domingo, julho 31, 2016

Trazer de volta (resenha)


Se detalhes podem fazer toda a diferença, imagina a essência toda morrendo. Quando a fé é testada no representante dela precisando superar um acidente horrível, a vida inteira muda atingindo a comunidade de uma maneira possível apenas na narrativa de Stephen King. Mais uma vez este mestre consegue me levar do início ao fim do livro me enchendo de expectativas e mostrando novamente o motivo de King ser o rei de qualquer gênero que decida se dedicar.

Revival já traz na capa o mistério, a força da natureza e um quê de Frankenstein capaz de mudar nossas perspectivas sobre as formas de viver. A história kingana nos carrega a um mergulho profundo na vida de dois personagens cheios de reviravoltas, repletos de possibilidades e marcados de formas diferentes até o fim da vida. Passear por tantos detalhes de universos diversos é o melhor de King ainda se divertindo com cada palavra que escreve e assim continua a nos surpreender.

A ciência substituindo a fé, amenizando os males, tentando reverter a dor e reviver a felicidade deturpando totalmente uma em nome da outra, em nome de um tipo de loucura em constante teste vemos uma moeda jogada para cima tantas vezes a ponto de virar um dado de doze lados em cada momento. Este dodecaedro vai se dobrando em si mesmo constantemente até perdermos o fôlego. Mergulhados, vamos mudando de lado sem perceber o quando afogados já estamos na história.

Crer em tantas coisas sem se dar conta da origem e a forma terem sido a mesma, pode dar um tipo de poder onde a manipulação da fé leva as pessoas ao irracional, ao impensável e até a perder a fé. Os mistérios da vida são tratados com tanta simplicidade neste livro que já é um clássico para mim. Há um segredo que nos prende até o fim. Uma fatalidade, uma levada para o lado pessoal, adaptação, genialidade, loucura, cobaias da vida, todos os meios para um fim. Mesmo sem qualquer conforto existe alguma coisa e a morte ronda o tempo todo porque algumas portas devem permanecer fechadas... Há algo sempre a espreita arrepiando nossa pele a permitindo enxergar as consequências da ação porque toda ação tem conseqüências e reação é a lei mais dura do mundo.
*
Este é daqueles livros que você quer saber o fim, mas não quer que acabe! Está esperando o quê para começar a ler agora mesmo? VÁ!

Stephen King, Revival, 2014, Suma de Letras. Ficção americana. Tradução: Michel Teixeira em 376 pag.

sexta-feira, julho 29, 2016

Guardião da noite (miniconto)


Não e preocupe Não se preocupe Não se preocupe. NÂO! SE! PREOCUPE!  Não adianta! Estou preocupada. Ficar repetindo só prova isso. Com certeza ele vai perceber. Não controlo a respiração, não controlo meus batimentos... Não controlo mais nada! Droga! De onde eles tiraram estas lanternas. Eles? Droga droga droga... Como vim parar aqui? Claro, claro... Um único deslize e a mulher não presta enquanto meu marido... Ah, meu marido só não aguentou a neurótica aqui. Neurótica? Preciso sofrer calada ou sou histérica? Não posso me vingar porque estou na TPM... Não... Foi por pouco e ainda pisou no meu pé, maldito!!

Ele está voltando... Prende a respiração prende a respiração prende... UFA! Preciso me acalmar. Não gosto de ninguém me dizendo isso e agora vou dizer? Lembra lembra lembra.... Estava só tomando refrigerante e provando ainda ter muita gente interessada em mim, mas isso não explica porque ainda estou grogue... É estou grogue. Como não percebi antes?! Com esta escuridão também  como poderia ter percebido. Queria poder desistir, matar este meu instinto de sobrevivência...

Corre corre corre. Não vou olhar para trás. Não vou! Eles estão atirando. Nossa! Essas luzes... Parecem o fim do turno, de vários túneis na verdade. Isso só pode significar uma coisa... Quanta barulheira! Podiam usar silenciadores. Ai! Ai! AIIII! Queimaaaa! Espero ter sido só um tiro. Tomara! Meu Deus, tomara! Tomara. Isto está parecendo um filme bem ruim. A gente assiste só para ver se melhora, mas não... É a esperança acabou! Cadê este chão? Não chega nunca... Aiiiii! Pronto...!

