sexta-feira, dezembro 21, 2018

há um amanhã maior (miniconto)





por Rafael Belo

Passei as mãos nas minhas cicatrizes. Carícias nas minhas mais profundas memórias emotivas. Por toda extensão delas, em cada uma delas e consigo sorrir depois de tantas dores… Sou referência do despadrão. Já fui linda e desejada conforme os padrões da moda atual. Fui forçada a mudar. Ou me aceitava ou matava… Ainda amo a vida. Mas naquela época havia um fio de esperança, um restinho de amor. Foi o suficiente para eu superar o estupro e todos os abusos.

Há borboletas em mim. Não falo apenas deste bando multicolorido me seguindo. Falo das minhas tatuagens em todos os tons, todas as cores, todos os tipos e espécies. Elas ajudam a me lembrar que voo tão alto aos astros mais antigos do universo. Tenho todo este invisível em mim e ele quer despertar em todas nós também. Deixa a gente inabalável, não invencível. A sensação de invencibilidade só torna a queda certa maior, mais alta e muito dolorosa...

Dores vêm ainda, mas as domino. Elas não me dominam mais. Não me descontrolo mais. Até me dão energia para queimar e não voltar aquele estado ao qual nem gosto de lembrar. As dores são passageiras e, às vezes, copiloto guia. Fico pensando na covardia destes seres humanos desviados de si mesmos capazes destas atrocidades nojentas, horrendas e aí foco em algo bom em mim e na humanidade. Só vemos coisas ruins porque as boas são desvalorizadas e eu garanto que estas são muito mais, a ruindade, o estado animal da violência sexual humana é exceção. É uma forma sorrateira de cortar nossas asas, de tentar nos submeter ao chão, a incapacidade de voar, mas...

Eu voo e liberto. Sou libertadora hoje. Tenho algum sentido a mais. O décimo depois de tantos… Eu sei quando uma mulher foi estuprada, foi abusada… Mas não sou justiceira, não sou vingadora. Minha missão é libertar elas, nós, das marcas e mostrar minha cicatrizes porque há um amanhã melhor. Um amanhã onde elas, nós, podem(os) chorar e serem(os) fortes. Chorar é força. Falar é força. Existir é força. Não me sinto mais humilhada. Quem deve se sentir assim é aqueles… Enfim, é passado. Sou uma mulher vencendo diariamente. Sou a própria Força da Natureza e você também é!

quinta-feira, dezembro 20, 2018

novos voos






caiu a borboleta do seu último voo
folha descolando dos ventos
dores agora são forças sem doer
todo o voar é primeiro para elas

ressurreição diária afastando as máculas
cicatrizando todas as dilacerações
sem ser abusadas novamente

do sonho de liberdade cerrando também as grades virtuais

todas elas forças e continuidade
realidade de ser ação e voz
no levantar da borboleta para novos voos.
+-Rafael Belo/*

Uma benção e uma maldição (miniconto)





por Rafael Belo

Havia tantas máscaras nele. Ainda mais a daqueles para aliviar a própria culpa o livravam da dele. A palavra monstro vinha estampada em toda boca e mídia, mas não significava nada para ele. Não haviam monstros. Ele só fazia o que queria e como queria. Ainda podia se gabar do próprio poder. Nem sabia mais quantas mulheres havia usado, sabia sim que estava satisfeito, por enquanto… Ele era o símbolo de algo contrário ao que fazia. Mas, para ele aquilo era só para satisfazer as próprias necessidades biológicas.

Uma benção e uma maldição. É algo atribuído a quem tem dons. Algo considerado até sobrenatural e assustador para quem nega ter algum poder. Neste mundo é preciso chegar aos dois extremos dos limites: o bom e o ruim, o bem e o mal… Foi nas mãos deste falso profeta que tudo em mim se dissolveu, derreteu, virou nada… Mas neste meu universo nada fica desocupado, qualquer vaga recém aparecida é ocupada de imediato. Foi durante meu segundo estupro assistido que eu realmente me assustei e me despedacei…

Virei pó. Sai de mim. Ainda sentia toda a dor no corpo, a dor na alma, a humilhação… Eu não via o mal nele, não via nada bom naquele momento nojento e horrendo, mas eu via negatividade, via escuridão e via aquele ser humano desprezível me destruir. Fui destruída. Talvez até tenha morrido. Não diria ser o destino. Seria cruel ter que passar por algo assim para descobrir meu destino… Não. Foi obra de um homem e todo o poder dado a ele. Que não tem nada a ver com o divino. É o desespero… A fé que há algo além de nós!

