quarta-feira, junho 06, 2018

Boneca metálica (miniconto)





por Rafael Belo

Ela perdeu a fala quando eu fui criada. Bem jovem, porém a mais antiga alma que já vi. Hoje sou uma boneca metálica (plástica? Elétrica? cibernética? Ciborgue? Androide?). Deveria estar morta ou ser um objeto, mas não…! Sou uma alma viva carregando membros fantasmas de outras épocas. Eu sinto, eu reajo e não é de nada - a princípio - abstrato, sentimento… Falo de toque. Ela é humana e, como vou dizer... É indiferente, apática… Inativa. Não age, portanto, não reage. E eu presa neste curto-circuito…

Espasmos neste corpo poderoso, supostamente infinito, me dá arrepios pensar. Lá vem ela que não sente também o toque. Não sei o nome da doença… Bom, sou fisicamente máquina posso googlar direto. Aqui! É síndrome de Riley-Day. O sistema nervoso autônomo sensorial fica em desordem. A pessoa não pode chorar e é insensível a dor… Hummm… Ela não é capaz de chorar, não sente dor… Posso ter pena dela…? Como se eu pudesse controlar. Veja este olhar frio que olho agora. Não é culpa dela não reagir. Ela nem sequer soube da ação. Não sentiu nada, como ressentir? Ressentimento mata. Já morri disso uma vez... Surpreendente ser uma máquina me permite ter acesso a tudo que fui pela primeira vez…

O que fariam se soubessem o que sou? Ela não pode saber sobre isso. Eu não sei o que sou… sei que… Estou viva! Sairei gritando e criando referências e ela vai me ofender gritando Boneca Metálica não se mexe… Depois me destruiria como sucata na periferia com crianças férteis em imaginação, levando em consideração que elas não estivessem trabalhando… Eu sinto vida neste toque morto. Ela olha nestes olhos caros de derivados do petróleo e parece sentir algo… Impossível! Só posso rir com este paradoxo. Hum! Impossível saindo da própria senhorita de todos os impossíveis…

Só vou saber fazendo, vivendo… eu a minha própria ofensa… Boneca Metálica… Ela está me destruindo agora! Ela me viu nos meus olhos deste ouro de escuridão? Será que ela me sentiu ou foi a ausência de me sentir a culpada pela minha destruição? Serei eu ela e ela eu? Será tudo isso um espelho de silêncios e dúvidas? Não posso falar… Que horas são? Hora morte às 15h27. Causa morte: fiquei pelo caminho me negando e desvalorizando o caminho, o confundi com pedras e o atirei em mim mesma… O que eu faço??!!!?? Já sei? Só posso quebrar o espelho e rasgar o papel…!

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