Miniconto - Leito de areia
por Rafael Belo
Quando pisou no leito daquele rio pela primeira vez tudo
parecia normal. Mas, ela não sabia estar sobre uma falsa margem. Um bunker de areia formado na última cheia
e desfeito em seguida. Isso sempre acontecia. Depois de uma torrencial chuva
tirando toda a visibilidade da estrada ela chegou a Anastácio/Aquidauana. A
tempestade implacável circulou durante as quatros horas gastas para chegar ao
destino de seu feriadão. Ela ainda não sabia da história do leito de areia e
como apreciou a solidão daquele lugar, lá voltou.
Adormeceu com o calor intenso e a pescaria frustrada. Ainda esperava
se conhecer, finalmente... Olhou em volta e nada reconheceu. Não havia trilha
no matagal pelo qual atravessou para ali chegar. Levantou com dificuldade pelo
chão incerto e nem um pouco plano. Desequilibrou e rolou sem direção ou
distância. Percebeu assim não estar no mesmo lugar e mais... Estava em
movimento... E havia outro porém, seu espaço estava diminuindo e nas próximas
horas acabaria sem espaço algum. Seu estranhamento consigo ficaria em segundo
plano.
Aquela areia toda isolava a energia acumulada naquele corpo e
era frenética a mistura dos pensamentos e sentimentos. Seu horizonte se
aproximava e ao mesmo tempo as águas. A areia movediça se formava sob os pés e
a sugava. Com todos os pêlos arrepiados, a eletricidade estática, formada de
sua inação, fazia raios brancos e azuis estralarem... O impacto dos choques
solidificava a areia antes isolante e a ilha arenosa aos poucos se tornava
vidro. Foi assim que o leito de areia foi se tornando leito de vidro. Uma mudança
mineral...
Cada grão de areia a receber seus raios do cúmulo da
eletricidade acumulada, agora era a materialização de seus pensamentos, a
escultura de seus sentimentos e toda aquela arte vítrea reluzia atraindo às
margens tudo quanto é gente gritando e gesticulando embasbacadas. Os grãos de
areia, ainda não molhados, se espalhavam ao redor dela com o vento a levar o
antigo leito adiante. Uma redoma era formada envolta do corpo dela e ela nada
ouvia e só via distorções. Assim, o leito antes arenoso agora era vidro. Uma arte
ambulante. Sobre as águas chegava a ser transparente e invisível aos olhos
desatentos... Mas olhares mais atentos viam a maioria dos planos dela e da
imagem em si e o leito seguia pelo rio.
3 comentários:
Muito bom...foto incrível...leiam..
muito obrigado
Texto excelente....foto linda..
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