Como nada fica desocupado. Nada fica desequilibrado. Eu estava dividida entre tirar todo aquele peso esmagando tantas mulheres como eu, as ajudar a descobrirem também serem Maravilhas, Mulheres Maravilhas ou ser mais uma vítima atormentada por aquele homem e pela sociedade me acusando de… Enfim, eu decidi o expor e revelar a minha mediunidade. Mas, naquele momento do meu Despertar eu pude escolher entre matá-lo e sofrer todas as consequências, morrer continuamente com minha dor ou ser a Luz para despertar o poder das mulheres humilhadas… Eu sou as três escolhas. Equilibrei a balança porque sou mais humana a divina. O deixei com a marca da dor constante. Teve consequências para mim, além das sequelas que ele me deixou, porém nenhum homem mais vai estuprar e humilhar mulheres esta é minha benção e minha maldição. Eu sou a balança e minha Justiça tem um moderado molho de vingança.

terça-feira, dezembro 18, 2018

restam





sangue na boca olhos dilatados
sorriso macabro do cotidiano
destruindo almas no esconderijo humano
carnes dilaceradas pelo abuso de poder

humilhação forjada pela falsa cura
surra infinita construindo traumas
e a mente procura desculpas para viver

até a coragem se render às sombras
nesta ausência de luz perturbadora

as dores avassaladoras são o que restam.
+às 20h27, Rafael Belo, terça-feira, 18 de dezembro de 2018, Campo Grande-MS+

odiando-nos





por Rafael Belo

Daqui 17 dias os ciclos se renovam. Eu me vi me distanciando de mim. Deixei-me cinco passos adiante esperando me alcançar e, agora, não há mais divisões sou um só ainda seguramente sendo quantos de mim eu quiser ser. Só tenho necessidade de criar e aprender. são meus ares. Só respiro desta maneira. Mas agora mesmo estou prendendo o ar, esquecendo de respirar. Há milhares de mulheres sofrendo, mas o foco atual está nas abusadas, estupradas por um homem. O machismo, sexismo e todos os ismos ainda ferem e querem desacreditar tantas vítimas. Um homem contra mais de 330 mulheres…

Não tenho ideia das dores e traumas causados pelo homem acusado João de Deus, nem pretensão disso. Quem pratica estes atos horrendos continua sendo um homem. Chamar de monstro se pressupõe que estava fora de si… A quantidade de denúncias de abusos, estupros e ameaças, infelizmente é recordista. Levando em conta os mais de 40 anos de atendimentos, o líder religioso além de distorcer a religião que representa, abusou da posição de poder, inclusive da filha. Há mais vítimas por aí com medo… Mas tudo isso está acessível. Com um caso tão notório a Justiça deve ser feita. Ela precisa ser feita.

Mas o ódio foi direcionado as vítimas, mais uma vez. Como uma nojenta guerra interminável. O abuso e o estupro sempre foram uma forma de humilhação e poder em guerras, invasões e de uma forma covarde e perversa estas mulheres, que tiveram coragem de ser expor, estão sendo perseguidas, humilhadas, pressionadas e postas em dúvida.  Que seres humanos somos? Não podemos sequer defender as vítimas? Queremos desfilar o ódio e, ao invés de acolher, rejeitamos, acusamos, repetimos as marcas massacrantes de guerras.

Violar o corpo, a alma, a mente, a liberdade de alguém deveria ser crime hediondo. Estamos distantes de ser quem podemos ser e ainda que as mulheres sejam maioria seguem sendo humilhadas e desrespeitadas em plena época de evolução constante, de progressos nossa alma se apequena pela falta de acolhimento e gentileza com a profundidade e a vergonha manifestada na dor do outro nos canabalizando feito velhos bons selvagens se perguntando qual a diferença do ano estar terminando… Neste lugar onde chegamos fico pensando: a imagem e semelhança de quem?

sexta-feira, dezembro 14, 2018

interferência (miniconto)






por Rafael Belo

Quando o agora deixou de existir, eu era o vazio. Não uma mulher vazia ou a própria Gaia desterrada, devastada, desolada… Não! Só parecia haver um Limbo em mim. Meu Purgatório na minha alma cansada. Fui filha e mãe do Tempo… Mulher, Deusa, Titã…  diversas ordens não necessárias. Desnecessariamente perdi meus propósitos humano, divino, perdi meus caminhos e não estava boa suficiente para procurar quem eu era na atemporalidade.