Vou morrer agora e ainda vai pairar a maldita dúvida se eu não provoquei. Quem diz pairar? Eu não queria trair ninguém... Mas ... Lembrei! A raiva era tanta, mas tanta... Ah, seu eu tivesse uma arma seria a vadia louca ou a vaca calculista? É um miado? Será que eu consigo mexer a... Olha é mesmo um gato. Por que deitou e está me encarando? Ei, eu li em algum lugar... Gatos curam é isso. Não ouço mais nada. Será?  Eles foram embora... Ressuscita esperança. Será que eu morri?


- Kiri kiri kiri kiri kiri. Gatinho! Psiiiii, psiiiii psiiii! Você já está me olhando... Então, me cura! Cura meu coração, minha alma e se der a ferida também ou simplesmente leva minha alma daqui, antes que termine de amanhecer.

quinta-feira, julho 28, 2016

Termina o dia



nos dilatados olhos tudo está embaçado
desfocado no não pensar embaralhado
enfileirado em algum lugar tão intocado
bem distante do querer ir se acorrentar

abortos da falta de ar responsabilizando o corpo por não se entregar

morrem as borboletas no estomago acaba a adrenalina em sono
todo rasgado pano vira cama de cão tecido de chão e lá se acumulam senãos
fingindo ser senões nas insinuações dos últimos serem os verdadeiros primeiros
vagarosamente volta visão torta simulando ser Torre de Pisa

cisma a maioria  da vibrações pela pele permitida distraída no chuveiro
refresca um possível Eureka até o banheiro ser vapor
tentações estouram a lâmpada antes do sol terminar de se impor.


(Rafael Belo, às 00h23, quinta-feira, 28 de julho de 2016).

quarta-feira, julho 27, 2016

Pensando bem (miniconto)


Estrela tentava lembrar-se daquele sentimento francês... Sabe? Aquele cuja sensação é de um já visto, de “isso não me é estranho”, “é já fiz isso”... Por isso, mordia os lábios revezando em cima em baixo, mordiscava e fazia um malabarismo particular para todos os lados com a boca, insistindo em suspirar no meio de tudo isso. Mas, ela sabia que aquele... Aqueleee... ISSO! Aquele tal de déjà vu estava acontecendo. Não. Ela não acreditava nisso. Eram apenas as pessoas sendo os animais diários que são.

Onde está minha aliança?, pensava ela enquanto apalpava todos os bolsos e lugares possíveis de guardá-la. Eu sabia. Não posso ser simpática, olhar nem conversar... Sem fazer isso esses homens - Bom, e outras mulheres também - já ficam “se jogando” para cima de mim. Nada intimida estas pessoas, Meu Deus? Não posso ser quem sou nem escolher minhas roupas? Claro que posso, as pessoas tem que me respeitar e...

Eram estas as distrações de Estrela enquanto corria na esteira com um incrível equilíbrio e sequências recordistas de Snaps por minuto. Às vezes pensava nas garotas mais jovens por ali, media com o olhar e sentia o mesmo acontecer, então desviava a atenção para um rapaz ou outro tentando se exibir e, por poucos instantes, começava a se perguntar se não deveria ser solteira. Era uma vontade passageira e passava como um susto.

Sou jovem para ser velha e velha para ser jovem... Não, não, não, não, não... Não acredito que citei Sandy. Pensando em outra coisa, pensando em outra coisa... Isso... Não quero passar por todas as etapas até o casamento de novo, mas mesmo se fosse solteira e namorasse não iria estourar corações com traição...  Acredito ser como estourar os miolos e sobreviver sem boa parte do cérebro e ainda com a bala alojada bem no lugar que nos avisa da dor e das... Sensações!


É, devemos realmente ter uma bala na cabeça nos impedindo de raciocinar e sentir profundamente, então Estrela balançou a cabeça como quem chega a uma conclusão genial e sorriu antes de pegar a mochila, as chaves do carro e ir para casa deixando o rapaz, que olhou há um minuto, acreditando ter “uma chance agora” na certeza daquele sorriso ter sido só para ele.

terça-feira, julho 26, 2016

dilatados


Empoeirado cérebro sem mérito do rumo tomado
goles brutos escorrendo com incalável boca
solidões carentes do desespero indomado

Se vão as rédeas rentes tementes às tensões soltas
tudo é permitido nos impulsos deitados dos pecados
ditados em braile no contorno das peles sem roupas

poupas tua língua de queimar aos lábios molhar?

a fogueira estrala sem sentirmos a rasa vala louca
nos prendendo no labirinto imoral marcado
parado do lado avesso do abismo onde o coração traído estoura.


