Miniconto – Altos
voos
Por Rafael Belo
Quando lhe chamaram de alienado ele logo pensou que
concordavam com ele. – Não sou mesmo deste planeta. Sou um alienígena completo,
tirando as antenas e a pele verde. Não concordo com quase nada e sou... Qual o
nome mesmo...? Desinformado. Não só porque estou fugindo pelas sarjetas para
não sumirem comigo. Sou um novo morador de rua itinerante. Mas esta acusação,
alienado, veio antes desta situação. Sou formado na vida, por mais que tenha...
Não tenha concluído nenhum dos cursos com a minha cara e coragem, ninguém tem o
direito de me chamar de desinformado. E daí que não tenho diploma de verdade,
passei pelas formações básicas (claro sem pensar e criticar muito) como todo
mundo: decorando...
Ele sempre trabalhou de sol a sol, como um capacho
particular. Tinha habilidades próprias e se desenvolvia com facilidade, mas
nunca mostrava nada novo nem queria novidades em nenhuma parte, principalmente
na política. Era detentor do clichê rouba,
mas faz e também do típico melhor o
certo que o duvidoso. Sempre se limitou a não correr riscos, a seguir a
corrente. Dizia a si mesmo: para quê
quebrar a corrente e nadar contra a maré?É tudo moda e bestice e de si para
si concordava e seguia sem esforço algum, sem gastar um neurônio sequer. Mas até
então, anos e anos a fio a sugar as rebarbas sobras da sociedade e de seus
patrões, continuava (por incrível que pareça) o mesmo, sem deixar estas
regalias farrísticas, como dizem por aí, lhe subirem a cabeça.
Porém, sabe bem a sabedoria interiorana que quem muito
espera continua esperando. Começaram a encaramiolar
as ideias claras do preto no branco e uma confusão começou a doer-lhe a
cabeça. Pouco depois veio o surto já incendiando o mordedor no incêndio da
fogueira das vaidades. Se achando no direito inalienável da arrogância decidiu
fazer o impensável no país do funk, futebol, das verdades únicas e do Jornal
Nacional: cobrou, cobrou e cobrou. Boicotou as eleições e sumiu na época pós-leitoral.
Os agentes do politicamentecorreto
o encontraram na Capital mais interiorana tupiniquim e cobraram suas
justificativas. Não as tinha. Mas, armou as palavras mais usadas depois do
deboche do eu te amo e as atirou Eu tenho meus direitos. Não pôde mais
votar limpo, exercer nenhum de seus cargos fantamas ou funções públicas
inexistentes, muito menos aprimorar seus conhecimentos em um, finalmente, terceiro
grau.
Desrespeitado.
Descartável. Foragido. Não posso exercer minha função oficial de capacho e sou
obrigado a raciocinar sobre cada coisa. Nem mais a sarjeta é livre. Alguns dias
aqui e outros acolá e lá vêm os assistentes sociais tentarem me mandar de volta
como se eu não fosse da Morena. Quando foi que me tornei descartável mesmo...
Ah, sim... Na hora da arrogância... Por que quis sair daquele escurinho
consolador de tantos anos...? Não quis... É, não quis. Posso ver o exato
momento da poda das minhas asas e do esquecimento da existência delas. Mesmo voando
tão baixo sem sentir sequer o vento... Me confundi ao chão, virei chão, fiquei
confuso... Só aos pulinhos bicando as mesmas velhas migalhas e aquelas ideias
de cobrar meus direitos... Preciso encarar tudo agora, até olhos nos olhos, de
frente olhar. Só não sei se um dia saberei voar alto...
Um comentário:
É incrível a nossa aceitação de tantas coisas erradas...não é comigo....uma hora as coisas vão se assentar....que nada não posso fazer nada....manda quem pode ...obedece... somos molas coniventes com tantos desmandos...somos também omissos aceitando todos os desmandos...até quando?
Belo texto..
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