É esta Liberdade nova, repaginada, renascida, resolvida a responsável pelo vazio vir à tona. Eu era a desmemória sistemática. Fui rodapé e protagonista na linha da minha vida. Fui e voltei. Será que não roubei oportunidades de outras? Não. Como Gaia não permitiria este desvio. Um desvio de conduta sem reparação. Lá estive no rodapé e no protagonismo da História. Quando meu filho ainda me chamava e o vi utilizar de si mesmo para evoluir. Foi quando eu sumi. Ele não me viu e eu o via latejando poder…

Penso sempre se O visitei quando ele, O Tempo, era contado. Quando… Ninguém usa mais este condicional localizador… Mas eu lembro Dele me dizer o quanto O culpavam por tudo. No começo O aborrecia e ele fazia todos ficarem bem idosos e necessitados da ajuda de outras pessoas para quase tudo, porém, bem  em si mesmo foi mudando até perceber sequer ter existido como os humanos o fazem existir… Com certeza os conflitos familiares deveriam cessar…

Ah, meu filho! O desequilíbrio causado pelo seu retorno se equilibrou com o desequilíbrio causado por mim e teu pai. Terra e Céu estavam em colapso. Até nos reencontrarmos e no recompormos. Mas o que sobrou da nossa forma original, afinal? Nenhum humano tem a capacidade de sobreviver a visão das nossas formas reais nem sequer a imensidão da imaginação deles. Como não pensei nisso quando interferi diretamente e também seu pai? Agora tantos infinitos nestas almas também são deuses sem Tempo e o acusam filho de algo criado por eles próprios. Eles precisam deixar de serem Hades. Há muita escuridão nesta confusão deles. Eles precisam esquecer… Esquecer… Você!

quinta-feira, dezembro 13, 2018

De nós






quando não era mais suficiente partiu
foi-se para tantas partes partida em pedaços
partidos inteiros nas queridas imperfeições
que não havia mais contagens para nada

este nada ora boiava ora mergulhava
libertando um grito ecoado do peito
daquela conquista inexpressável

despatriada de mais inexistências padrões
quebradas em reflexos emitindo infinitos

nisto onde tudo que se aproxima é transmissão.
+às 20h48, Rafael Belo, quinta-feira, 13 de dezembro de 2018, Campo Grande-MS+

quarta-feira, dezembro 12, 2018

Cansada Alma (miniconto)




por Rafael Belo

Ao longo dos séculos tudo foi bem e tranquilo. Mesmo passando os dias muito cansada, apesar de ter dormido bem. Ela não tinha só um corpo. A Alma era única. Mas habitava diversos corpos utilizando um sistema temporal próprio. O que lembrava era simplesmente tratado como sonhos que logo sumiam da memória. Ela seguia a vida como uma autêntica anônima. As coisas iam como sempre sem fazer sentido. Ela só se sentia bem descalça e, obviamente, em uma sociedade padronizada e robótica, ela era sumariamente julgada.

Mas como em toda história tudo estava prestes a mudar e como ela reagiria ao saber quem era? Quem era seu filho? O Tempo resolveu usar toda sua força e existência para sair do Tártaro. Desde que Zeus o enganou e o esquartejou para aprisioná-lo no Tártaro ele vinha se recompondo. Nunca mais permitiu o chamarem de Cronos e como era o Titã mais antigo e poderoso era constantemente incomodado na sua aborrecida e furiosa prisão. Hoje, como ninguém acredita mais em deuses. O que o prendeu não prende mais.

Zeus se desfez em muitas almas, mas sua avó Gaia(terra) e seu avô Urano(céu) consumidos diariamente pelo desequilíbrio, estavam misturados às almas de alguns humanos. Mas Gaia há séculos, também habitava as almas femininas. Completamente. Mas não sublimação a alma original do corpo. Ela observava interferindo para se tudo não desse certo, o aprendizado fosse pleno. Mas quando reconheceu Urano em um acaso onde o humano ali, também era apaixonado pela humana que ela habitava…

