terça-feira, setembro 30, 2014


a corda tem o sono leve e acorda em vibrações em séries
mesmo se ninguém a toca,
reverbera acústica breve,
rever leva por expansões de greves,
soando lúcida provoca,
me toca como tensa nota descoberta,
densa silenciosa na toca,
me tensiona e solta, arrebenta
o som aperta e afrouxa, ouvindo
música em muda canção, segura
nas mãos o violão, deixa a solidão
revolta, canta a conexão em Fá Dó
em qualquer multidão feita de um (sol) só.


(Rafael Belo, às 10h59, quinta-feira, 18 de setembro de 2014).

segunda-feira, setembro 29, 2014

Aspas da escolha - Rafael Belo


O estômago embrulha, os olhos reviram, a boca se contorce e a expressão geral do rosto é de desgosto e contrariedade diárias durante dois períodos do dia, fora os informes inseridos no decorrer das programações, não há escapatória. A contaminação de promessas e ataques é em todos os meios e se há visão e audição somos atingidos. Atacados por todos os lados com poucas chances de defesa à espera do fim que termina em parte daqui há uma semana e talvez mais 20 dias nos esperam.

Há dois meses e nove dias ouvimos as mesmices das piadas prontas, de fundo nada engraçadas, atacam nossos ouvidos e olhos gratuitamente, mas dia dois todo ato gratuito acaba e no dia seguinte os pagos também. Deputados federais, estaduais, senadores, governadores e presidente estarão definidos na lei seca do domingo, mas é provável que os dois mais altos cargos ainda estejam indefinidos e teremos mais uma “curta” rodada de programas eleitorais. Ainda é de estarrecer os motivos para os votos hoje e poucos são direcionados a trabalho e honestidade.

Um país sedento por mudanças da boca para fora, mas da porta de casa para dentro ainda aceita “propina”, se submetem a troca por votos, cargos, auxílio parente, garantia de “QI” para o futuro e o constante rouba, mas faz. A sujeira de décadas falando do lixão ao céu aberto cheirando em cada obra feita ou não, em cada desvio e os vícios camuflados há tanto tempo que parece a definição do termo política, sendo assim a maior parte do tempo quem decidiu se candidatar a nos representar passar a maior parte do tempo se justificando para a minoria.


Em qualquer lugar há gente capaz, de boa índole e com boas ações, mas em um sistema contaminado os representantes não nos representam mais. O reflexo de seus funcionários cabe em posicionamento destes perante os atos daqueles. Uma pessoa não é o seu lugar de trabalho, e o inverso também é verdadeiro, mas dificilmente um representa o outro, porém as ações deles afetam ambos, assim como o ato obrigatório de votar dentro da democracia reflete em contradição quando somos responsáveis pela nossa “escolha”.

sexta-feira, setembro 26, 2014

Apreciando a paisagem (miniconto) – Rafael Belo

Estar ali enfrentando o sol de frente sem se preocupar em queimar a retina era libertador. Não só por causa dos óculos escuros, as lágrimas eram incontroláveis e aquele misto de choro e riso, às vezes terminava em tosse. A natureza parecia, como ele, esperar pela primeira vez aquele momento arrebatador onde qualquer traço da noite desaparecia deixando as sombras necessárias levava também os erros, o dia anterior ruim e principalmente os maus pensamentos. Toda a escuridão partia.

Por isso, o choro escorria... O riso se abria... não que Valente fosse igual, ele era diferente, mas todos não eram? Pelo menos enquanto se davam uma importância tamanha e uma sabedoria inalcançável até para Sócrates (é sempre preciso lembrar ser este o filósofo não o jogador), assim todos eram iguais... Na adaptação de humor, na forma de tratar a lei, na interpretação à vontade do próprio contexto, na escuridão insistente nos cantos da boca, na remela permanente dos olhos.

Precisavam saber dos humores alterados do mundo esperando pela primeira vez todos os dias o amanhecer, com a mesma expectativa, as famílias juntando todas as raças na mesma genética como uma resposta do cosmos aos traços aparentemente diferentes, mas na essência e no sangue com a mesma gravidade dos planetas orbitando ao redor do sol para permitir a sobrevivência da vida. Valente sentia renascimentos nos alvos raios desde a alvorada como se o próprio vigor da primeira respiração o soprasse.


