por Rafael Belo
Deitei na rede. Adormeci. Acordei com uma imensa cigarra com as asas danificadas sem poder voar. Lembrei que elas ficam na terra a vida toda e só saem para viver um dia e morrer. Novamente. Isto é brevidade. Voltei a dormir. A cigarra cantou até morrer. Acordei e ela estava morta. Veio-me a mente a fábula a Cigarra e a Formiga. Uma canta e se diverte. Outra trabalha em dobro para sobreviver no inverno. Já nós, trabalhamos para nos alimentar e continuar a trabalhar. Cantamos para relaxar? Para La Fontaine trabalhamos para nos livrarmos dos suplícios, das coisas que nos torturam simbolizada pela cigarra e para não aturar zombarias referenciadas nas formigas.
Imaginei o quanto nos incomoda a postura dos outros sobre nós, assim como a fala e a opinião. Imaginei o quanto danificam nossas asas, mas nunca conseguem as arrancar. Analisei o tanto de trabalho ocupando quase integralmente nosso tempo e no tempo que sobra fica ocupado pelo cansaço ou algum tipo de anestesia. Então, passei a entender a natureza das cigarras e sua insistência em encontrar melodias no próprio canto onde muitos só veem e ouvem incômodo e zumbido. Afinal, são 120 decibéis… O equivalente a decolagem de um avião diariamente ao amanhecer e ao entardecer. O canto atrai as fêmeas que morrem depois de botarem os ovos nas árvores.
Esta vida breve é ainda mais breve para as formigas que vivem de 1 a 3 anos - menos as rainhas que vivem 30 anos. Elas tem dois estômagos. Um para elas próprias, outro para armazenar e dividir com a colônia. A sabedoria da Natureza coloca cada qual em sua missão no ciclo da vida. É preciso muitas vezes gritar para nosso canto chegar a nossa máxima potência e sempre há algo além quando chegamos ao limite. Isso me levou a olhar novamente para a cigarra morta e pensar se aquele era realmente o dia final dela, se foi naquele dia que ela escavou para fora da terra para cantar em uma árvore e o que destruiu as asas dela.
Neste meio tempo, pesquisei para ver se eram corretas minhas informações. Descobri que as cigarras podem viver até 17 anos debaixo da terra e depois quando saem vivem até cinco semanas. Outras saem todos os anos. Ela se alimentam da seiva das árvores. Assim, as 1500 espécies podem ter a vida mais longa entre os insetos e só os machos cantam. Cada canto um propósito. Aquela morte ali certa, precedida de uma agonia para voltar a voar reforçou a necessidade de usarmos nossas asas porque morremos sem asas. Morremos quando não podemos voar e cantar. Ficamos no despropósito, na cena muda quando deveríamos falar e cantar sempre aquela que desejamos o bem e o melhor no Amor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por compartilhar seu olhar.