Os alinhamentos do Destino enlouqueceram. Foi aí que Cronos acordou. Não há precisão de data. Obviamente só após isso. A fusão entre a alma e a própria Terra. Mudou tudo. Este ciclo vinha acontecendo até então. Pois quando o Tempo se deparou com a Terra. O colapso do tempo humano virou o próprio Caos e até reverberou no verdadeiro Vazio. Os conflitos sentimentais entre Titã e A Deusa original. A Mãe sobrecarregou a memória e a primeira mulher cuja alma também era Deusa, estava quebrada. Nunca um ser humano tinha vivido tanto sem mácula por eras e tenho o nome na História. Agora que existia um agora a Loucura reivindicava sua vez.

verbais




o tempo se deu tanta importância
desperdiçou-se pelo dia ensolarado
ficou nublado chovendo a própria inexistência
e quando enluarado a escuridão era total

usando um tempo verbal que já foi
falando de um jeito que ainda será
com tantas condicionais conjugadas

imitando insetos suicidas nas lâmpadas
neste sol artificial queimando as crianças

tentando sobreviver no nosso interior.
+às 23h08, Rafael Belo, terça-feira, 11 de dezembro de 2018, Campo Grande-MS+

terça-feira, dezembro 11, 2018

Quando nos perdemos






por Rafael Belo

A gente mede tudo pelo tempo. Falamos de rapidez e lentidão o tempo todo. Nossas expressões são baseadas no passar das horas e no não passar também. É um controle tirano causando descontrole insano. Horas de trabalho não pagas, o mundo girando em explorações por minuto e contamos os instantes para que? Nos preocupamos com a idade e ficamos nos posicionando entre velho demais e jovem demais… Não é demais sermos dominados por algo que vivemos acumulando ou dizendo perdermos?

Temos todo tempo do mundo ou somos tão jovens? A Legião é filosófica-poética e misturar razão com poesia nos toca. Quando somos esta canção é o sentimento o culpado pelas medidas ou  o pensamento?? Semana passada, dias atrás, semana que vem, em um minuto… Parece tudo contagem regressiva ou um acumulador desregulado de passados em aparências que acabam e por dentro o nascimento vive renascendo… O tal do cronológico é outro.

Este tal Cronos, origem da derivação cronológica, é pai de Zeus. Este, por sua vez, para não ser devorado pelo pai o esquartejou e o jogou no lugar mais profundo do Tártaro… Percebe? O Tempo não queria perder o lugar para quem viria depois mesmo sendo o próprio sangue e devorava todos os filhos. Acabou despedaçado pelo filho sobrevivente perdendo tudo, inclusive a liberdade. Quando o Tempo reinava era tudo fome, miséria, guerras e doenças. Nada era graça. Se seguimos baseando a vida em mitos, o tempo não existe mais. Nós somos culpados e as desgraças jamais deixam de nos rodear. Não há um dia para isso, ao contrário nós abraçamos esta causa sórdida e culpamos mais uma vez o Tempo.

Quantas desconstruções precisamos realizar em um voltar e ir sem fim onde o ficar inexiste em um desestar estável nos perturbando? Eu proponho desmedir. Vamos usar desmedidas para tudo. Deixa o coração falar, deixa o instinto revelar, deixa o pensamento conectar… Medidas servem para coisas, para construções de objetos, carne, ossos e sentimentos não precisam disso. Nada material satisfaz o imaterial, o impalpável, a presença e se satisfaz é quando realmente perdemos.

sexta-feira, dezembro 07, 2018

Do outro lado (miniconto)





por Rafael Belo
Já não lembrava a última vez que ficou só. Bem, mais ou menos. Esta medida nova só conta recentemente. Ela passou a vida invisível foragida. Sua memória falha mesmo ao reconhecer… Reconhecer a si mesma. Por isso, se perdeu no tempo ali tentando reconhecer algum traço naquele reflexo no rio silencioso. A floresta toda se aquietou respeitando o momento. A sensibilidade da Natureza era a humanidade que ela precisava. Parada…

Simplesmente parada aqui. Eu só desencaixo. Sempre achei ser ignorada como os demais. Mas… Foragida?! Quem inventou esta coisa de Sociedade Foragida?! Ao invés de ser alimentada, acolhida, mimada… Fui interrogada. Esta história de encantamento .. Que mundo é esse?! Esquecem da gente assim que o sinal, semáforo abre… Quem são essas pessoas? Por qual motivo não vejo mais quem eu via antes? Eu os sinto tentando chamar minha atenção, parece um leve incômodo…

Eu pensava que quando as pessoas sumiam, tinham morrido. Simplesmente deixado de existir, mas eu não posso acreditar nisso. Quem permitiria algo assim?! Como se adaptar com injustiça, exclusão e ignorância… Será que elas também fazem isto? Não. Não sinto nada. Seremos realmente pessoas? Serão estes interrogadores pessoas? Ainda não entendi esta tal dignidade. Ninguém soube dar uma explicação decente e demonstrar então… Decepção! Estou do outro lado e fiquei cega também!

