sexta-feira, setembro 07, 2012

Miniconto - Personalidade passageira


por Rafael Belo
Naquela janela ela vivia debruçada. Por esta janela ela assistia o tempo. Pela janela ela era mera paisagem... Pendurada em uma infância sem fim, jogada em uma adolescência sem chegada. A maturidade era uma picuinha à toa sem resultado sem início... De um meio tão parado a ponto de nada parecer. Com os fundamentos em falta e as formas sobrando, tudo parecia ser forma por fora e por dentro. Por isso, então, o raciocínio travava, empacava em um vazio às vezes preenchido por uma personalidade passageira.

Ela tinha um congelamento mental. Portanto, a inação e a falta de encorajamento eram reações normais. Mas, admitir o envelhecimento era inadmissível, era um palavrão imensurável. Era algo tão distante preferível de ficar olhando pela janela... E pela janela a personalidade passava os riscos se esvaiam e nada acontecia, além da angústia, o sentimento de abandono e uma forma abismal de fim a abraçava com força por trás. Um peso sem medidas por fora e outro com toda a gravidade por dentro.

Era um remoer feito rato faminto tentando sair, forçando espaço para escapar de seu fim tão derradeiro, tão próximo a sentir o hálito duvidoso da morte esmagando com mãos afiadas um coração de retalhos. Com aquela bomba de sangue se espalhando pelo corpo com tanta ausência, mais tanta solidão e carência acumulados por desconhecimento de afeto, ao vento se tornar uma paixão avassaladora pelo toque cauteloso e envolvente na pele esquecida. Este era o motivo de ficar ali na janela. Ela esperava um sopro ao menos...

Esta brisa não vinha. Estava tudo seco. Ela secava cada vez mais também. Pela janela debruçada... Sentia um temor de perder até sua personalidade passageira... O tato ainda lhe restara, todos os outros sentidos dormiam. O sono profundo a velava. Nada escutava nada cheirava nada falava nada tinha gosto, mas ela acredita ver – nada via... Não podia ver a madrugada abrindo os olhos da alvorada para ela dissipando cada sombra carregada nas costas, cada sombra grávida no interior... Mas pelo ressoar mudo e a pele arrepiada, ela sonhava outro sonho, além das digitais na viva janela.

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