Parecia um começo, mas podia ser o fim definitivo ou apenas mais um fim. Só restava buscar um sorriso e admirar um quase último crepúsculo, Valente queria refletir aquele nascente para a humanidade se possível. Acordaria todas os dias antes do próprio dia e se limparia da noite, iluminaria cada escuridão até se sentir a própria luz concentrado e disperso, tão veloz quanto 300 mil quilômetros por segundo e se deixaria também um vácuo... Mas por enquanto iria se esclarecer e apreciar a bela redundância do princípio da aurora.

quinta-feira, setembro 25, 2014

Herança

Dado o laço vão-se os dados nas bocas dos cães
no desembaraço do antes trapo agora traço
dos contornos diminutos dos minutos eternizando vida de anfitriãs
na pele aderida à revelia da nova investida, outro passo

ninguém na família se parece no rabisco em um risco, quantos cabem em um abraço?
a verdadeira evolução é quando nem as linhas da mão se passam pelo mesmo espaço
e Darwin, ressuscitado, chega a conclusão, excitado, que sobrevive o mais diferente

irmãos, irmãs, pais, parentes tudo gente divergente
cada um uma linha e um tom de raça
mãe loira natural de olhos puxados rentes
pai negro colossal de olhos azuis cristal taça

disfarça, a nova genética vem com todas as fonéticas

invocação histórica - camaleoa biológica, gorda atlética.

quarta-feira, setembro 24, 2014

Subindo a ladeira (miniconto) – Rafael Belo



As primeiras luzes da noite já contrastavam com o azul se tornando preto, uma meia lua prateada fazia oposição ao sol deitando atrás das casas nas cobertas do horizonte. O córrego refletia e se transformava em um outro céu enquanto o Cavaleiro Guarani continuava ali em um eterno galope com sua lança apontada em seu equilíbrio lateral como se caçasse a própria cidade dilatando e contraindo com o contínuo calor fora de época.

Escondida ao lado do monumento, entre a cidade e o Parque, Vintage ria. Não conseguia parar. Um momento de bobeira foi transformado em um gargalhada ensandecida afastando qualquer um disposto a se aproximar. Aquele parque a levava de volta a infância quando seus pais a levavam para passear e ela andava de bicicleta. Foi quando ela conheceu uma criança extraordinária na idade das perguntas questionando os pais sobre tudo.

Sempre voltavam para lá e a criança estava nos mesmos dias. Vintage se divertia... Nunca mais se divertiu como naqueles tempos... Achava graça em pouca coisa, tinha certeza da quantidade de pessoas sem sal, daquelas salgadas demais e as causadoras de diabetes crônica... Não se misturava a este tempero insosso e seriamente encarava as atrocidades dos destemperos, mas não queria voltar no tempo nem continuar na infantilidade do hipotéticos adultos.


Foi pulando suas barreiras como se fosse uma estadunidense campeã olímpica de corrida com obstáculos, quando se deparou com as lembranças de um strike humano no momento do atravessar de uma grama a outra tinha um skatista atento no meio. Este a via e saiu rolando, mas pegou toda as duas famílias e no fim das quedas estava Vintage. Ela caiu no córrego assustando patos e capivaras. Riu muito e nadou. A Vintage atual se encontrou neste momento marcante e guardou sua criança risonha para voltar a sorrir e achando graça de si e rindo do mundo. Sua crise de riso durou até o abdômen doer tanto quanto a boca.

terça-feira, setembro 23, 2014

prevendo


 um humor condensado no tempo
seguindo as loucas estações flutuantes do sentimento
começando a chacoalhar as árvores e então vento
vendo o cata-vento girar e parar corroendo
o pensar sofrendo com um sei lá malquerendo bem-querendo

lendo páginas vazias enquanto chovem gargalhadas ao relento
sorrindo forçadas pelo contratempo do roer revertendo
se desfazendo ao refazer o sustento

sabendo tão pouco quanto cabendo no riso contendo
um átomo indeciso mantendo Big Bangs e prevendo.


