Miniconto - Parte
por Rafael Belo
Simplesmente estava lá. Mas, se
passaram dias para as pessoas notarem. Só ainda não sabiam se ele esteve o
tempo todo naquele lugar ou se todo dia, pouco antes de olharem, ele chegava. A verdade
é que nestes dias de surtos mais divulgados achamos ser mais frequente perder a
cabeça e tememos entrar em contato com o “desconhecido”. O “desconhecido” no
caso era um político. Ocupava o tempo ocioso das sessões para ler e
incrivelmente não dormia com tanta monotonia. Nestas leituras, de terça à
quinta, descobriu algo novo: a contemplação.
Já nem ia mais as sessões, mas
sua ausência nem era notada, inclusive pelos próprios colegas. Tanto o era que
na “lista de presença” ele constava presente. Enfim, por algum destes motivos
que não cabe a nós reles humanos explicar, o nobre parlamentar começou a passar
dia e noite atrás de qualquer autor e livro sobre contemplação. Encontrou um
templo budista em Campo
Grande onde um monge shaolin (um chinês que meditava dias a
fio sem comer e beber e tinha o corpo e a mente de aço) vivia isolado. Aprendeu
a se camuflar, a ser absorvido pela paisagem. Percebeu não servir para política
por não fazer nada – mesmo que exista aquele aptos para o cargo de nada fazer.
Partiu para a escrita. Prometeu a
si mesmo escrever para despertar os detalhes de observar nas pessoas. A contemplação
iria triunfar e ele seria o instrumento. Para tanto iria fazer diversos testes.
Como dito pelo chinês as pessoas não viam realmente o que estava lá. Cada manhã
passava horas nos lugares até uma criança mal cuidada e inconveniente o
revelar. Mesmo assim demorava para os adultos darem atenção. Quando davam ele
saia na primeira distração. De longe observava mais um pouco e então partia
para a próxima parada.
Chegou a Casa onde antes
trabalhava. Chegou cedo. Ninguém o fazia. Ficou lá meses e meses. E um dia
ouviu alguém tentar se lembrar dele ao conversar com outros funcionários e de
repente alguém o viu, mas sem o identificar. Ele não comia e não bebia. Era improvável
que em seu atual estado fosse reconhecido. No entanto, ainda queria ver até
onde chegaria a multidão de funcionários a ser formar com os rostos, corpos e
dedos apontados para ele. Eles entraram e decidiram que sumiriam com aquele
louco dali. Viram as gravações das câmeras externas e se assustaram. Perguntavam-se
quantos ele havia matado.
Quando ele os viu sair. Sorriu
sem saber que seria linchado e humilhado quase até a morte por observar demais.