Ouçam meus gritos!!! Saiam do invisível. Sociedade Foragida! Cara, que estranho dizer isso… Hummmm hummmm mmmmmm…. Me solta! P&#$@! Estou enlouquecendo. Virei meu reflexo. Estou de novo aqui ouvindo o silêncio, a respiração das águas, a respiração da floresta… Estou só em um dos pulmões da cidade. Quantos lados existem? O tempo passa? Estou sentido que esta sociedade não é de consciência ou inconsciência é de incômodos e desincômodos. Somo sonâmbulos fingindo ser zumbies. Quero libertar meus pensamentos ruins e descobrir se há um lado para estar.

quinta-feira, dezembro 06, 2018

era invisível





sustentou o olhar com leveza
a pobreza alheia era de espírito
ser agressivo alimenta todas as dores
na noite precisada de aquecer

com todo o calor lá fora
é a frieza que rodeia os corações
quem precisa estar quente é a gente

e ninguém solta ninguém também é
para todos os humanos invisíveis nos sinais

o olhar se partiu quando o verde surgiu e todo mundo viu o que era invisível.
+às 02h25, Rafael Belo, 06 de dezembro de 2018, quinta-feira, Campo Grande-MS+

quarta-feira, dezembro 05, 2018

os sinais (miniconto)



por Rafael Belo

É sempre frio por aqui. Meu teto é o céu nublado. Meu chão este assoreamento, obras inacabadas, ignorância e invisibilidade. Eu sempre quis ter este superpoder, mas foi tanto dor causada que hoje só vivo anestesiada. Bom, sobrevivo. Já fui gente, sabe… Sai do fundo do poço, conquistei o topo do mundo. Lutei, estudei e cai… Sempre tem algo acontecendo… Ninguém percebeu. Desci tanto e já não tinha como sair. Nem havia água no poço… Transformei-me naquilo que mais temia.

Desdenhava de pessoas como eu. Pessoas? Sombras. Um incômodo para quem não está nesta situação e torce para não ter que parar o carro nos sinais… Eu sobrevivo da boa vontade de estranhos e vago. Desconheço a esperança, desconheço a atenção, desconheço carinho… Eu sou um anjo caído pagando pelos meus erros e acredito todos também serem. Eu saberia em outra época, mas agora não sei nada. Quando eu não era vazia ainda via a Perdição em todos. Eles reconhecem os outros perdidos e este é o maior medo deles.

Fomos celestiais e hoje apagamos nossas chamas divinas. Somos alimentos dos zumbis dos Poderes eles devoram nossos cérebros diariamente. Até acordamos em um coma lúcido feito de um cotidiano massivo e repetitivo, mas já não pensamos. Vamos no impulso sanar nossos impulsos. Somos todos mendigos pedindo ao invés de moedas, dignidade. Pedimos igualdade nas ruas, mas somos desiguais. Só enxergamos àqueles que julgamos parecidos com a gente… Agora você sente este frio constante?

Eu tremo. Estou sim em abstinência. Abstinência de humanidade, de dignidade e eu gostaria de falar tudo isso pra você antes de você fechar esta janela. Não adianta, o sinal aqui é cinco tempos… Deixe-me aproveitar este raro tempo de.lucidez!  Eu já fui você. Você já foi minha família. Eu só tive você. O que você fez? Todos acham que morri? É esse o pensamento de todos que um dia estiveram presentes nas vidas de todos os moradores de rua? Eu preciso saber se há esperança, se não foi abandono e por que quem pode fazer algo não faz nada?

terça-feira, dezembro 04, 2018

inexistência






o peso do olhar o fez cair
olhava para baixo desviava
os olhos foram para os lados
encarar se perdeu nas opções

falta-nos coragem de assumir a esperança
estender um sorriso sem apertar
sustentar a atenção
aquela carcaça humana está viva

invisível nos sinais nas esquinas
sobrevive do nosso desdém

é alguém abandonado deixado para a inexistência.