(ÀS 18h06, Rafael Belo, segunda-feira, 22 de setembro de 2014)

segunda-feira, setembro 22, 2014

Humor – Rafael Belo


No meio de tanta gente, uns silenciosos e outros escondidos atrás do humor, quantos bons e tantos mal-humorados estão atrás de dúbias palavras, à frente de facas de dois gumes, no intuito de testar  intenções? Para bom observador um fragmento de qualquer suspiro basta, mas os olhos estão infectados do vírus da vontade, à vontade para desfilar pelado nos meios sorrisos, nos risos maquiados naquelas fotos postadas a espera de muitas curtidas ou quem sabe um bom comentário.

Ao se expor a desconhecidos e aos amigos veste-se um brilho arrumado para poder ser bem quisto, para relaxar as rugas da preocupação de envelhecer e ser rejeitado, para estas alisarem um pouco. O ser humano aprendeu que ser aplaudido, curtido, compartilhado, comentado, posto no centro do holofote é o sentido da vida vazia como uma droga viciante a base do despertar da cafeína, de uma acordar relativo para assimilar o dia de trabalho.

Onde a disputa para revelar e esconder continua a exaurir um pouco do que resta de sinceridade na dúvida de expressar este pouco jogando no limite das regras do jogo do dia ou sacar o smartphone e contar naquele chato grupo falante do wattsapp vibrando, tocando o tempo todo. Os duplos sentidos ficam sempre no ar e naquilo que nem sequer foi dito porque o motivo de haver uma razão pode simplesmente a exatidão de não tê-la.


Por isso, nos fazemos de adultos com a partes birrentas e carentes das crianças (que nunca deixamos de ser) querendo sempre continuar a brincar de esconde-esconde e de siga o mestre, depois utilizando o humor para dizer sem falar nossos pensamentos e sentimentos reais para, caso incomode, possamos recuar dentro da zona de conforto e dizer “era brincadeira”, ao invés de continuar a ser covardia. Covardia de quem fala sem necessidade e de quem ignora o capuz e aceita a piada. Mas qual é a graça poder rir de tudo e não conseguir ri de si mesmo...?

domingo, setembro 21, 2014

panaceia


Enquanto eu não dormia,
a razão reagia reavivando minhas ideias
me enchendo de criação e sintonia
direto do interior da desvairada Pauliceia

cada cidade cadente em mim chovia
até a chuva de repente me mergulhar, estava em apneia
depois submergia, ao mesmo tempo corria
vendo vários eus plateia em uma alegria séria

absorvia todo um antes agora do porvir envolvia
então, sorria quero-quero e seguia para gargalhar a melhor panaceia.

(Rafael Belo, às 15h11, domingo, 21 de setembro de 2014).

sexta-feira, setembro 19, 2014

Iluminando (miniconto) - Rafael Belo


 O dia tinha chegado ao fim. O pequeno continuava ansioso com o sol se pondo, com as capivaras, com os patos, outros pássaros, com o lugar, com tanta gente, mas poderiam ficar mais não é?! Era fim de semana e ninguém iria trabalhar. Não iam enganar ele. Ele já tinha idade suficiente... Mas, mesmo assim ele estava feliz com suas três mulheres magras e preferia não dizer nada sobre peso. Já viu o que provocava o assunto quando meninos mais velhos falavam...

Melhor nem lembrar. Sua vozinha, sua mãe e sua irmã estavam obcecadas em emagrecer e serem “saudáveis”. Seja lá o significado da palavra para elas. Por isso, pensava satisfeito em ser adulado pelas três. Ainda não entendia porque o pai não quis ir... - Ainda não entendo como as pessoas não veem nada das belezas por aqui. São tantos sons, tanta gente, tantos brinquedos naturais, tantos animais...

