No estranho primeiro de abril dos médicos e monstros
Se ele é aquele que se esconde, eu serei aquele que
procura. E se ele e eu fôssemos
a mesma pessoa? Este antigo trecho é de 1886, do Estranho caso do Dr.
Jekyll and Mr. Hyde de Robert Louis Stevenson ou, como conhecemos a
obra, O médico e o monstro. Temos nossos médicos e monstros
dentro de nós e dependendo do nosso equilíbrio particular tendemos mais a uns.
Dentro de nós, seres humanos, não há o bom puro ou um mal destilado, há nosso
crescimento e decisões. Somos aquele que esconde e aquele que procura. Mas, às
vezes nos escondemos tanto, a ponto de não sabermos qual é qual, porque,
afinal, ambos somos nós e queremos que tudo seja simples dividido por lados:
mocinhos e bandidos.
Este clássico é baseado na
vida dupla de um escocês de Edimburgo: William Brodie. William roubava as casas
dos moradores da cidade à noite e durante o dia era um respeitado marceneiro.
Como sempre não é tão simples na realidade. Esta suposta dicotomia vive dentro
de nós sem tanta obscuridade, mas com muito eufemismo e metonímia. Regrados por
leis, éticas e moral, a vida acaba por ser uma constante vigilância e
autovigilância. Suprimimos e reprimimos muitos desejos e vontades por
"n" objetivos e nossa mente guarda, nosso corpo armazena, nosso
coração sobrecarrega e nossa alma amplifica. Somos instintivos e sensitivos
como os animais, mas somos mais racionais e neste primeiro de abril podemos
dizer que muitas vezes, nós somos a maior mentira.
Nesta data, seguimos
a tradição de “pregar trotes” porque hoje foi um dia o início do ano até Júlio
César mudar para primeiro de janeiro meio século antes de Cristo, por questões
políticas. Década depois o papa Gregório XIII estendeu a data para toda
cristandade e o calendário gregoriano foi difundido para todo o mundo. E não há troca de presentes falsos para
troçar dos desobedientes que continuram há séculos a comemorar a data como
verdadeira ou o “peixe de Abril”. “Peixe de Abril” marca o fim da Quaresma
(consumo proibido de carne vermelha para cristão e a data que marca a morte e
ressurreição de Cristo) e onde o peixe é o presente mais frequente. Assim, dia
primeiro de abril é dia daqueles que não aceitam a realidade ou a querem de
outra forma.
Assim, distorcemos nossa visão, inventamos outra e não
aceitamos muito do que não venha de nós. Talvez tenhamos três naturezas em luta
constante para ser livre: a humana, a demoníaca e a divina. Podemos ser fusões,
mas somos mais pelo cotidiano, pelo vivido por nós, por onde crescemos, onde
trabalhamos, pelos outros e pelas diversas culturas que absorvemos. Não somos uma
coisa ou outra, apenas não aceitamos a realidade, a queremos de outra forma e
criamos mecanismos onde somos médicos ou monstros. Dr. Jekyll acreditava que o
problema era quando o lado negativo se libertava e ia parar nos noticiários. Acredito
que o problema é quando guardamos só para os silêncios nossas impressões, sentimentos
e acumulamos energia ao invés de compartilhá-la, de distribuí-la e não vir a
conhecimento público de jeito algum ou muito tarde. Tudo isso vira
ressentimento e, uma hora, quem está escondido dá as caras.
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“...dentro de meia hora,
irei novamente e definitivamente incorporar aquela odiosa personalidade, e
antevejo com irei sentar tremendo e chorando em minha cadeira, ou continuar,
com o mais desgastado e apavorado êxtase auditivo, a andar de cima para baixo
neste quarto (meu último refúgio terreno) e atentar a qualquer som de ameaça.”
(Trecho de O Estranho caso de Dr. Jekyll and Mr. Hyde, ou o Médico e o Monstro).
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Um comentário:
Acredito nessa mistura de médicos e monstros que vive dentro de nós. O dificil é separá-los.
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