segunda-feira, agosto 11, 2014

Levados pelo vento (resenha de Tempos Extremos) – por Rafael Belo




Ditadura e escravidão, ou melhor, escravidão e ditadura. Ambas deixaram marcas e traços profundos no mundo e mais ainda no Brasil pela durabilidade recorde, deixando de lado Coréia do Norte, Cuba, China e os não comentados Argélia, Congo, Sudão, Zimbábue e de uma forma mais velada Líbia e Venezuela. Estes ainda sofrem. Estes Tempos Extremos são abordados no novo livro de Miriam Leitão.

A escravidão e a ditadura hoje são outras. Nossa paralisia cerebral, nosso autismo opcional, nossa negação cotidiana, nossa inação moral, nossa ocultação ética e nossas correntes nos arrastam por aí com imagem e som em alta definição querendo parecer totalmente ao contrário sob a lupa “disfórmica” das mídias digitais. Pensando bem, só mudaram as formas deste podre conteúdo do nosso passado.

Miriam Leitão ainda está chegando lá. Seu romance traz para o presente e nos leva ao passado ao mesmo tempo estes conflitos tênues, mas segue mais a linha de um jornalismo literário semiprofundo. Adjetiva as qualidades dos personagens extremos principais circulando entre os irmãos Alice e Hélio e a filha sobrinha Larissa. Sua pontuação jornalística, às vezes, impede nossa imersão nestes fatos históricos ainda cicatrizando no Brasil.


Larissa parece muito as pobres identidades montadas por nós nesta nossa era de edição de personalidade, nesta era de distração imensa e conversas rasas. A narrativa repetitiva também nos localiza no limbo de um 2014 onde a política ainda segue a mesma linha agarrada ao passado tentando transformar as velhas estratégicas em novas apenas as traduzindo. Talvez seja o mineirinho jeito do casarão colonial dos Tempos Extremos com tantos séculos impregnados que me deixaram a sensação de ficarmos na poeira prestes a sermos levados pelo vento.



Quantos mistérios uma antiga fazenda perdida entre as serras das Minas Gerais pode guardar? Mistérios que chegam de forma inesperada, revelando passados diversos a uma família dividida por conflitos afetivos e políticos. É o que Larissa tentará descobrir, em uma estranha jornada na qual perseguirá sombras e segredos para entender os próprios sonhos.
Neste primeiro romance de Míriam Leitão, o leitor não encontra espaço para respirar. É uma história de paixões extremas, sobre tempos extremos. Uma viagem às vezes em quase delírio pelos flagelos da escravidão, no século XIX, e pelos subterrâneos do regime militar, no século XX.
A narrativa se passa no século XXI, mas as linhas temporais são rompidas. No entremeio, as relações tormentosas entre pais e filhos e entre irmãos tecem uma trama densa e ousada que revisita passados que o Brasil tem preferido deixar acobertados pelo silêncio.
Como ficcionista, Míriam Leitão mantém aqui a mesma postura que marcou sua trajetória de jornalista: não faz perguntas fáceis. Nem abre caminhos para zonas de conforto.


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