Mas, Uriel, Uri para os íntimos, preferia não contrariá-las já sabia que era aquele dia de mais confusão e gritaria quando ele estava longe, sorrisos falsos e desculpas forçadas quando estava perto... Parecia acontecer todo mês com as três, mas ele não queria saber destas coisas de meninas, queria conhecer mais gente da idade dele. Os mais velhos tinham a – qual a palavra mesmo? – Ah... detestável mania de apertar suas bochechas e bagunçar seu cabelo. Então, Uri lembrou de algo:

- Mãe? Por quê tem tanta gente sozinha aqui? A gente não pode ficar amigo destas pessoas, elas parecem tão legais? É tão chato andar de bicicleta sozinho e (promete não ficar brava?) vocês não estão nem de bicicleta e nem tem a mesma idade que eu... Hummm... Também ficam super nervosas quando se distraem e me perdem de vista... Olha lá aquela menina sozinha empurrando a bicicleta (foi na direção dela) – oi? Qual é o seu nome? E o dia não terminou.

quinta-feira, setembro 18, 2014

vazões


sopra seu suspense, nos mistérios mais mascarados
marcados minimamente marrentos
pelo pacífico procedimento pálido
do hálito hábil habituado a humanizar
o hastear hospedado na hipnose do afago
atento ao afeto afetado de amparo
quando reparo o estado liberto
bem vendo os tamanhos e proporções
nas dimensões dos pequenos passos
vastos voos válidos de vazões.


( Rafael Belo, às 19h41, terça-feira, 17 de setembro de 2014).

quarta-feira, setembro 17, 2014

Ao mesmo tempo – Rafael Belo


Não estava azul o céu. Onde a vista alcançava estava nublado, fosco e parado. Aonde havia movimento seu olhar não alcançava. Mas, ela se sentia bem. A tranquilidade corria pela sua pele como aquela brisa gostosa das últimas horas da tarde. Deitada na grama, vibrava seu corpo lentamente coexistindo no mesmo espaço de todos os passos e rodas passando por ali, mas limitava sua visão com parte da cabeça recostada nesta árvore.

Urbana acompanhava cada galho e se confortava nas folhas se imaginando escalando a árvore e se entrelaçando folha por folha... As pessoas viam aquela mulher solitária jogada na grama e a cada 20 transeuntes um parava e perguntava se Urbana estava bem. Os demais julgavam que não e alegavam a terem visto usar entorpecentes.

Deitada e subindo na árvore ao mesmo tempo, Urbana estava de cara limpa, mas não fazia comédia, apesar de ser bem-humorada, era seriamente aquela criança livre de outrora. Correndo descalça, pulando nas poças d’água, tomando banho de chuva, sem posicionamento social nem divisões classistas, na escassez das areias movediças acompanhando o vento aonde se menos esperar se debater...


Era um ser que fechava os olhos para ascender os sentidos. Era o possível e o impossível até não ser mais. Mas, se aceitava de uma maneira que aquela velha nova criança liberta não entenderia há 20 anos, porém, agora era parte, era todo, toda ela e mais ninguém e não haveria maquiagem suficiente para transformá-la novamente, mas não abriria mão de cuidar dos cabelos. Isso não! Quando o sol dava seus últimos suspiros saiu de trás das nuvens e trouxe as cores com ele. Urbana olhou para os lados e não estava sozinha. Meninos e meninas de todas as idades voltavam a se perceber, deitados e subindo em árvores ao mesmo tempo.

terça-feira, setembro 16, 2014

areia ao vento



depois da superfície sedimentada dos sentimentos

as emoções enfileiram-se em um abismo sem fim
na dimensão sem fundo do mais puro nível no novo nascimento
ao som dos clarins acompanhando um bandolim
com o Thriller do ciumento alongamento
sentindo sensações solidárias aos pés no capim
raspando rapidamente rasgos bolorentos
dispensando a exclusividade do camarim
quando nem tudo está perdido na firmeza da areia
a raiva vai com o vento contendo... A maquiagem da veia.


(Rafael Belo, às 18h32, segunda-feira, 15 de setembro de 2014).

segunda-feira, setembro 15, 2014

Até não ser mais – por Rafael Belo



Aquela sensação de liberdade deslizando sobre o asfalto, sobrevoando o chão na leveza da concentração em não pensar em nada e interagir com a natureza com o sol iluminando o caminho do fim do dia. O momento de liberar as amarras de roupas e maquiagens metafóricas ou literais “ousando” desagradar os outros, contrariar seja lá quem for, simplesmente por ser sua opinião.

