Eu
por Rafael Belo
Eu ouço as folhas secas pegando carona no vento, preenchendo minha varanda abandonada e esmagadas por pés divertidos lá fora. Só podem estar se divertindo, não é? Estão lá fora… Eu já não tenho coragem de sair. Tenho medo de pessoas mascaradas… Quando eram máscaras invisíveis eu me forçava a fingir para viver, agora não. Não há mais fingimento. Bom, eu não finjo mais.
Não entendo mais estes catálogos sociais rasgados, mas sei que estão nos celulares e não com as folhas ao vento. Ver a sensualidade do corpo exposta junto a uma certa intimidade no que foram as redes sociais no passado já não é possível se você tem seu chip funcional.
Determinaram há alguns anos que a sensualidade de fotos, imagens, vídeos, propagandas, músicas e afins era a causa da violência, principalmente, contra a mulher e as crianças. Mas era só uma desculpa para nos controlar. Hoje é necessário uma série de medidas e muita burocracia para ter alguma página virtual de conteúdo. Eu sou uma clandestina. Retirei meu chip no primeiro apagão das conexões. Demoramos décadas para conseguir achar as ações e as pessoas certas para nossa liberdade.
É sempre ela a causa das revoluções. Estamos criando nossa própria rede dos vazios deixados. É óbvio que não saio há tempos. Estou morta para o Sistema e minha casa abandonada é toda laminada por dentro. Assim não detectam movimentos nem meu calor. Eles não eliminam as pessoas mais ou as prendem. Somos reprogramados. Somos repaginados e destinados ao que melhor servir ao Sistema. Eu criei toda uma rede de sinais baseada em ruídos para ser impossível o Sistema reconhecer. Outros Clandestinos estão comigo para finalizar nossa rede. Estamos criando roupas, acessórios e utensílios para passarmos invisíveis pelo Controle implantando em todo lugar. Se você está decifrando este ruído as coordenadas dos nossos encontros chegaram no próximo pulsar junto com todos os materiais necessários. Não deixaremos mais o Sistema mandar o mundo controlado.
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