+às 09h43, Rafael Belo, terça-feira, 04 de dezembro de 2018, Campo Grande, MS+

segunda-feira, dezembro 03, 2018

Não desvie o olhar








por Rafael Belo

Eu vejo as pessoas abandonadas nos sinais enquanto as julgamos direto da nossa negação. Janelas fechadas, surdez momentânea, cegueira espontânea, torcicolo para o outro lado… Todos os dias tento tirar um sorriso sincero destes seres sofridos invisíveis, mas com dores e anestesia no rosto maltratado e no olhar sem esperança. Fico pensando em qual momento a desesperança os afetou. Quando foram abandonados primeiro por eles mesmos depois daqueles que os amavam.

Se existisse um medidor de mesquinhez ou umbigocentrismo e houvesse punição… Provavelmente estaríamos todos condenados. Não é um dia a mais de vida, é uma hora a mais de sobrevivência. Ali é quase a chegada do fim do ser humano. Fico olhando as reações deles e das pessoas. Tornamo-nos tão duros e frios, não todos, mas é uma minoria tentando amenizar a dor desta existência. Está sim miserável. Está sim sofrida. Está sim tão dolorida que anestesia.

Focando bem as pessoas nesta situação no limite da vida, na queda do abismo da sociedade, no desarmar profundo… Me vem desistência como alerta. Podemos chegar ao possível em uma relação impossível até seguir, mas desistir de alguém pode ser um empurrão para este abismo nos encarando embaraçosamente. Podemos até não ter culpa, mas deixar de contribuir para a melhoria afetiva e espiritual de alguém se podemos fazê-lo, é sim nossa responsabilidade. Lembrando Stan Lee: Grandes poderes, grandes responsabilidades.  Esta medida não acaba em proporção ou também nem gestos.

Deixando o olhar aí, você já desistiu das pessoas? Eu não imagino encontrar alguém que já passou pela minha vida nesta situação. Um ser invisível, faminto, carente, doente, totalmente rejeitado… Mas todos os dias vendo estas pessoas ali, eu penso o quanto quem nos representa não se importa. Há soluções para tudo ou para todos, a questão é a quantidade de tempo dedicado para encontrar qual funciona. Você Já pensou em não desviar o olhar e encarar as possibilidades do que você pode fazer?

sexta-feira, novembro 30, 2018

foragida de mim (miniconto)




por Rafael Belo

Encontrei meu coração um dia desses. Ela reclamou que eu estava fria. Fria como um cadáver. Foi aí que percebi que como minha alma, meu coração é antigo. Enquanto ele passeava amando por aí, eu estava desligado. No automático da razão. Mas, o choque térmico do reencontro fez a química reagir como um delay longo demais…  A gente faz o Amor brotar da mesma forma que o podemos matar. Eu cometi muitos suicídios, principalmente emocionais.

Agora me vejo foragida. Foragida de mim e de qualquer possibilidade de cuidar bem e regar a semente do amor. Não posso esquecer dos banhos de sol e de sombras… E nesta onda de fakes eu não vou deixar este tal de Para Sempre me pegar para me deixar morrer no caminho. Eita! Confundi. Era eu. Eu! Agora eu o despostei. Algum de vocês pode me ajudar?  Eu exclui… Quer dizer despostei… Despistei o Para Sempre … Posso contar com a ajuda de vocês?

Não! Vocês não podem ser o Amor, a Conexão e a Liberdade… Eu sempre estive com vocês… Até pensei já nos termos confundido… Não quero me sentar, não quero ser abanada, nem água … De onde veio tudo isso? Eu preciso me lembrar? Como assim eu preciso me lembrar? Digam logo… Parem com jogos e vamos sair desta sarjeta, tomar um banho… Está errado isso… Como eu posso ser a mais Buscada, a do Direito de Nascença, Aquela do filme do Will Smith e do filho dele…

Felicidade não anda só! Isso é fakenews! Vou denunciar e… Caraca véi!!!! Eu sou A Felicidade! E esta tal Humanidade só me deturpa. Respira! Respira comigo! Somos cinco para sermos um…  Falta alguém e… Ei! Sai de dentro de mim!!! Agora! Engraçadinhos vocês! Enquanto eu me perco nos detalhes, Você está em toda parte. O Equilíbrio do Caos, o fogo inapagável da Humanidade, Sobrevivente, a Voz última da Caixa de Pandora!! Vem Esperança! Vamos recomeçar! Vamos passar adiante!