Sem a fachada social pintada para vender a imagem e adulterar a mensagem natural deixada em estado original nos eternos olhos. Ávidos por atenção, carentes de afeto, jogados na selva de pedra sem sustentação suficiente para ficar em pé, pelo menos seus subterfúgios são sobrevivência em um custe o que custar negado três vezes antes do próximo dia raiar. Porque no escuro não há sombras quando as luzes se apagam.

Há os nascidos nos limites sociais discriminados pelos dois lados da linha amarela, recriminados pela origem, imputados de culpa pelo meio, pelo receio e pela ignorância. Sob a sina de agir para continuar mais um dia. Socialmente estigmatizado como um suicida social repleto de maldade, mas não podemos julgar a totalidade pela parte, aliás não podemos julgar quando não sabemos viver sem afeto, afago e atenção.


Renegados do eu querem moldar a própria personalidade para se misturar, serem aceitos quando nem ao menos se aceitam e se sentem inferiorizados, injustiçados, excluídos daquilo do qual teriam o direito de fazer parte. Então, a raiva acumulada mata algo sempre criando uma reação em cadeia, o fatídico efeito dominó derrubando o presente, o passado e o futuro, mas tudo pode ser levantado de novo, pois nem sempre tudo está perdido, é possível nos encontrar de novo... até não ser mais.

sexta-feira, setembro 12, 2014

fim do dia – por Rafael Belo




Mais um fim do dia, mas não um qualquer. A corda havia sido roída e o sol escondido por densas nuvens apareceu para o adeus. Nem todos, aliás, pouquíssimas pessoas prestavam atenção, enxergavam a metáfora daquela contínua morte e ressurreição. A fonte do calor intenso ia embora, mas o calor não ou mesmo sua luz. A luz vinha em seguida orbitando nós como satélites.

Traço admirava este ciclo e não morrer era quebrar esta necessidade da natureza renovar, se reciclar. Porém, nunca imaginou aquela situação incomum. Já sonhou com um mundo onde ninguém morria... Não era nada bonito. A materialização do puro caos, pois além das 7 bilhões de pessoas teriam, em uma conta imprecisa, cerca de 107 bilhões a mais de seres humanos. Isso considerando dez anos atrás. O mundo sim, teria morrido, se todos sempre sobrevivessem.

No entanto, ser seguido por uma imensa família de capivaras nunca esteve nos planos de Traço, nem sequer passou como esboço ou foi rabiscado nos pensamentos dele. Como tudo, no início ele achou engraçadinho, depois pensou ser o escolhido para algo, mas chegou a conclusão que nenhuma das duas faziam o mínimo sentido. Tentou enxotá-las, apenas para vê-las se sentarem e o olharem.


Sorte dele morar em uma espécie de sítio, pois os animais o adotaram como líder e nada os faria parar de segui-lo, bem... Quase nada. Ele deveria soltar o esturro, ajuda-las a ficarem sempre alertas, porém elas carregam um carrapato transmissor de uma febre terrível, a maculosa. Cada uma das 54 capivaras tinha variações da mesma doença. Com a casa cercada delas os carrapatos migraram para o ponto quente mais próximo, a pele de Traço. Ele foi literalmente traçado, perdeu muito sangue e morreu de febre maculosa. Agora fazia parte do fim do dia.

quinta-feira, setembro 11, 2014

corredores





vamos cuidando pacatos,
o sensato fato de atravessar,
sair daqui para lá em manada,
na forma comportamental aglomerada,
em um monte de gente sem saber nada,
trocando de pele e humor,
no melhor sabor... Para precário paladar,
provando principalmente o mesmo e depois voltar,
várias partes de mim se reúnem para cruzar os corredores,
linha tensa roída até partir... Os maiores roedores.

(Rafael Belo, às 01h39, quarta-feira, 10 de setembro de 2014).

quarta-feira, setembro 10, 2014

Menos era melhor (miniconto) – Rafael Belo




Ela observava diretamente sem desviar o olhar. Gostava de ficar sentada se refrescando sozinha e em silêncio. Pelo menos mentalmente porque havia aquele pato muito próximo, mas também silencioso, apesar de agitado. Tira pensava quanto era mais fácil quando as intenções eram mais claras. As pessoas ou as domesticavam ou as matavam... Agora simplesmente as estressavam.

