terça-feira, maio 14, 2013

Sonho do sonho


Sonho do sonho
por Rafael Belo
Foi difícil acordar. No sonho dentro do sonho sabia que sonhava, mas não quão profundo. Lembro de deitar para dormir para acordar. Tinha que acordar e acordei dentro do sonho. Nele comecei a me beliscar e nada de acordar pela segunda vez. Parecia que minha cabeça pesava, doía e algo impedia meu despertar. Sentia algo ruim. Só quando espalmei a mão entre as sobrancelhas e os olhos consegui acordar. Estava pesado e fiquei atento. No mundo real começava a chover. Tirei os cachorros do descoberto, troquei a água e voltei a dormir. Mesmo assim, até agora estou com uma sensação desagradável. Não me lembro da última vez que isso aconteceu – se é que essa não foi à primeira. Você já passou por isso? O sonho lúcido. Neste instante me encaixo nos sonhadores lúcidos e você?

Naquele momento me senti um “onironauta” ou explorador de sonho. Mas, não havia nada visível nele, ou melhor, neles, apenas a sensação. Tudo era branco ou cinza. Parecia que eu flagrara minha mente começando a criar. E, claro, não queria explorar... Havia deitado apenas meia hora atrás. Estar consciente de sonhar enquanto sonha parece uma quebra de regras ou algo em mim se quebrou depois que acordei na madrugada de domingo para segunda. Foi – e ainda é - como se a noção do real e o imaginário se rompesse. A cortina que separava dois mundos foi erguida. Mas, antes de conseguir levantar senti a paralisia do sono. Não controlava meu corpo adormecido como se houvesse um delay entre meu comando. Ainda agora pareço metade e aos poucos a cortina vai se fechado. O onírico e a vigília se fundiram por um momento e o fragmento desta rápida fusão e separação ainda sonha em mim.

Esta paralisia passageira me lembra da corrupção da liberdade. Não porque na segunda-feira foi 13 de maio e há 125 anos a Princesa Isabel decretou a abolição da escravatura já maculando há três séculos, mas pela forma como é manipulada nossa liberdade ainda mais daqueles sem acesso a informações diversificadas ou ainda aqueles que o são, porém não possuem o discernimento. Estamos paralisados no trânsito porque não temos um transporte público de qualidade, no emprego por desconfiança – ou excesso de confiança – na nossa capacidade, nos estudos ou no sonho consciente e passageiro de estabilidade. Fato é que não queremos estabilidade parece que tal palavra nos leva a distorção de sermos livres e não ter a opção de se mexer é sim um pesadelo.

Sonhamos acordados mesmo aqueles sonhos mesquinhos, invejosos e vingativos de querer nos quais a ambição escorre pelos cantos da boca feito a enxurrada de uma chuva que não molha. Acordar dentro deste sonho lúcido deixa um gosto na língua meio-amargo, meio sem sabor... Destes que damos a mordida esperando o melhor, sorridentes, e o sorriso desaparece como se nunca estivesse lá. E assim pela metade espero o sono vir e tirar este vazio que o despertar duplo da madrugada deixou no meu estômago, esta azia onírica de vigília pronta para devorar a metade ainda dormindo na passagem de domingo para segunda.

Um comentário:

Anônimo disse...

Paralisados pelos desmandos...pela incoerência....pelas incertezas..Meu Deus...tomara que eu acorde desse pesadelo! Muito bom o texto..Parabéns!mammy