quinta-feira, novembro 29, 2018

desendereços




perdi as contas dos moinhos
eles fazem amizade comigo sem parar
desconhecem os amores inventados
de um poeta aprendiz do Amor

ouvindo palavras de outras bocas
colocadas ali por um não-beijo dado
a desinteressada química reagiu

criou a atração negada
na distração amada em nosso

insinceras pré-verdades do avesso dão pontos finais aos inícios dos recomeços e a confissão continua queimando a língua com eus te amo com desendereços.
+Rafael Belo, às 02h53, quinta-feira, 29 de novembro de 2018, Campo Grande-MS+

quarta-feira, novembro 28, 2018

passado pra trás (miniconto)




por Rafael Belo

Não sei onde deixei meu coração. Deve estar com a razão fajuta. Só existe do próprio lado, com a própria tendenciosa face. Quem sabe meu corpo todo seja razão em uma particular desrazão correndo paralelamente a tentativa de ser calmo. Posso ter vindo com defeito de fábrica e começo a ser como os trouxas conscientes vestindo apenas seus papéis e gritando entredentes sobre a inexistência do amor. Bom… Não existe. Até aqui não enxerguei um ser humano capaz de se despir de apropriação para ir.

A vez que eu disse que o verdadeiro Amor era Jesus me chamaram de beata e não consegui sair deste looping de bullying até hoje. Eu disse isso porque está escrito algo como largar tudo e me siga. Mais ou menos isso. Eu sempre me machuquei acreditando nisso e mais que o Amor está enraizado em nós. Então, é preciso cavar fundo para achar a origem da raíz. O problema é eu não ter achado nada. Eu abri tantas vezes o meu peito para forçar as lágrimas enquanto forçava meus olhos a permanecerem abertos...

Bêbado?! Não seja mais um cretino. Talvez este seja meu único momento de sanidade, de lucidez, de desembriaguez… Enfim, estava seco e vazio. Estava frio lá. Mas só porque me lembrou da Antártida e esta frieza também é intensidade. Desembriaguez… É isso! Estamos todos há tanto tempo embriagados de exemplos com defeito que estamos com defeitos também. Eu pareço a voz da razão… Fazendo o quê? Falando, óbvio. Como vou entregar algo perdido?

Eu só posso assumir, presumir que tinha batimentos antes de nascer. Agora eu morro de amor direto sem nem ter amado só suposto isso, ou melhor, suporem. Acusam-me de amar?! Quem de você Amou? Teorias, possibilidades só isso somos hoje! Amor? Deveríamos parar de entender e tentar viver … Mas tudo que deveríamos é algo que nunca faremos. Entre isto dito agora esta justamente o presente. Neste estado justo, apertado, envergonhado de ser sempre passado para trás sem sequer precisar de outra pessoa para tanto.

terça-feira, novembro 27, 2018

o de repente






a cabeça dói de raiva
as lágrimas travam a enxurrada dos olhos
o estômago revira
a garganta se aperta

a gente espera ser um artigo maiúsculo
sem de verdade escutar o outro
também sem o outro algo dizer

não somos adivinhos
mas insistimos em adivinhar

e de repente o de repente não existe é só um constante acabar.

+Rafael Belo, às 21h53, segunda-feira, 26 de novembro de 2018, Campo Grande, MS+

segunda-feira, novembro 26, 2018

a razão não escolhe nada







por Rafael Belo

A gente coleciona medos. Tantos medos a antecipações. O principal é de ser feliz. Quando sentimos que pode acontecer escondemos de nós mesmos este medo de dar errado, de sofrer de novo, de doer, de nos machucar e focamos no ruim, nos erros, nos defeitos e em tudo que poderia dar errado. Quem já não fez e até continua fazendo tal afronta a si mesmo? Há seres humanos horríveis por toda parte e até o são sem saber e aqueles nem tão bons ou nem tão como queremos ou são horríveis por vontade… É difícil se apaixonar ou seria fácil demais?

Falo por mim ser difícil. Enganei-me com frequência pensando ter caído de amor até cair em mim e perceber os ideais de pessoas cultivados e até o apagamento total do que já considerei erros e defeitos. Para escrever é ótimo estar no modo paixão, mas até agora só fiz placebos para tomar, para comer, para visualizar… Aliás, tudo fica melhor e solucionável neste estado sem razão. Para uma existência saudável sinto ser além de recomendável se apaixonar diariamente por outro alguém. Só pela vida e a partir de si mesmo não basta. Sinto não ser o suficiente.