Sempre no plural porque, mesmo sozinha no momento, havia mais cinco fêmeas para o único macho delas e claro uma “filhotaiada” de respeito, havia ano que chegavam a 48 capivarinhas, mas tudo era muito pacato naquela manada de Tira. Era um dormir, comer grama e nadar diário entediante. Mesmo dividindo... Aliás, procurando espaço no meio de tanta gente, o dia todo. Não era possível dormir sossegada.

Tira se sentia melhor quando entrava na água, nem ligava para a sujeira, até sentava nela. O lixo não faria mal. Capivaras não são curiosas só comem a mesma coisa no cotidiano, cuidam umas das outras e têm a mania de encarar, não para pensar. As encaradas são com a intenção de sentir o horizonte e estar lá. Nele se esvaziando para preencher. Algo... Algo de Capivara.


Estar naquela água marrom era compartilhar a mesma cor. Não. Era mais que isso era um colorir mútuo. O córrego a coloria e ela coloria o córrego. Tira era a luz do reflexo e cada ondulação interferindo nos círculos perfeitos se formando e ondulando por toda a extensão até oscilar na margem e mesmo tão profunda ao se atirar, Tira era a superfície e nunca teve a tolice de querer ser mais porque menos era melhor.

terça-feira, setembro 09, 2014

O bicho e o lixo



A cada grama perdida um holograma substituto, um futuro distorcido absurdo, agora produzido na inexistência de absolutos,
liquidez liquidando esquecidos viadutos, imediatos à consumição de um minuto... Levando quanto tempo tiver para passar,

à velocidade da luz ou à galope, no homem há holofote,

uma projeção de sombra ao invés de claridade no estoque, mistura os nichos e as bestialidades nas vias sem retoque, antipatia provisória, medo de jorrar a oratória, verborrágica, democrática lucidez, palidez, e encharcar o outro com quem sincero é, um acúmulo de lixo, um monte de empilhados bichos,

clarão latente a reviver buracos negros do universo em maré.


(Rafael Belo, às 13h58, segunda-feira, 08 de setembro de 2014)

segunda-feira, setembro 08, 2014

Os maiores roedores do planeta – por Rafael Belo



A natureza convive com a gente naturalmente, mas não respeitamos seus limites. Ela está próxima, mas nunca o suficiente. Precisamos tocar, assustar, debandar para registrar em busca de comentários e curtidas. Invadimos o ambiente deles, mas não basta. Os animais se protegem e observam sem medo pessoas correndo ao seu redor em bicicletas, patins, skates, a pé mesmo... É um sábado se pondo.

Há crianças por toda parte brincando, correndo longe dos celulares e da web. As famílias, mesmo com a necessidade de fotografar e compartilhar, estão juntas ao som da natureza. Enquanto isso, as capivaras estão longe das moitas confraternizando. Protegem os seus ingerindo a grama e ao contrário dos seus pequenos irmãos, ninguém quer se afastar – pelo contrário.

Este grande roedor, aliás, o maior roedor do mundo, se reproduz até duas vezes por ano de onde podem sair oito novas capivarinhas. O macho e seu harém de seis fêmeas chegam a ser uma família de quase 48 animais. Elas deveriam dormir de manhã à sombra, nadar à tarde e se alimentar à noite. Mas, no meio urbano seus hábitos vão da vontade delas. Elas nadam à noite, dormem quando querem e comem quando desejam.


Costumamos vê-las em manadas e andando lentamente, porém, elas também estão por aí sozinhas e são rápidas nas águas. Já foram animais domésticos em tempos imemoriáveis de tribos indígenas que foram quem as nomearam “comedoras de capim”, vulgo capivara. Sentadas nos observando talvez pensem que somos nós os invasores, os maiores roedores do planeta.

domingo, setembro 07, 2014

Augusta coragem (resenha Extraordinário) – por Rafael Belo

Nada nesta vida é ordinário. Tudo bem. Algumas coisas são até demais, mas não chega a ser uma ofensa de verdade, mesmo que 99% das pessoas se sintam ofendidas. Talvez seja culpa do Compadre Washington e seu infame “sabe de nada ordinária”, mas vivemos no limite da linha abaixo deste adjetivo. Nada mais nada menos que comum. Somos fadados ao comum por vivemos lutando para sermos extraordinários.

