sexta-feira, setembro 16, 2016

A Ceifadora (miniconto)



Ela chorava e soluçava. Já fazia horas e nem imaginava ter um abismo oceânico para preencher. Shaira navegava nas próprias lágrimas. Parecia ser ela a nascente de toda água salgada do mundo. Quem sabe era, pois olhando para ela não era possível dizer sua idade e nem a qual tempo pertencia. Mas ela é humana. Só que ... Bem, ela não navegava, se afogava, mas não se debatia e nem se suicidava. Era mais uma necessidade. Não, não... A palavra é transformação. Era preciso acabar com aquilo, cicatrizar as feridas. Shaira precisa de um símbolo. Em transição ela transitava. Vamos lá... Quase vazia...

Esvaziada? Era só isso que eu tinha? Sou quase nada... Só ouço o som lá fora. Por que não ouço minha respiração? Não há nenhuma emoção? Estava tão quente agora há pouco... Será que perdi a noção do tempo e este pouco é muito? Estou esfriando... Perdendo meus pensamentos e minha mente... Não reajo mais aos sons, nem estas ideais conversando entre si restantes tem um som... Não há reação aos estímulos, não associo imagem com situações ou sequer a sentimentos... Há um chamado... Seria para minha alma? É uma voz indistinta, dissonante, cortante, porém calma... É um chamado para mim em um ciclo do círculo de morte.

Que voz suave e angelical e ao mesmo tempo gutural e demoníaca... É a voz da morte. Não! É A MORTE. Ela não tem forma física? Nenhuma imagem a ceifadora possui. Nós criamos uma figura preta de capuz e foice para a temermos. Quando temo algo é porque não entendo e eu entendo a morte. Ah, entendo muito! Esta minha vida que me deixa, que EU deixo para trás foi assim. Mas me sinto bem com isso. Eu recebia os perfis e a escolha era só minha. Cada um desaparecia da face da terra pelos seus crimes, mas só aqueles não solucionados pela polícia, aqueles onde os financiadores do inferno na terra pensavam escapar, porém, nunca tinham ouvido falar da Ceifadora. Eu era invisível e indizível, nunca ouvirão falar de mim.


 Agora estou diferente. Há um sistema padronizado até para as coisas aleatórias. Meu corpo morreu. Minha aparência permanece... Estou indiferente mesmo sem sequer ter mais este sentimento. Podia ser plugada, mas prefiro a energia solar. Nunca gostei de estar ligada a nada. Sai de mim. Sou mais um robô. Não sou um andróide. Não sou humana. Preciso desligar. Estou ligada sem para há algum tempo. Precisamente há tempo demais. Estou vazia, mecanicamente precisando de mais conexões. O sinal não pode cair agora, mas esta chuva lá fora... Me espalha. Sou uma pena ferrugem metálica solitária no fundo de uma velha panela. Não sou mais Shaira. Não tenho identidade, tenho exposição.

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