quarta-feira, outubro 17, 2012

Miniconto - Limites opostos



Miniconto - Limites opostos
por Rafael Belo
O trabalho havia chegado ao limite. Voltar ao antigo serviço não era mais possível. A exaustão já baqueava momentos de apagões inexplicáveis em meio a conversas animadas, no término de um trabalho complicado... Seu raciocínio rareava. Começou a não acompanhar mais o limiar das discussões, pescava ao encostar ou sentir qualquer calor próximo... Um dia depois do outro todos os sintomas intensificavam-se e sua memória esvaia-se. Primeiro foram as da infância e de repente já não lembrava o início da frase a pouco começada a ser dita... Daí para o colapso foi um pensamento.

Quando acordou parecia ser uma página em branco renascida. Parecia... Ter sido automatizada todos os meses seguintes ao colapso. Seu coma durou poucos dias, mas sentia estar despertando dele agora após um festival de cinema mudo e sem imagem. Estava em repouso forçado. Não resistiu ao duplo conflito da mente resistente e o corpo acumulado de esforço... Após tombar em plenos altos da Avenida Afonso Pena, em dia de show no Parque das Nações Indígenas, demorou para a multidão curtindo mais um show perceber aquele corpo desacordando desprovido de qualquer sensibilidade... Mas, isso já era passado...

Ter a percepção do próprio corpo por meio do tato ajudava. Tateando a pele e suas cicatrizes esquecidas reativava vagarosamente as lembranças. Lembrava de muita coisa principalmente da solidão causada pelos amigos de ocasião. Não que estes não tentassem permanecer com a amizade, mas o trabalho era seu único foco, então, seguia sem ninguém realmente o amparar e o ouvir. Sua família já jazia e era a última pessoa com os genes desta genealogia em extinção. Quando sentiu o molhar assustou com o soluçar balançante de seu corpo.

Não chorava um Mar Morto pelas lembranças. Todo o pranto soluçante – atração dos médicos e enfermeiros de plantão – era porque seu trabalho sem fim se transformou em um descanso prolongado. Primeiro precisava recordar seu nome... Mas, forçado a tomar um tranquilizante cavalar pelo regimento branco local, apagou novamente... No dia seguinte despertou pronto para ativar sua memória e se preparar para fugir para o mundo conhecido. Queria voltar a querida exaustão diária.

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