadura hoje são outras. Nossa paralisia cerebral, nosso autismo opcional, nossa negação cotidiana, nossa inação moral, nossa ocultação ética e nossas correntes nos arrastam por aí com imagem e som em alta definição querendo parecer totalmente ao contrário sob a lupa “disfórmica” das mídias digitais. Pensando bem, só mudaram as formas deste podre conteúdo do nosso passado.

Miriam Leitão ainda está chegando lá. Seu romance traz para o presente e nos leva ao passado ao mesmo tempo estes conflitos tênues, mas segue mais a linha de um jornalismo literário semiprofundo. Adjetiva as qualidades dos personagens extremos principais circulando entre os irmãos Alice e Hélio e a filha sobrinha Larissa. Sua pontuação jornalística, às vezes, impede nossa imersão nestes fatos históricos ainda cicatrizando no Brasil.


Larissa parece muito as pobres identidades montadas por nós nesta nossa era de edição de personalidade, nesta era de distração imensa e conversas rasas. A narrativa repetitiva também nos localiza no limbo de um 2014 onde a política ainda segue a mesma linha agarrada ao passado tentando transformar as velhas estratégicas em novas apenas as traduzindo. Talvez seja o mineirinho jeito do casarão colonial dos Tempos Extremos com tantos séculos impregnados que me deixaram a sensação de ficarmos na poeira prestes a sermos levados pelo vento.



Quantos mistérios uma antiga fazenda perdida entre as serras das Minas Gerais pode guardar? Mistérios que chegam de forma inesperada, revelando passados diversos a uma família dividida por conflitos afetivos e políticos. É o que Larissa tentará descobrir, em uma estranha jornada na qual perseguirá sombras e segredos para entender os próprios sonhos.
Neste primeiro romance de Míriam Leitão, o leitor não encontra espaço para respirar. É uma história de paixões extremas, sobre tempos extremos. Uma viagem às vezes em quase delírio pelos flagelos da escravidão, no século XIX, e pelos subterrâneos do regime militar, no século XX.
A narrativa se passa no século XXI, mas as linhas temporais são rompidas. No entremeio, as relações tormentosas entre pais e filhos e entre irmãos tecem uma trama densa e ousada que revisita passados que o Brasil tem preferido deixar acobertados pelo silêncio.
Como ficcionista, Míriam Leitão mantém aqui a mesma postura que marcou sua trajetória de jornalista: não faz perguntas fáceis. Nem abre caminhos para zonas de conforto.


domingo, agosto 10, 2014

Nos nossos traços e personalidades – por Rafael Belo





Não há como não sentir saudades. É impossível não ter constantes lembranças, ainda mais quando a sagrada palavra pai está em toda parte, é dita sem moderação. Ando mais sonhador e emotivo e não, não é porque temos a data dia dos pais. Nunca fomos de comemorá-la tanto, mas celebrávamos a vida juntos de outras formas no nosso diariamente. Sua alegria e seu bom humor, pai, vivem em mim. Talvez esta seja a eternidade.

Podia ser significativo dizer ser este dia o primeiro sem ti, mas quatro meses e 13 dias são muito mais. Sua preocupação, seu apoio diário, seu auxílio imediato a qualquer momento e suas palavras... Seres humanos não são feitos para serem perfeitos e, obviamente, você não era. Tudo distante do coração para você era bobagem, este era o adjetivo usado por ti sobre esta data.

Mas, passá-la sabendo não poder dar-te um abraço e um beijo ou sequer estar fisicamente ao teu lado, enche meus olhos de lágrimas e o ideal seria estarmos juntos com minhas amadas irmãs e a mãe. Estas coisas de ideais também seriam bobagens na sua boca, também o acho. Ainda passo o dia evitando ir em casa (a casa dos pais) ou ligar para perguntar seja lá o que for.


Os dias não são mais tristes, mas já não são mais tão alegres sem sua presença. Quando choro é de saudade, é por saber da quantidade de ensinamentos que deixou para todos nós escolhidos para viver ao seu lado... São lágrimas de agradecimento sem o equívoco de achar serem dores líquidas. Nós seguimos sem jamais esquecer e não é cada um para um lado, são todos com você, pai, nos nossos traços e nas pinceladas das nossas personalidades. Feliz Dia dos Pais, desejo a ti diariamente.

sexta-feira, agosto 08, 2014

queimando (miniconto) – por Rafael Belo





Aquela imagem estava queimando. A própria paisagem parecia prestes a pegar fogo. Na verdade, Solo queimava em febre. Amanheceu no mesmo lugar onde foi à noite para pensar. Surpreendeu-se ao se despertado por aquela claridade mansa e vagarosa que aos poucos iluminava a sexta-feira. No meio daquela relva parecendo centeio milagroso, ele se afastou de todos para refletir. Solo se sentia contrariado.

