o pequeno pássaro marca o chão encenando a morte para afastá-la, ele vive |
por Rafael Belo
A natureza se defende imediatamente ou aos poucos lutando pela vida. Basta estar atento para comprovar. No quintal de casa mora uma cadela hiperativa. Ela faz do verde sua selva e dos cocos seus brinquedos, até abri-los e comer o interior. Sim ela aprendeu a abrir. Mesmo com vários nomes, devido ao fato de ter chegado com um esdrúxulo Pintia(?!!), ela sempre sabe quando a chamamos. Nenhum intruso consegue ficar muito tempo no espaço dela, inclusive ratos. Mas, ontem (terça-feira) o maior erro dela aconteceu. Um filhote de Bem-Te-Vi foi abocanhado duas vezes, porém foi salvo pelo meu pai.
Logo em seguida, uma comitiva de bem-te-vis começou a atacá-la. Rasantes e picadas. Enquanto uns a puniam outros a ameaçavam com pios estridentes. Mais observadores, uns terceiros, cantavam os conhecido bemtevi bemtevi. Nunca foi tão assustador tal canto. Agora ela está mais contida perto da varanda pedindo asilo político dentro de casa. Toda oportunidade é aproveitada pelos seus carrascos. No quintal dos fundos, um moribundo filhote de penas tentava sobreviver. No segundo dia era iminente a morte. Eminente era o zelo cego dos pais a procurarem a cria perdida.
Pouco depois do almoço. Os pássaros genéricos do filme de Hitchcock pairavam mais baixo e faziam Pintia revelar um arrependimento quase piedoso de sua travessura por domínio de território. Um pio gritado já ecoava por horas. Lá no fundo, o pequeno pássaro parecia já não respirar. E provavelmente uma ressabiada mãe velava arisca a junção de penas sem vida de uma variação não registrada de som desta espécie. Tinha um quê de descrença nos pios cada vez mais baixos. Mas, para minha surpresa aquele pequeno Bem-Te-Vi não estava mais no mesmo lugar.
Ele se arrastava e tentava erguer a cabeça enquanto seus pais rodeavam e piavam incentivos. Mas, ele não estava morto? – qualquer som ameaçador era o suficiente para encenar a morte. No chão insistia, piava forte. O pescoço parecia quebrado e uma asa também, mesmo assim forçava a asa boa para se erguer e apontar o bico para o som de quem lhe chocou. Seus ágeis protetores faziam sombra sob o sol e estavam em toda parte. Ninguém chegaria perto mais. Menor comparado a um punho fechado, poucas semanas de vida, conhecendo apenas a imensidão de um quintal, com penas contáveis e provável sensação do vento sob as asas, aquele filhote não desistiu. Sua vida, sua liberdade. Dos pequenos lateja a força de viver, a árdua luta para continuar a respirar. Um pássaro, várias lições.
Um pássaro, várias lições, um belo texto e a minha admiração, Rafa.
ResponderExcluirTão lindo e o nesse ritmo perfeito, não consegui desgrudar os olhos da tela.
A dor da perda supera qualquer outra dor. O risco de perder já é uma quase morte.
Um beijo.
Um pássaro, várias lições...
ResponderExcluirEu falei que não queria ler, eu falei, fiquei com dó dos dois, da cachorrinha e do passarinho.
Que ela tinha que mexer com o penudo e que tinha ele que cair no quintal?
Belo texto Beloto. Incentivador.
Bju
Que triste... mas é sempre a tristeza que nos traz boas lições.
ResponderExcluirÓtimo fds, Rafa!
Beijos
Só os ignorantes conseguem rebaixar um animal aos humanos. Todos eles são muito melhores que nós. Foi uma lição pra cadelinha, todos aprendem, mas deve haver alguém ou algo pra ensinar. Uma coisa é certa, quando houver arrependimento sincero e aprendizagem, os pássaros vão ficar em paz com ela. Não dá pra saber se o filhote morreu, provavelmente sim. Mas a situação vai ter algo positivo. Saudades e continue escrevendo e me mandando os links! Grande abraço, Natália
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