(Rafael Belo, às 20h33, segunda-feira, 25 de julho de 2016)

segunda-feira, julho 25, 2016

Meros animais guiados pelo instinto

Fico olhando futuros possíveis, mas só consigo imaginar o agora. Não consigo me ausentar. Podemos ver a solidão no ar, sentir, tocar e conversar com ela, porém, esta é mutante e em um instante perdido se transforma em carência. Essa dupla está no nosso desespero de formar casais, de ser um casal, de saciar o desejo em nós ou simplesmente disfarçar, nos misturar... Então, vamos cegos chamando um beijo de amor, prolongando coisas passageiras e pessoas de passagem. Vemos possibilidades em tudo, poucos respeitam a escolha feita por si mesmo e têm certeza da escolha errada do outro.

Não sei como agem todos porque ver não é saber e julgar é tão superficial quanto à poeira cerebral acumulada por nós. A não ser se a palavra é comprometimento. Se me comprometo com algo, com alguém, não há troca. Não é motivo trocar porque houve brigas, discordância, discussão... Ninguém mais corrige, conserta e perdoa? Não desistimos sem lutar, sem utilizar todo o possível, sem gastar cada pedacinho da nossa imaginação. Caso seja necessário seguir em frente precisamos terminar com detalhe por detalhe e, aí, só, então, não será desistência.

Sabemos os limites a nos separar de algo a mais com qualquer pessoa e só ultrapassamos porque queremos. Não negue. Como podemos negar o óbvio?! Sair sozinho não significa estar sozinho e muito menos estar à procura de alguém. Podemos nos divertir sozinhos, com nossos amigos, com nossa família, afinal sabemos nossos limites. No entanto, queremos bancar sedutores incorrigíveis, eternos insatisfeitos e flertarmos pela aventura, pelo só “para garantir”...

Ótimo! Somos covardes querendo acreditar estarmos sempre disponíveis. Pisamos no Amor, no Amar, no coração por falta de coragem... Não me venha com o “eu tenho medo de...” porque este temor é necessário para nos mantermos vivos, para fazermos mais do sermos meros animais guiados pelo instinto. Este instinto de comer, dormir e se saciar... Não pode bastar! Isto é trair antes do outro, o reflexo quando você olha sozinho para o espelho. Ser egoísta e traição são sinônimos levando a diversas formas de extinção. Só para ficar claro, além das nossas partes sexuais temos coração, alma e cérebro... Só precisamos ser e raciocinar!


domingo, julho 24, 2016

Impossivelmente branco (resenha)

Depois de seis tortuosos meses sem escrever neste meu reflexo, posso agradecer por finalmente voltar.


Quando vi aquele livro com capa branca, tons de azul e cinza nos destaques vermelhos nas formas de uma raposa, uma luva e um cachecol sabia que havia algo naquela história impressionante. E foi assim do início ao fim. A menina de neve é cativante e transportador. Nos  leva a um Alasca onde jamais pensamos em viver. Repleto de belezas naturais, nos faz pensar que moramos em um dos lugares mais frios do planeta.

Estamos lá tocando a neve congelando e derretendo. Compartilhamos a dor, a solidão e a alegria de Mabel e Jack depois de Faina. Um lugar novo e totalmente diferente para o casal distante da família e ainda pensando no motivo de não terem filhos. Personagens acolhedores nos fazendo sorrir e pensar na possibilidade dos milagres acontecerem quando nos permitimos enxergar e conhecer o impossível.

No remoto extremo do mundo conhecemos George e Esther e seus filhos. Mas e Garrett que passa mais tempo com nosso fantasma ser mágico lendário: uma menina? O que é real? O que é delírio? O que é mentira? Existe o sobrenatural ou a fé é capaz de tudo? Se deixe levar por todas as sensações despertadas por esta obra capaz de nos fazer mergulhar e respirar debaixo da água, ou melhor, soterrados em neve.

Aproveite que já sonhou com neve, bonecos de neve, brincar de atirar bolas de neve e leia agora. Garanto que seu pensamento sobre o frio jamais será o mesmo. Vá agora que a finalista do prêmio Pulitzer, Eowyn Ivey vai te fazer sentir criança nesta obra de 351 pág e tradução de Paulo Polzonoff Junior com o casal de 50 anos lutando pra sobreviver em um Alasca de 1920 sem nenhuma experiência com o que se propõe a viver.
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Ribeirão Preto,SP. Editora Novo Conceito. 2015. Ficção norte-americana