(Miniconto)
Borboletas mortas
por
Rafael Belo
O corpo inteiro coçava e ele
se sentia preso, ali naquele nó na voz. Aquele nó na garganta. Aquela ânsia
aprisionada e tudo coçava. Sentia que vomitaria palavras e imagens guardadas na
mente. Sua pele toda pinicava como se ao invés do ar o cercando e o afogando
fosse um gramado com formigas nervosas e “picantes”. Suas energia e paciência
esgotaram-se naquele nó. Lá.
Sua mente não estava lá. Ele
só percebeu ao estacionar o carro. Era como se tivesse passado por todos os
fusos do planeta e não só se adaptasse a cada um, mas os trouxesse dentro de
si. Pegou sua maleta. Ligou o alarme, 200 metros depois ouviu o disparo. Não era
um disparo qualquer. Era o primeiro disparo. Não daquele dia, mas desde que o
havia instalado. Ressoou insistente. Voltou. Desligou. Olhou. Nada viu. No segundo
já estava a mais de 700 metros. Deu a volta toda no carro. Abriu a porta. Tirou
o som e o guardou no porta-luvas. Fechou a porta. Ligou o alarme. Esperou. Foi.
Durante o escândalo do
terceiro disparo já estava do outro lado do estacionamento. Voltou. Examinou tudo.
Portas. Bagageiro. Fiação... Satisfeito, fechou, ligou mais uma vez. Esperou mais.
Foi-se. No meio do caminho retornou. Não houve nem pressentimento de disparo. Abriu
a porta do carro novamente, levantou o banco do motorista e pegou seu principal
instrumento de trabalho. Não se surpreendeu quando chegou ao andar de seu
serviço e o viu destruído. Nada disse. Ficou em silêncio. ERA dia de silêncio.
De volta para casa, pensava
no caminho sobre o tempo. Ainda ventava como há dias. Estava assim: muito
forte. Não era só vento de poeira e chacoalhar das árvores... – Há mais. Eu sinto.
É um aviso...!
Algo sem proporções está por aí. Que vento faz
oscilar as luzes, desertifica as ruas, chacoalha as árvores e esvazia as
mentes. Distração... Uma chuva de vento, sem chuva, uma chuva de sons, sem
chuva... Este vento está vivo... Estes sinais... Eu sinto algo inexplicável e é
tão forte que eu sei.
As ruas estavam com um som
estranho, levemente crocante. Misturado a um vazio apocalíptico. Olhando com
atenção percebeu que não era asfalto por onde o carro trafegava... Eram
incontáveis borboletas mortas. Nunca esteve tão distraído e com olhar fixado. Mesmo
assim fez novo retorno – mas desta vez com o carro e os únicos avisos brilhavam
dentro dos seus olhos. Acelerou ao máximo. Pesou o pé até doer.
Precisava encontrar
sua esposa. O mundo não estava mudando. Estava mudado. Não era mais possível
contar até dez e respirar. Só ele sabia... E as borboletas mortas.
Lindo! Parabéns! Que Deus o abençõe sempre! mamys
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