quarta-feira, dezembro 05, 2012

Como uma ostra


Como uma ostra
por Rafael Belo

Observar parece algo distante e longe da concepção da interação pelo simples fato de termos sempre de emitir opinião e compartilhá-la. Não podemos apenas observar e usar a imaginação para as possibilidades. Por quê? É possível estar no lugar e permanecer ausente. Não é preciso de um analista para fazer um laudo afirmativo e comprovar esta prática humana. Mas, “somos obrigados” pela convenção social a abrir a boca mesmo se for para esvaziar o vazio. A presença não basta. Então, como uma ostra vamos guardando pequenas mentiras ditas a nós mesmos até as pérolas saírem.

Gosto de observar como se fosse parte da paisagem onde acontece a situação diante dos meus olhos e até como se eu fosse a situação. É um exercício integrante da calma. Permite uma visão o mais completa possível de qualquer coisa. Muitos pássaros o fazem. Da janela do gabinete há um recorte do movimento da natureza lá fora. Vejo através janela. A água cai do ar-condicionado e forma um mini-lago lá embaixo. Entre o almoço e o retorno ao trabalho, um pássaro preto saltita silencioso e olhando para todos os lados bebe da água, olho novamente e bebe uma última vez antes de alçar novo vôo.

Como percebê-lo ou aos demais pássaros, principalmente os diversos tipos de beija-flores buscando o néctar das flores lá fora, se estivermos sempre ocupados com algo? Falando, pensando, tentando sempre interagir e participar de seja lá... Nossos supostos silêncios estão na verdade participando de algo maior, mas no meu caso estão criando porque dificilmente vou encontrar palavras para descrever o sentimento de tantas cores e movimentos. O interesse da sombra na luz e o da luz na sombra. Esta dança diária diante de nós é intensa e nosso objetivo é apenas sobreviver mais um dia...?

Absorver a dança da vida da pequenez e a força excomunal da delicadeza de um beija-flor afagando o mundo com suas asas para se manter no ar e se alimentando é algo difícil de se conceber com sonoplastia. Por isso, se como uma ostra guardar pequenas mentiras, poucas horas depois meu corpo padece parcialmente como meu reflexo interno e o incômodo dessa “sujeirinha” se transforma rapidamente em uma pérola oca sem valor envergonhada dentro de mim... Também é bem possível se transformar em algo subjetivo... Porém, se como uma ostra acumular silenciosas observações (como a do pequeno grande pássaro), elas gritam uma pérola robusta e única simplesmente porque vi o que me era possível enxergar através da janela. 

2 comentários:

maria do socorro disse...

Muito lindo o texto só alguém romântico que observa e pode ver as pequenas grandes coisas da vida..Parabéns !

Anônimo disse...


A capacidade de observação e a arte de lidar com as palavras fez o texto brilhante,coeso e coerente.Parabéns,Rafael jornalista,escritor e poeta...