sábado, maio 25, 2013

Miniconto - De lado nunca mais


Miniconto - De lado nunca mais
por Rafael Belo
Não foi bom acordar. Ainda mais com este maldito despertador incalável. Teve que ir comprar o café da manhã. Vestiu um shortinho puído. Uma baby look rasgada, chinelos velhos e uma jaquetinha social bem “apessoada”. Ah, sim. Tinha os óculos para evitar qualquer claridade. Jogou um lenço na cabeça e foi. Digna de um desativado manicômio. Entrou no carro. Saiu da garagem. Esperou o portão fechar e só então olhou o tempo. Parecia início de noite e não de manhã. Parecia que chovia, mas só parecia. Fez suas compras voltou. Decidiu não trabalhar aquele dia. Ainda esta com a cabeça perdida depois de todas as ofensas gratuitas de ontem. Nunca foi tão desrespeitada. Iria deitar. Ganharia mais.

Só de roupas íntimas – mas ainda de óculos - já estava prestes a deitar. Ainda não eram 7h... Mas seu estômago protestou. Abriu a geladeira achou uma banana com a casca empretecendo e comeu. Quase passada, pensou. Não foi suficiente. Abriu novamente a geladeira buscou o leite. Encheu meia caneca, procurou o Toddy. Quando havia colocado duas colheres, algo chamou sua atenção. Tirou os óculos, mas ainda havia muita penumbra pela casa. Colocou o litro de leite na pia e mais meia colher de Toddy. Pensou. Entortou a cabeça. Tirou leite e caneca da pia. Os colocou sobre o fogão. Não pode ser. Não fiz arroz... Ah, não... O arroz estava se mexendo. Claro que não podia estar vivo, então era outra coisa. Ela sabia. Cerrou os dentes e procurou não se apavorar. Era tarde demais. Já respirava muito rápido e seus ombros acompanhavam.

Vermes. Na minha pia... Só pode ser culpa daquela vadia. Aquela vaca me rogou praga. Amaldiçoou-me. Mas acreditar nisso em meados de 2013 é pracabá... Quantos é possível ter nesta pia? Meu Deus parecem tão rápidos... E Agora?! Enquanto a pia parecia um branco vivo em 3D, ela se lembrava das palavras da Vaca. Achava que com certeza não era a melhor pessoa do mundo, mas só fazia o que dizia fazer e procurava se dedicar ao máximo ao trabalho, ajudar ao máximo e se enfurecendo gritou para a pia viva: - Sempre tem as invejosas inventando, injetando veneno gratuito direto no coração dos despreparados e os homens então... Babões otários. Não podem ver uma assanhadinha. Mas se não sou a melhor pessoa posso ser a pior, pelo menos para alguns e ALGUMAS..., desabafou. Depois ela soltou um grito demorado e começou a lavar a pia.

Este lixo imundo com comida apodrecida. Como me descuidei... Como pude deixar ser desrespeitada em silêncio. Ela me jogou tudo. De canetas a palavras que eu usei em outro contexto. Fui pega desprevenida e passei vergonha naquele senta e levanta. Não devia ter dado as costas para ela. Mas ia fazer o quÊ?! Chorar voltada para ela? Não! Fiz bem em virar as costas e não engolir o choro. Vai ter troco. Mas vai ser profissional. Ajudei tanto essa... Essa... ESSA Piriguete dos infernos... Puta... VA-DI-A... VA-DI-A... VA-DI-A... Agora minhas costas sangram... Huunnff... Aquele caranguejo transparente camuflado na areia vai voltar para seu buraco e parar de andar de lado, nem que seja só do meu! Huuuunnnnff...

Nem terminou com os vermes da pia. Tinha uma sujeira maior para limpar. Não ia ser nunca mais desrespeitada. Vestiu a mesma trágica roupa. Os mesmos óculos e saiu deixando torneira pingando, vermes se acumulando e o portão escancarado. No rosto vestia uma fúria controlada, direcionada que só o desrespeito pode causar e era provável que nunca mais vestiria novamente aquela expressão.

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