Sabe. Ele conversava com todos e nada parecia diferente do esperado, mas ele sentia haver algo errado. Havia alguma coisa escondida nas palavras das pessoas. Um tom diferente. Pareciam querer tirar toda a emoção possível em cada vírgula e outros lugares de respiração. Solo se sentia enganado, mas ao raciocinar bem... Não conseguia encontrar qualquer razão para aqueles sentimentos.

Logo resolveu existir um pouco em outro lugar. Pensou na bela lua cheia parecendo tocar o solo e Solo parecia tocá-la. Há tempos não ia até aquele lugar e foi. Mas, todas estas tentativas vãs de entender o motivo das pessoas dizerem algo tão cheio de garantia de ser o dito mesmo e, no entanto, Solo sentir ser outra coisa. Pensando bem, não faltava sinceridade nas conversas com ninguém. Todos gostavam de dialogar com Solo pela autenticidade e procuravam, ao máximo, darem o mesmo.


Por isso, Solo chegou a conclusão. Ele era o problema. Seus sentidos simplesmente apontavam para uma pane interna. Uma insegurança. Não, não é bem isso. Solo respirou fundo e se deixou maravilhar por aquela paisagem ao leste. Aquele nascer de um astro onde antes morria um satélite. Tudo parou de queimar, pegar fogo e a febre se foi. Solo seguiria, sairia do comodismo para tentar colocar em prática o seu sentir com o seu pensar.

quinta-feira, agosto 07, 2014

sem mistura





sente-se na beirada da razão
sente-se um abismo entre palavra e coração
como explicar um arrepio racionalmente
se não há motivo para explicar o sentido, compreensão
existindo logo depois do músculo da mente

pensar sentado na dúvida e em coisas longe de absolutas
sobressair seu sentido na vã luta da vazão

não há disputa entre sinto e penso quando o reflexo é intuição

em anexo para lá não vamos no impulso, por mais que pulse o pulso
ainda há de se agir sem discurso, não pensando em reconhecimento nem retribuição do curso.


(às 19h38, quarta-feira, 06 de agosto de 2014, Rafael Belo).

quarta-feira, agosto 06, 2014

sentir para lá (miniconto) – por Rafael Belo





Logo ela estava pensando. Refletia a própria existência e dos outros. Será que existiam mesmo? Por uma questão de raciocínio a resposta óbvia já fora dada. Penso, logo existo... Mas, Soraia não era muito destas reflexões. Impulsiva, gostava de impor seus sentimentos aos outros e queria retribuição instantânea.

Era espontânea... Mas os outros... Os outros... Estes eram ingratos. Não conseguiam ser espontâneos com Soraia. Era pressão demais. A exigência de expor os sentimentos. Falar era perigoso, calar também... Tudo gerava dúvidas em Soraia. A demora de expressar seja lá... A fazia sentir-se mal. Ela estava com dores de cabeça intensa.

Também estava de ponta cabeça há horas. Seu sangue latejava. O pneu do carro estourara em uma curva e quando percebeu estava com as quatro rodas para cima. Era tarde quando em um impulso resolveu dar uma volta pela cidade silenciosa. Quem sabe conseguiria silenciar a mente da mesma forma.


Então, era o momento e o lugar exato para pensar no sentido da vida. Soraia estava intacta. Sem dores, sem traumas, mas não sentia nada... Nem vontade de sair dali. Talvez fosse depressão, pensou. Decidiu se mexer e saiu do carro. Ia caminhar a esmo. Quando estava a cem metros do acidente, o cheiro forte de gasolina chegou até ela ao mesmo tempo em que a explosão. O Ka 2014 com extensas prestações agora era uma grande fogueira de ferro e pano retorcido. Ela pensou: - melhor assim, vou sentir em outro lugar. Quero é me divertir.

terça-feira, agosto 05, 2014

logo




nasce o sol refletindo no olhar de espera
ao leste está voltada a visão discreta
reflexo do maravilhar-se no amanhecer
alvorecer da explicação desnecessária
visionárias cores solúveis no roxo azulado alaranjando o final
inicial da mistura do prolongado sentir espalhado
logo existindo no pensar
racionalizar o sentimentalizar para escorrer o tempo
vento semeado na dúvida
súbita no refletir onde tudo se mistura e a pureza se cura.


