sábado, abril 27, 2013

Miniconto - Sem aviso prévio


Miniconto - Sem aviso prévio
por Rafael Belo

Mais um acidente a atrasando. Outro no cruzamento da Antônio Maria Coelho com a Bahia. Já sempre atrasada sem motivo, ela estava mais uma vez impaciente. Buzinava como se adiantasse, acelerava como se resolvesse, enviava mensagens reclamando e ligava tentando se explicar. Amaldiçoava os motoristas irresponsáveis que a prendiam no trânsito. Decidiu descer e caminhar quase mil metros para tirar satisfações. Borbulhava como se nunca tivesse tomado uma antirábica e tivesse dormido em festa com todos os morcegos da cidade.

Eles vão ter que me pagar em dinheiro cada minuto de atraso. Onde já se viu parar o fluxo desta forma?! Por que não saíram mais cedo...? Estão me atrapalhando... Devem ter furado o sinal. Mas também onde estão os fiscais? Detran, Agetran, Ciptran... Com aquelas roupas ridículas...? O mesmo blablablá... Coloque o cinto, dê seta, não avance o sinal, seja gentil mo trânsito, dê vez aos pedestres.... O quê vocês estão olhando se nem sabem se vestir bem? Ah, aposto que queriam ter minha coragem de ir até lá e... Será que tranquei o carro?

Mal se deu conta que já estava sobre o acidente. Uma batida fatal que acabara de acontecer entre duas caminhonetes. Infelizmente eram duas mães com suas filhas. As meninas estavam feridas... Quando parou de olhar adiante e viu o que se passava começou a tremer. Era a primeira a chegar. Sentiu um cheiro queimando seu nariz. Olhou para o sangue misturado com gasolina... Então, enxergou alguns rapazes carregando cuidadosamente as duas meninas sobreviventes. Tudo muito rápido. Forçou a vista para ver se as mães se mexiam. Olhou de um carro para o outro incrédula. Uma estava misturada com as ferragens e vestígios de celular como extensão da mão. A outra, incrivelmente, estava com um cigarro ainda aceso e... Buuummm....  ! Tudo foi pelos ares...

O quê é isso?! Mas... Obrigada! Muito obrigada. Ah, me desculpe o abraço. Você me salvou e mais uma das meninas, certo? Que situação terrível! Estou chocada... Estou... Sangrando?!  Quê cena de guerra é essa...

Não quis saber de socorro. Assim que a distração tomou conta, correu de volta para seu carro. Estava batido dos lados e atrás, até na frente havia amassados. - Mas o quê aconteceu afinal...?, se perguntava. Estava meia hora atrasada e correu como uma excelente piloto de Fórmula-1, só que infelizmente não há pilotos mulheres na categoria e ela não era nenhuma motorista de fuga nem conhecia tão bem aquela região da periferia.

Desta vez ela bateu. Perdeu tudo que havia no carro. O veículo explodiu e queimou incompreensivelmente até restarem apenas cinzas atrás daquele barranco. Ela sobreviveu porque foi arremessada sobre um depósito de colchões. Mas, apesar das leves escoriações e da dor de cabeça conseguiu ligar para um amigo taxista. Chegou ao serviço a tempo de ser demitida por não avisar o patrão.

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