Pense em uma criança crescendo com uma deficiência facial, acusada por muitos de deformidade. Não um pequeno defeito, mas algo passível de pesadelos e de prender o fôlego por semanas até chegar no limite do costume. Este é August e ele é uma criança extraordinária, aliás Extraordinário é o nome do livro de R.J. Palácio. De uma forma delicada e direta, a autora dá vida a esta criança junto a Summer, Jack Will, Via, Miranda e Justin

Auggie nos cativa pela sua coragem e forma de lidar com os desafios, nos emociona pelo seu humor e força de vontade, mas a perseguição e o bullying nos leva de volta aos primeiros anos escolares como se tivéssemos ao vivo vivendo junto a ele esta maravilhosa história. Uma lição de vida e de literatura que nos faz devorar página após página imaginando o que vem a seguir.

Este é o tipo de leitura cutucando a nossa mesquinhez perante nosso egoísmo, aquela a apontar o tamanho da insignificância dos nossos “problemas” ou o usual “mimimi” de uma maneira envolvente nos levando a torcer pelo personagem para que ele termine bem este desafio de enfrentar o preconceito dos outros, e nos incentiva, personagens da nossa própria história, a escrevê-la com a coragem e força de Auggie na melhor forma de dizer não julgue nada pela aparência.

sexta-feira, setembro 05, 2014

desperdício (miniconto) – por Rafael Belo




Estava tudo seco ao redor daquela umidade. Nela havia verde e pássaros, além de um branco botão brandindo ao fim do dia. Era uma flor simples, mas dentro dela havia algo mais alvo ainda, vistoso como uma beleza única pulsante, na verdade uma orquídea repousava ali prestes a desabrochar para ser a principal paisagem pura daquele lugar invasor. Sálvio observava todos negarem o fato.

Não só por negarem a si mesmo, naquele contexto esta autoanulação era o menor dos problemas, aquele ambiente invadido silenciosamente continuava diminuindo sem sequer uma contestação. Todos brincavam de cegueira, lentidão e até ausência de raciocínio, como uma espécie de incompreensão crônica se alastrando pelo ar, se fazendo de doença degenerativa.

Sálvio vivia ali sem ser notado. Esperto para qualquer movimento, ele se escondia e se mantinha fora do alcance de todos. Sabia que o chamavam de O Vulto ou Fantasma da Mata. Havia uma lenda sobre ele e como havia morrido... Pelo menos, da última vez que conferiu estava bem vivo, vivia, aliás, dos restos de comidas dos restaurantes. Estes desperdiçavam uma barbaridade de manhã, de tarde e de noite.

Sálvio desistira da convivência com tantos hipócritas e lutava para manter suas convicções intactas. Sentia-se tão livre vivendo como observador e totalmente seguro no suposto lugar selvagem cheio de quatis, capivaras e todo tipo de pássaro. Ele era um deles. Nunca mais seria doméstico e hipócrita naquela reserva mais civilizada que qualquer lugar que já esteve. Mas, tinha certeza que estava em extinção como todo aquele ar livre. Como ali, ele seria sitiado clandestinamente e daria lugar a outra coisa... Sem ninguém perceber nem contestar.

quinta-feira, setembro 04, 2014

trajetória



manchas verdes na massa cinzenta disforme
distribuindo ar e umidade pelo vasto ciclo de calor bipolar obrigando um inferno particular no abrigo rudimentar
onde a humildade se apossou da cobertura sem sair do lugar
mesmo quando todos estão a se iluminar pelo poente

atraídos pela luz magnética absorvente
como um lapso eterno de um segundo
em um mundo silencioso para contemplar
tanta coisa para calar latente

sem desperdiçar o próximo minuto indiferente quando nada se faz agora.


