por Rafael
Belo
As pessoas cultuam a saudade e a dor por
aqui. A sociedade da dor e da saudade. É o que move a economia neste mundo
destruído. Nesta terra desatenta, os joelhos se dobram sustentando o mundo, as
culpas, os mares se formam de saudades transbordando em deturpações latentes,
queimando, dilacerando estes alimentos adulterados com vidro moído nos
triturando por dentro, nos matando para desvalorizar as pessoas e valorizar
objetos, status, a velha aparência padrão desdenhando de pele, corpo, classe...
Eu era estas pessoas. Tentei derrubar este
sistema e posso dizer que estou morta. Para a sociedade, para o sistema... Venderam
minha atitude, minha voz, tentaram me deletar da existência, mas havia muitos
backups de mim por aí e os downloads foram realizados com sucesso. Eu viralizei
e a cada tentativa de sumirem com algo, apareciam milhares de avatares meus
contaminando cada clique com views desta sociedade lucrando da nossa dor e
transformando a saudade quase em uma maldade...
Quando derrubaram todo o sistema para
hackearem toda a tecnologia rastreada deste mundo do avesso, eu realmente tive
de desaparecer. Dada como morta, não poderia morrer novamente, não poderia
aparecer que qualquer câmera ou smartphone me denunciaria e em instantes meu
mito seria arrancado de toda a existência. Eu tive que aprender a sentir dor e
saudade novamente. Minha insensibilidade crônica causada pela Síndrome de
Riley-Day me fez viver uma jornada em busca dos meus neurônios sensoriais...
Haviam células troncos experimentais
capazes de serem redirecionadas para a criação destes neurônicos. Funcionou e
adivinhem, virei experimento. Todos viram a primeira vez que chorei, que senti
dor, mas eu aprendi biológica e neurologicamente a não permitir ser dominada
pela tristeza na hora da saudade e pela negativada na hora da dor. Então, eu
ria ao chorar também, eu sorria ao lembrar do passado, das pessoas... Eu era
uma anomalia de risco. Eles me consideraram um risco ao equilíbrio nacional e
hoje eu sou uma foragida. Não estou sozinha e nem original pareço diante de
tantas distopias, mas eu sou real e desperto ao menos a reflexão e só de causar
este risco causei o colapso desta economia. Estamos em guerra quer você saiba
ou não.
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