quarta-feira, outubro 03, 2018

o mundo disfarça (miniconto)






por Rafael Belo
Estou molhada, mas tremo de indignação. Com a frieza já estou acostumada e todo este frio me abraçando, me fazendo me sentir menor. Mas me assusto com os flashes no céu. Não sei o que podem estar registrando. Já não vejo luz em mim e após o último trovão parecendo ressoar em um eco sem fim em mim, também já não há energia em lugar algum. Ninguém me viu chegar, ninguém me viu sair, ninguém me viu partir …

Minha memória sempre foi de peixe, então, já não sei dizer que festa estava, quem estava lá… Talvez alguém tenha morrido. E qual a diferença, afinal? Sinto eu ter morrido. Isso seria físico ou carnal? Talvez eu seja alguma entidade residual, um espírito perdido, uma alma assombrada ou um fantasma de um filme de Tarantino. Talvez esta tempestade tropical seja meu último aviso. Há tanta seriedade seca por aí e eu aqui toda molhada

Meus pés doem, meus calçados estão se desfazendo. Este é meu relógio, meu sinal do tempo. É o alerta. Este amarelo destaque no meio de tanto cinza e este novo dilúvio nunca prometido, aliás prometido que não teria mais. Olhando bem posso pensar melhor e enxergar que aqui, nesta inundação, não estou só há mais gente sozinha aqui comigo. Devo alertá-las a não preencherem o vazio? Elas nem me olham…

Parece que antes e depois de setembro todo o mundo disfarça finge que não existo. Só sou uma estatística, uma fonte jornalística, uma história para contar quando falam de ansiedade, dor, sofrimento, depressão e a palavra proibida: suicídio. Eu venho amarelando destes pensamentos da solidão, mas então chove. Eu me sinto perseguida pela chuva. Ela vem salvando minha vida porque quando chove me sinto viva. Mesmo agora sem energia, molhada, a cidade inundada e tanta gente afogada em egoísmo.

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