(Tirei esta ainda na facul-testando a máquina)
Por Rafael Belo
Não havia nada de especial neste dia, como há muito não havia na minha vida. Com o péssimo hábito gostoso de caminhar durante, um pouco antes, da quarta parte do dia: a madrugada. Estava eu chutando estrelas quando senti a umidade no ar e o frio (estávamos em uma época incrivelmente seca). Há alguns passos de mim a chuva mansamente me espreitava. Olhei devagar na direção contrária das gotas. Estava vazio feito uma casa abandonada às pressas. E toda aquela água me fazendo charco e um rio vertical, me preenchia enquanto a noite se transformava em madrugada.
Foi um tempo interminável me fazendo ajoelhar. Me sentia uma nascente. Uma divisa solitária do nada ao tudo. Aquela chuva. Aquela chuva era o retorno da minha alma perdida? Não mais! Desde minha mais senil lembrança me fadei ao fracasso, desistindo e não terminando nenhuma das atividades iniciadas. Não me esforçava! Era um corpo sem força. Nasci, adulto, no meio de barracos, remendando casas, orfão. Era filho do mundo. As pessoas não me enxergavam. Nenhum pertence -jamais. Só estes pés no chão e esta roupa, antiquada, doada.
Ouvi meu nome várias vezes, mas como era possível entender?”... Paudro... Paudro... Paudro...” Uma voz ecoada tão arrastada, como deveria ser a da morte. Tão nitidamente com a chuva escorrendo dos meus ouvidos e desabando, como? Meu corpo pesado era uma multidão enfurecida para minhas pernas fortes, acostumadas a inclinações e declives absurdos. Mais forte era o chamado sombrio do dobrar da esquina. Caminhei de joelhos até ela. Ao chegar e enxergar o cruzamento, subia uma neblina do chão, mas conseguia ver claramente incontáveis costas. Meus olhos ficaram quentes e contrastavam quentura no rosto, em sincronia com o arrepiar da pele e de todos os pêlos molhados.
Só então comecei a tremer. Era tanto tremor que eu parecia secar em meio a tempestade inclemente. Queria correr. Não gostava de encontrar ninguém! A estas horas desgostava intensamente. Por isso saía do buraco da ponte -onde me escondia- apenas à noite. Mas, o meu maior temor nao era este encontro, era eu me sentir parte daquele acúmulo. Do quê? Pessoas? Não me pareciam ter vida...! “Venha!” O chamado -agora entendia- vinha direto a minha cabeça!
No primeiro passo, daquelas incontáveis costas, preenchendo todo o espaço visível, estava em pé. Caminhava convicto atrás daquela procissão –que me esperava. Pareço ter fugido ao nascer, mas nunca vivi de fato.
17 comentários:
somos 2!
Eu adoro suas poesias, mas eu AMO seus mini-contos....muito, muito lindo!!!!!
Fora que o sol cor-de-rosa na foto roubou a cena!
Bj querido!!!!!
Uau!!
Sem palavras.....
Parabens por sua sensibilidade!
bj
UUU minicontos Drinha, minicontos hehe boa semana bj
Então,Lezinha, me impressiono com esta minha sessão toda vez o tempo cinza está grandioso e a máquina ainda me "queima" o sol o deixando roxo, cor-de-rosa. bjs querida boa semana
Hhehe brigaduu Déia. É cada coisa que surge aparentemente do nada... boa semana, linda.
Um mini conto perfeito. Gosto disso. Ow eu tô envelhecendo sim, você que ainda não viu, tenho cabelos brancos, esqueço das coisas e ando com muito sono, coisa de vó. SOu uma jovem senhora de quase um quarto de século.
;)
Lindo texto Rafael!!!!
Fui lendo e visualizando todo o cenário... parabéns mesmo!
Bjão
Tenho a solução, Tathy. Durma mais kkkkk e relaxe mais. ooo Tathyta minha senhorinha querida (risos). Não gosto de perfeição (risos) kkkkkkk
OOO Bellenha. QUando é dito "Fui lendo e visualizando todo o cenário..." fico sem palavras (risos) Obrigadoo beijos
"As pessoas não me enxergavam. Nenhum pertence -jamais. Só estes pés no chão e esta roupa, antiquada, doada."
Este trecho me lembra do relato de nascimento de Grenouille em O Perfume...
Muito bom teu texto. Teu jeito em "arrumar" as palavras como peças de um quebra-cabeça, digamos assim, enigmático :D
Cheiro grande.
Ah! E obrigada pelo selinho. Muito gentil e delicado. Postarei lá em breve, viu?! Obrigada mesmo.
Como eu posso escrever em palavras o quão bom são seus textos?
Adorei u.u
Bj boa semana ;D
Vinha.
Dora hehe só assisti o maravilhosso filme, Perfume, este livro não conheço. Adoro enigmas, Cheiro grandes flor. Brigaduu beijos
Adoro os teus Vinha linda. Thanks beijos
Muito interessante o seu texto, recheado de metáforas. Até parecem os meus. Adoro esse estilo de prosa-poética em que se fundem razão e emoção, personagem e sonho...
Muito bom!
Beijos!
Muito obrigado Ari. Gosto tb e por estas vou me arriscando com um livro... dentro de dois anos está pronto. Beijos
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