quarta-feira, julho 26, 2017

A desperte comigo (miniconto)




por Rafael Belo

Eu sabia. Tinha certeza da perturbação. O racismo, o machismo e a quantidade de ismos vindo tentar me abalar. Não. Não importa eu ter 17 anos. Eu já sei o que eu não quero. Nunca é possível ter certeza da idade de ninguém nem a mentalidade. Podemos sim saber da falta de paz em qualquer um. É impossível esconder. Sou jovem em aparência e idade, mas minha alma é o lago mais antigo deste planeta. Quero dizer: sou calma. Estou em paz. Não diria finalmente. Afinal, eu sou jovem. Mas, emana daqui das minhas entranhas esta sensação leve e clara.

Sou Líria. Branca como um lírio alvo. É… Meus pais costumavam dizer isso com uma felicidade. Eles diziam: “Esta é nossa paz, Líria.” E eu me apresentava:  “Sou Líria.” Eu sentia dar paz a eles. Talvez seja esta minha missão. Eu me emocionou fácil, mas faz um ano hoje já. Um ano sem perder a calma, sem me descontrolar. São dois anos sem meus pais. Fui obrigada a me virar, a amadurecer. Posso quase dizer: amadurecer é despertar a paz. Vou invisível neste mundo anonimamente chegando até vocês. Imperceptivelmente pronta para te fazer sentir a paz e está habita em você.

Nunca me questionam ou proíbem minha entrada em algum lugar. Eu pareço familiar para todos e consigo fazê-los sorrir de volta para mim. Não tem a ver com branco, nada disso há no silêncio, no mar, na natureza em geral, só na crença, fé ou no Deus de cada um. Temos muito de divino. A alma habita a mente e liga tudo ao coração. O corpo sente a partir desta conexão e, muitas vezes, precisamos de formatação. Sabe, eu estava com meus pais durante o acidente e no momento deles deixarem esta realidade. Eles me olharam além da dor ali se intensificando e eu vi incentivo, alegria e paz.

Foi o meu clique. A minha pedra fundamental. Um explosão vibrou em mim. Eu me liberei, chorei e logo sorri. Foi tragicamente lindo. Beijei cada um nos olhos naqueles corpos pela última vez e logo a explosão física aconteceu. Acordei distante quando os socorristas chegavam. Não havia mais corpos me disseram mais tarde. Agradeci silenciosamente por isso e eles interpretam como trauma. Não haveria lápides para levar flores, cuidar e lamentar. Não! Minha memória deles era de paz e eles estavam assim porque eu estava bem e viva. Eu compreendia. Viveria em paz. Busco tocar agora com minha paz saudando a paz em você. A desperte comigo.

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