sábado, maio 04, 2013

Miniconto - Arrastando limitações


Miniconto - Arrastando limitações
Rafael Belo
Estavam todos conectados quando começou a oscilar a energia e tudo escureceu. Se não fosse impossível até as estrelas e as luas haviam sido engolidas pela escuridão. Não se enxergava nada. Nada se ouvia. Portanto, não era de se desesperar quando também estavam apagados os celulares e todo dispositivo móvel já inventado. Como acessar então as redes digitais? Era óbvia a necessidade de esperar a situação voltar ao normal. Afinal a energia voltaria a qualquer momento, certo? Mas, não voltou e já no segundo dia fazia suas primeiras vítimas do mal dos séculos e séculos. O Distúrbio da Dependência Virtual deu seus primeiro gritos em um casal de irmãos que de olhos vidrados e boca seca digitavam no ar.

Não pode ser. Não pode ser não pode ser... Não pode ser! Vou tentar mais uma vez acessar meu face... O quê vou fazer agora?! Cadê minhas amigas? Como vou ligar para elas, curtir suas ações...?Elas moram... Bem... Deixa pra lá... Mas como vou dizer o que estou pensando agora? Como vou dormir sem... E as fotos... Ah, tenho tantas para tirar, para postar, para para para... pára tudo! Vou ter que olhar para frente, agora... Quem são essas pessoas...? Ah, acho que são meus vizinhos. Nossa quanta gente nas ruas. Acho que meus olhos se acostumaram a escuridão, enfim. – Irmão?Você está babando? E este olho vermelho? Irmão irmão irmão... Respira ou pisca pelo menos... Será que eu também fiquei assim?!

Esta era a primeira vez, desde a última troca de smartphones, que era possível ver casais terem conversas que significassem algo realmente, não fossem pedidos, desculpas... Era a primeira vez desde a última batida na traseira de um carro parado, que as cabeças estavam erguidas e não só de motoristas como de pedestres também. Engraçado foi ver as pessoas se surpreenderem com as normalidades ao redor. Parecia que há um tempo incontável não viam nada, não ouviam nada nem opinivam fora das tais redes digitais.

A síndrome dos dedos ágeis seguia com seus surtos como um batuque de sons curtos sincronizados e como um enxame de escolas de samba em miniaturas povoaram cada silêncio perplexo, cada letargia claudicante... Sem energia o mundo se desapequenava, voltava a ser vasto e desconhecido e os novos desbravadores já não eram mais novos nem desbravadores, nem interesse sabiam que tinham... Voltavam ao ovo. Voltavam para dentro de seus frágeis particulares...

Me sinto aquele clichê de autistas de hollywood. Balançante mudo e minha irmã achando que vou me comunicar sem um dipositivo móvel sequer, meu celular não funciona, meu tablet não funciona, eu não funciono e o mundo não existe... #prontofalei. Ainda bem que encontrei estas superfícies lisas para passar o dedo, clicar, é um vício meu deus. Como viver sem energia, sem wi-fi, sem face, sem twitter, sem tumblr, ah meu instagram querido voltaaa... E eu que achei que os zumbis fossem resultado da televisão...

Realmente quem viesse de outro tempo e analizasse a multidão se arrastando em pé, trombando uns nos outros e em qualquer coisa fixa poderiam voltar a sua realidade e confirmar o Apocalise Z, ou qualquer outro fim do mundo (pelo menos momentaneamente) com cérebros devorados por zumbis.

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