sexta-feira, janeiro 25, 2019

Protagonista (miniconto)







por Rafael Belo
Eu era mais um viciado. Vivia vazio me preenchendo. Não enxergávamos ninguém, mas todos os corpos estavam lá, vagando, esperando... As autoridades que ainda pensavam diziam ser tudo resultado dos excessos, principalmente, de passado, presente e futuro. Só desconfiávamos estarmos loucos de fato. Afinal, como não enxergar o outro? Nada fazia sentido. Parecíamos todos maiores abandonados como de um músico de uma era distante: Cazuza.

Batíamos uns nos outros, mas não nos ouvíamos, não nos sentíamos, não sabíamos conversar mais... Uma onda silenciosa de suicídios estava acontecendo. A imprensa chamou de Despropósitos. Quando as pessoas perdiam seus propósitos e repetiam seus apegos materiais caminhando sobre um abismo onde ainda não era possível ver o fundo, mas havia um fundo.

Tínhamos o orgulho da teoria e a pobreza da prática. Mas quando nosso espirito nos fugia... Morríamos. O suicídio era só protocolo. Um viciado até admite ser viciado, mas não o seu vício. Eu era viciado em sentimentos. Precisava sentir e, talvez, talvez, só talvez... Neste momento, eu conseguia enxergar um outro alguém e até eu mesmo. Mas, logo acabava. A carne não era suficiente...

Nada era. Precisava desta satisfação imediata... Não fazia sentido... Eu não sentia e me desesperava e me jogava para o vislumbre seguinte. Você me entende? Não vai falar nada? Eu estou sozinho, realmente. Agora me vejo o protagonista de um filme também de outros tempos: O Sexto Sentido. Agora eu vejo pessoas mortas o tempo todo e preciso aceitar a necessidade de fazer o possível para trazê-las de volta à vida.

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