quarta-feira, outubro 24, 2012

Miniconto - Leito de areia

Miniconto - Leito de areia
por Rafael Belo

Quando pisou no leito daquele rio pela primeira vez tudo parecia normal. Mas, ela não sabia estar sobre uma falsa margem. Um bunker de areia formado na última cheia e desfeito em seguida. Isso sempre acontecia. Depois de uma torrencial chuva tirando toda a visibilidade da estrada ela chegou a Anastácio/Aquidauana. A tempestade implacável circulou durante as quatros horas gastas para chegar ao destino de seu feriadão. Ela ainda não sabia da história do leito de areia e como apreciou a solidão daquele lugar, lá voltou.

Adormeceu com o calor intenso e a pescaria frustrada. Ainda esperava se conhecer, finalmente... Olhou em volta e nada reconheceu. Não havia trilha no matagal pelo qual atravessou para ali chegar. Levantou com dificuldade pelo chão incerto e nem um pouco plano. Desequilibrou e rolou sem direção ou distância. Percebeu assim não estar no mesmo lugar e mais... Estava em movimento... E havia outro porém, seu espaço estava diminuindo e nas próximas horas acabaria sem espaço algum. Seu estranhamento consigo ficaria em segundo plano.

Aquela areia toda isolava a energia acumulada naquele corpo e era frenética a mistura dos pensamentos e sentimentos. Seu horizonte se aproximava e ao mesmo tempo as águas. A areia movediça se formava sob os pés e a sugava. Com todos os pêlos arrepiados, a eletricidade estática, formada de sua inação, fazia raios brancos e azuis estralarem... O impacto dos choques solidificava a areia antes isolante e a ilha arenosa aos poucos se tornava vidro. Foi assim que o leito de areia foi se tornando leito de vidro. Uma mudança mineral...

Cada grão de areia a receber seus raios do cúmulo da eletricidade acumulada, agora era a materialização de seus pensamentos, a escultura de seus sentimentos e toda aquela arte vítrea reluzia atraindo às margens tudo quanto é gente gritando e gesticulando embasbacadas. Os grãos de areia, ainda não molhados, se espalhavam ao redor dela com o vento a levar o antigo leito adiante. Uma redoma era formada envolta do corpo dela e ela nada ouvia e só via distorções. Assim, o leito antes arenoso agora era vidro. Uma arte ambulante. Sobre as águas chegava a ser transparente e invisível aos olhos desatentos... Mas olhares mais atentos viam a maioria dos planos dela e da imagem em si e o leito seguia pelo rio.

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