sexta-feira, novembro 15, 2019

Sem mim (miniconto)










por Rafael Belo
Eu estava cansada de me despedaçar e me desperdiçar por aí. Fui atrás das minhas partes perdidas no passado. Não as reconheci. Nem acreditava de fato na existências delas. As encarei com a versão melhorada e moderna de Orfeu que sou. Só sou a outra parte deste amor. Sou Eurí apelido de Eurídice.

Eu estava em toda parte e já não era mais eu. Eu passei pelo meu passado em silêncio. Gosto dos meus silêncios, mas preciso expô-los depois. Sabe contar sobre eles. Vi o quanto eu estava presa em momentos sem valor, algo sem significado, principalmente agora. Neste presente transbordando ausências. 

Ouço as pessoas presas. Elas gritam com o corpo, com os olhos e eu ouço mesmo elas falando o contrário. Há uma forca montada nos olhares e elas confundem minha atenção com atração e eu tenho que usar a força do não, a força dos meus direitos para parar de fugir destes sufocamentos, destas solidões e destas coleções de momentos desagradáveis escolhidos para serem destacados… Mesmos os momentos bons sendo muito maiores...

Voltei a cantar e tudo se acalmou. Hoje é só mais um dia. Este é só mais um momento. Há tantos para serem criados, mas se não houver… Não vou ficar presa a este, mas vou aproveitar ele como se fosse o único, como se fosse o último porque é a realidade dele. Nós que vivemos desperdiçando nossa capacidade nos indispondo a segurar a liberdade e acabamos inseguros e presos. Prefiro colocar a cedilha em forca a ceder a este sufocamento e morrer sem o ar que eu preciso. Quero ver mais nos olhares. Viver com as pessoas mas sem precisar delas. Orfeu precisa saber viver sem mim. 

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