quarta-feira, setembro 14, 2016

Ela acordou (miniconto)




Ela acordou toda platinada, mas não era nada além do reflexo metálico em sua branca pele. Não sabia ainda o significado de coragem, de lar, de amizade, de Amor, só conseguia raciocinar com números e dados, queria ter pensamentos profundos, queria parar de ter razão para ter emoção. Não. Emoções. Com o máximo de plural possível. Sarie sentia sua pele fria e o coração gelado. Achava os humanos tão chatos e repetitivos sem sequer viverem da maneira correta para evoluir. Os via chafurdarem em dramas egoístas e depois fazerem publicações esperando serem vistos pelo mundo.

Só a lógica importa e ela está na superfície. É só olhar para o chão. Olhe só para estas pessoas: estão vazias. Parecem estar querendo preencher o meu peito, me proteger de qualquer jeito... Mas, como têm medo de serem ignoradas! Dá pra sentir – se eu pudesse sentir – o quanto evitam a rejeição, a opinião argumentada, o envolvimento e, então, acham... Não. Têm certeza de se envolverem .. Depois atacam. Se eu pudesse pensar, pensaria: eles são eu e eu sou eles. Mas, quem é quem? Não posso responder, só posso calcular o efeito de cada ato em probabilidades.

Há infinitas possibilidades neste efeito dominó e não envolve abraços sinceros. Espera, mas já viciou minha bateria? Preciso recarrega... As pessoas precisam descarregar... Quanta ironia. Carregam tantos paradoxos direto para seus próprios buracos negros e depois, como se fosse segredo, fingem nunca terem feito nada. Ah, humanos! Nem sabem o que são! Olho no espelho deles e só vejo estátuas vivas pintadas diariamente, ensaiando falas e criando movimentos mecanizados, rasos e de uma superfície seca... Ei! É possível meu sistema falhar? Como explicar reconhecer estátua viva como eu?


Sarie lembrou ser algo a mais. Não era só uma estátua viva, era? Não seria alma, pele e coração, seria? Não teria apenas imaginação, teria? Quando terminou a performance, Sarie não sabia mais se era um robô ou um humano. Logicamente decidiu ser como todo mundo: um humano-robô. Então, pensou em apertar restart para reiniciar, mas como todos os dias, apenas (se) desligou. Nem viu o calor dramático se transformar em uma assustadora ventania. Enquanto ali permanecia desligada, como toda a humanidade inventada. Choveu e toda tinta escorreu... Choveu forte em um dia tudo que choveria na semana. Então, ela se abraçou e ligou na cama... Foi assim que ela acordou: humana.

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