(Rafael Belo, às 19h15, quarta-feira, 03 de setembro de 2014).

quarta-feira, setembro 03, 2014

Latindo até não poder mais (miniconto) – por Rafael Belo



Mal começava a manhã e era um falatório sem fim. A vida dos outros em pauta e ela vivia em um ambiente no qual ninguém queria saber deste assunto, mas Sátira nem desconfiava e falava e falava e falava... Porém, ela se sentia superior quando alguém de outra repartição vinha falar de outros e prontamente dizia não querer saber do particular de nenhum ser.

As pessoas franziam a testa, estreitavam os olhos, passavam a língua nos lábios e mordiam a boca sem mostrar os dentes. Também olhavam para os lados, discretamente, procurando uma boa desculpa para encerrar seja lá o que houvessem começado. Aquela falta de pontuação de Sátira, emendando um assunto no outro, uma vida na outra dava a desesperadora impressão de estarmos em um coletivo em dia de concurso no horário de pico em pleno alerta de bomba, sem ter para onde ir ou como.

Era uma negação fatal e mesmo assim Sátira sorria caminhando ruidosamente pelos corredores enquanto as pessoas tentavam evitá-la. Quando ela andava com tiques de passos acelerados buscando alguém para conversar o resto do mundo parecia selvagem. Um bando de animais selvagens que tiveram experiências ruins com os seres humanos escutando Sátira pisar agressivamente em montes de folhas secas. Todos fugiam.


Sátira... Sátira maldizia sobre aqueles dos quais não gostava, inventava histórias aterradoras, como aquela vez... Bom, não faz bem fofocar... Deixa para lá. Chegou a ser presa por calúnia, injúria e difamação, mas o pior mesmo foi ficar isolada fingindo não entender porquê. Alguns diziam que Sátira... Bem a chamavam de cadela e pelo visto ela iria latir até não poder mais.

terça-feira, setembro 02, 2014

combustão



na negação navegamos naturalmente
enfileirando flores friamente fátuas
feito fogo folgado onde falta a audição
na identificação de identidade atropelada em lentidão

ao som de folhas secas pisadas pelo verde na extensão
até sentar nos canteiros e passar pelas áreas de escapes
arremates avançando na preservação do urbano
enquanto descolore os espaços o cinzento humano
um belo sol se pondo vai partindo, silenciosamente soluçando

permitindo amanhã nos colorir, respirar, tirar os panos.


(Rafael Belo, às 18h30, segunda-feira, primeiro de setembro de 2014)

segunda-feira, setembro 01, 2014

Áreas erradas – por Rafael Belo



Folhas secas pelo chão, árvores e verde por toda a extensão do olhar e um belo sol se pondo. Simplesmente caminhando em família pelo fim de tarde de um domingo. É o verde urbano de uma cidade, às vezes cinza. Mas com até flores rosas crescendo sobre o telhado. Áreas de escapes que ainda não aprendemos a preservar e vamos avançando na reserva florestal, nas áreas de proteção ambiental. Silenciosamente reduzindo nosso próprio ar.

Do outro lado a aglomeração ao redor do canteiro verde da avenida, envolta do parque e o congestionamento. Até no primeiro dia da semana os carros se engarrafam com seus folgados donos ao volante, conversando, fazendo careta para quem não quer se aliar ao excesso, a infração impune punindo àqueles com vontade de apenas passar e não adiantar o excesso do dia seguinte.

Lentidão também faz bem e rir quando deveríamos nos estressar, melhor ainda. Mas deixar tudo para lá acaba nos prejudicando, diminuindo as importâncias da vida porque é possível falar de um erro sem se alterar, buzinar, estragar seu passeio pela folga do outro. A falta de noção e o desrespeito ao próximo são evidentes quando o egoísmo e a arrogância fazem parte da negação.

Nos punimos negando nossos erros e com som alto mesclando estilos musicais e falta de conversa, talvez pela falta de audição ou vontade de se misturar, nos aglomerando na falta de espaço, no desfile lento de uma confusão de identidade pela contradição da cidade Capital tão interiorana ditando preceitos de outras décadas aplicando preconceitos silenciosamente usando os escapes nas áreas erradas.