(às 18h45, segunda-feira, 04 de agosto de 2014, Rafael Belo)

segunda-feira, agosto 04, 2014

Não vamos – por Rafael Belo





Ao entrar em um veículo e controlá-lo é preciso conhecer as regras e leis. Sem exceção. Não é como dormir em um local diferente e deixar para lá uma morte certa. Isto aconteceu no Sul do Maranhão, na madrugada do dia 3 de agosto de 2014. Quando um monomotor caiu no quarto de um pré-adolescente de 11 anos que insistiu em dormir com os pais na noite anterior.  Todos os integrantes do avião morreram, inclusive a idosa, de 87 anos, que estava sendo transportada para um hospital. Não temos controle sobre isso. Mas podemos refletir.

Refletir sobre tudo. Nem tudo é solúvel e precisa de explicação. Precisamos pensar e sentir nós mesmos e o nosso redor, claramente não são a mesma coisa. É preciso equilibrar os dois. Temos de dar atenção aos sentidos e pensar para ter o mais próximo de uma garantia 100% de fazer sentido. Racionalizar tudo e sentimentalizar tudo é estupidez. Surgiriam infinitas explicações para o garoto não ter morrido na fatalidade relatada no parágrafo acima. Apareciam mil teorias sobre a queda do avião e morte de das duas famílias lá dentro.

É como esperar para ver o nascer do sol. Qual o sentido? Senti-lo? Deixar-se maravilhar? É tudo uma questão de existência. O famoso penso, logo existo do filósofo e matemático francês Rene Descartes, criado por ele entre 1616 e 1619. Quando uma fatalidade assim ocorre logo apelamos para o sentimento. Há um reflexo daquelas mortes. Aprendemos a temê-la e ao mesmo tempo a ter fé. Lamentamos as mortes e dizemos que o garoto não morreu porque não era a hora dele.


Usamos as mesmas frases quando alguém morre jovem. Porque queremos racionalizar a fé e o sentimento. Ambos atos abstratos tornados concretos por nosso fervor e crença. Assim como a abstração do pensamento. Se acreditamos mesmo na frase de Descartes e a propagamos podemos refletir nossa constante contradição já que a essência do eu penso nesta filosofia que adotamos é duvidar, reflexo da capacidade de pensar. Você pensar é igual a você ter dúvidas (neste contexto). Mas, não vamos racionalizar e sentimentalizar tudo.

sexta-feira, agosto 01, 2014

E a visão se foi... (miniconto) – por Rafael Belo





Ele via a cegueira em todos e se bobear até os cegos viam. O problema é que o escuro já o enchia de medo e fora isso ele estava vazio. Realmente vivia fora de si. Esbravejava a qualquer limiar de tensão. Chegava a ficar rouco e tossia, o que o deixava ainda mais raivoso. Como um cão acuado. Gean estava perdendo a visão.

Não havia médico capaz de encontrar a razão. Enquanto isso, seus olhos esbranquiçavam. Só vultos passavam por todo lado. Gean se assustava ainda mais. Naquele dia ele havia parado o carro em um lugar pouco movimentado. Não tinha planejado nada, muito menos ficar largado por ali até a noite chegar. Mas, ela chegou revelando a cegueira de todos e trazendo a dele.

Antes das luzes de seus olhos se juntarem a tantas pessoas escolhendo não ver. Ele chorou. Suas lágrimas pareciam se misturar com a chuva escorrendo na janela. Tudo ao alcance da visão de Gen eram faróis perdidos, vultos correndo e as cores fazendo de prismas toda aquela água doce por fora e salgada por dentro.


Poderia ser uma água salobra se realmente se misturassem, mas havia a janela entre elas. A luz do poste se multiplicava. Parecia criar uma lua própria para Gean enquanto as estrelas caiam naquele último céu visto por ele. Seu último desejo para seus olhos, era que quando fechassem e o levassem para a escuridão deixassem todos os detalhes à vista, até o resto do corpo ir a prazo. Que mesmo ele estando cego que o mundo parasse de ensaiar a cegueira. E a visão se foi...