Assim eu tento. Mas como eu disse, é difícil eu me envolver, me interessar… Isso não tem nada a ver com todas as relações anteriores da minha vida. Não é guerra dos sexos nunca foi. Todas as mulheres da minha vida não deixaram nada em haver. Tudo teve início, meio e fim. Algumas abortadas antes de ter chance também vieram e se foram… Somos trilhões neste mundo… Nem tanto, né?! Somos 7,6 bilhões e devemos chegar a 8, 6 bilhões em 2030… Porém, agora mesmo ignoramos isso e focamos nas mesmas pessoas que passaram em nossas vidas. Fora levarmos conosco as dores, o negativo, não os amores, o positivo.

Descobri que a razão não escolhe nada. Ela coopera para seguirmos construindo algo escolhido por almas e corações. Esta separação de nós mesmos nos complica. Somos um conjunto de eus, mas no agora. E se esta bem e tem conserto, tudo bem continuar tentando, do contrário não é saudável. Vamos ainda cantar uma canção real sobre esta descoberta, algo como quando te “conheci aprendi, entendi…”. É mais comum o que consideramos “dar errado” e tudo bem. Não é um defeito, é um jeito de seguir, de buscar o tal direito a ser feliz. É a boa e velha esperança. Aliás, mais feliz.  Encontrar a Felicidade em nós e na vida pode vir primeiro, mas não há regras quanto a isso. Enquanto isso, até chegar ao Amar maiúsculo, vou me apaixonando por mim mesmo e pelas Belezas da vida. O que posso dizer sobre isso é: eu recomendo e também Malandragem, bem Cazuza. Eu sou poeta e não aprendi a amar. Amo a mim mesmo, a vida e a ajudar tudo em Liberdade, mas o Amor romântico ao outro ainda procuro aprender.

sexta-feira, novembro 23, 2018

na nossa Liberdade (miniconto)






por Rafael Belo

O dia me sorriu um dia. Não é sempre assim? A gente acha que vai morrer de amor, mas não morre, aliás, morre aquele seu eu pra nascer outro. Então, a vida vai e vem. Uma hora você sabe ser você sem interferir no outro e o dia sorri. Sorri de volta. Eu sempre sorrio de volta. Acabo tão gentil que pensam que estou dando abertura ou dando em cima mesmo.  Sou estou exercendo meu direito de buscar a felicidade. Meu direito de ser feliz. Meu direito de me sentir mais que vivo, me sentir o todo.

Eu era Sol e ela era Girassol. Ela era Sol e eu Girassol. Éramos ambos. Nada a ver com a música do “Ira!” porque alteramos. Somos o Cosmos. O presente. O dia sorri todo dia ainda que a gente não. Não de imediato. Fica um meio hiato. Um silêncio. Até lembrarmos de viver. Encontrar um propósito. Há sempre alguém que nos ajuda a brilhar ainda mais e lá estávamos nós no dia que o dia sorriu e conseguimos enxergar, conseguimos sentir… Nos libertamos.

Eu sinto o universo em nós. Aqui no nosso topo do mundo. Também é meu topo, também é seu topo. Estamos completando a viagem. Quando nos amamos pela primeira vez… Ah, quantos para sempres atrás foi? Quanto tempo… Não. Não contamos mais isso, não é? O mundo se foi tantas vezes... Não posso falar! Não sei em qual quando você está lendo isso e tudo segue o mesmo até chegarmos a loucura ideal de querer tão bem que as amarras se soltam nos deixando loucos para quem acha normal prender o outro.

Pelas nossas contas, em um ano teremos morado exatamente em todas as cidades do nosso planeta natal. Não há planos, não há segredos… Só aqueles que não podemos contar… Neste agora! Somos tudo, somos nada … Mas não deixamos nos prender nem de nos divertir. Somos mutuamente nossos lares. Somos independente e, às vezes, só às vezes, escolhemos ser carentes. Deixar ser cuidados e acabamos sempre em um novo início. Sabe onde ele fica? Esse eu posso contar. Fica na nossa Liberdade.

quinta-feira, novembro 22, 2018

sem amarras






o som das correntes rompeu o silêncio
afundou o chão em um constante tilintar
os elos eram só de conexão profunda
uma entrega absurda no voo da liberdade

ao redor das próprias asas
somos também o vento
estes laços dos nossos particular advento

indivíduos decididos a ser quem somos
construindo um amar sem amarras

em uma paz encontrada nos batimentos e na respiração.
+às 21h51, Rafael Belo, quarta-feira, 21 de novembro de 2018, Campo Grande, MS+