De grau por degrau
por Rafael Belo
Estava no chão. Estatelado. A queda não foi dolorosa, foi
anestésica. Da primeira vez a desistir até agora foi um sopro. Tudo tão rápido.
Desistiu de sonhar, desistiu de dar opinião, desistiu de tentar... Então, rolou
do último degrau sem mais nem menos após decidir desistir. Entregou-se. Era noite
quando tropeçou no próprio pé. Pisou em falso e o pé esquerdo bateu no direito.
Rolou e a medida dos degraus contou cada um ao som de seus próprios ossos se quebrando
em todo baque no concreto. Pelas contas dele foram 500 degraus...
A temperatura de seu corpo variava de grau em grau. As horas
passaram diversas vezes por minuto e quando percebeu estar no meio da escadaria
os borrões do céu já iam clareando, a madrugada passava... Todo seu ciclo de
desistência, da entrega dos pontos era uma sequência em flashes da memória como
se estas fossem a causa daquela queda final. Deveria estar sentindo toda a dor
inaudita, indizível e merecida por sua covardia para si mesmo. Mas a anestesia impossível
o impedia de se perder na dor e só pensava em suas entregas.
Já vinha a metade da manhã e seu corpo seguia estendido no
chão. Não era mais um... Deveria estar urrando com as dores do horror do
inferno, deveria ter sido morte instantânea, mas não... Estava lá com tamanho
sofrimento por cada sonho supostamente apagado, por cada mudança não realizada,
por todo silêncio maltratado, por toda palavra subserviente... Este era o
verdadeiro sofrimento. Não importava não conseguir mover nem os olhos, ele
ainda enxergava... Talvez este fosse o
dom mais desperdiçado, mais ainda a não raciocinar: a visão.
Ele não via ninguém, ninguém o via. Era uma cordialidade de
invisíveis. Ninguém estava lá. Eram pedaços e pela primeira vez em sua última
situação ele reconhecia. Começou a perceber as dores do corpo e quando seu
grito engruvinhado de sangue jorrou sentiu-se virgem em seu corpo, estava
presente, estava em outro tipo de entrega, estava entregue ao presente. Revirou
os olhos e não havia mais a luz da manhã. Dezenas de pessoas o cercavam e um
som estridente se repetida acima de todas as vozes o questionando: está tudo
bem você? Onde não dói?
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