sexta-feira, junho 26, 2015

Os estágios de Estela



por Rafael Belo

Friamente o médico a chamou e disse: - Você vai morrer no máximo em 12 horas! Se tiver sorte...

Estela olhava para todos os lados e sorria. Algo parecido com estado de choque e incompreensão. Afinal, quem quer entender que vai morrer, assim, de repente? Não queremos nem pensar na naturalidade do fim da vida... – Como assim? Morrer? Em menos de um dia... Não! Eu não posso morrer... Você é desumano...! Foram as últimas palavras que Estela dirigia a alguém. Ela correu sem saber todo o diagnóstico.

A bactéria Clostridium Perfingens faz com que derretemos devagar. Como a Bruxa do Oeste do Mágico de Oz ou, melhor, uma vela. A Bruxa derreteu muito rápido... A infecção causada pela perfingens produz toxinas e interrompe o fluxo sanguíneo do local... O Tratamento é a amputação, mas o médico acreditava que já era tarde e a infecção era generalizada, por isso tanta dor em Estela.

Na verdade, ela já tinha a perfingens há anos desde que se feriu na praia em um caco de vidro sem nem sequer tratar direito. Mas, como vive na sujeira e se torna um esporo praticamente indestrutível, a bactéria escolhe quando se tornar um parasita e já havia bilhões nela quietinhas... Estela correu para seu ponto preferido da cidade. Estava lá só e durante uma longa hora comparada a uma vida inteira negou estar doente, mas, por via das dúvidas, decidiu tirar seus sonhos da fila, afinal ela tinha direito.

Ainda eram 8h e agora ela sentia muita raiva. - Não vou morrer em uma sexta-feira sem aproveitar o fim de semana. Deveria ser aquela vizinha insuportável com aquelas músicas horríveis para até surdo ouvir... Por que eu? Eu que sempre fiz tudo direito vou morrer...? Não demorou muito ela tentava trocar com Jesus, Deus, Buda, Jah, Natureza e todas as seitas e religiões possíveis. Se eu dedicar meus próximos 15 anos a caridade e ausência de julgamento eu poderia viver? Juro que faço doação da metade do meu salário?

Então, veio o choro compulsivo e convulsivo. Ela tremia, se abraçava... Estava encharcada... Ligou o celular e passou quase oito horas conversando com todos da sua lista de familiares e amigos. Contou da sua dor e pediu perdão foi quando tomou consciência que poderia descobrir a vida após a morte. Deitou com o caminho obstruído pelas folhas e adormeceu.

Acordou tremendo de frio, olhou o relógio e a raiva voltou. – Eu mato aquele médico! Mas, lembrou onde estava, respirou fundo e pensou: tenho que estar feliz por estar viva, certo?... A raiva foi embora (temporariamente) e Estela começava mais um novo estágio.

quinta-feira, junho 25, 2015

permanentes



As peças caem umas sobre as outras
ostras que deveriam se abrir e se fecham
testam a dolorida dor da queda em fila

ensina inevitavelmente o efeito dominó
pó acumulado exagerando o mundo

no fundo da poeira estamos à beira
de um abismo de luz pulsante

e na falta de cidadania deixamos de ser cidadãos em um instante

distantes de Amar a si e ao próximo no ócio de faltas somatórias
divisórias chorando direito sobre direitos da cegueira provisória.

(às 12h29, Rafael Belo, quinta-feira, 25 de junho de 2015)

quarta-feira, junho 24, 2015

Senha e vez


por Rafael Belo

Chovia como se chuva fosse esperada a cada amanhecer e anoitecer. Mesmo assim as pessoas estavam na fila esperando serem atendidas e resolverem seu atual desemprego. Indignado pela situação, Seu Severino esbravejava. Estava encharcado, apesar do guarda-chuva... – A senhora acha que isso é direto? Ixi Maria é um desrespeito!

A tal senhora, sem querer alimentar uma discussão, só deixou entender estar concordando. A gente trabalha feito doido a vida toda para ser dispensado com desculpas?, pensava Severino, tratam a gente feito bicho e os nossos direitos? Ele nem sabia quais eram, mas sabia da existência deles. Era um bom passo, mas “cabra macho” que era não pedia informação.

Quebrava as paredes, furava canos, queimava chuveiros, destruía tevês, micro-ondas, celulares e nunca acertava. Recusava ajuda e assumir seu erro. Era sempre “esse trem mal feito”. Lá estava Severino desde a madrugada, o primeiro da fila. Com a carteira de trabalho em mãos pensava em quanto valiam seus direitos e quais eram afinal?


Mais uma injustiça. Sempre fui ótimo motorista, por isso fui recomendado para trabalhar nessa cooperativa de táxi. Mapa? GPS? Eu sou o cabra da peste mais bem orientado que já se ouviu falar. Que culpa tenho eu se o meu caminho era mais longo e eles acompanharam meu trajeto pelo tal de transmissor? Quero meus direitos já! E ficou se molhando esperando a sua senha e vez imaginando um sol que poderia aparecer.

terça-feira, junho 23, 2015

destros



Fale direito na direita da Rua Direita
em qualquer direção da Sé veja as diversas facetas da fé
lado a lado com o paralelo do labirinto das informações

as migalhas dos direitos estão perdidas nos mendigos em contemplações
a vida como poderia ser não é

e os dedos apontam culpados em todas as direções

turistas nativos no espelho das divagações girando em pé
olham abobados para onde deveriam ir e não vão, presos nos vão
maré de gente se achando esperta mas tão inocente recebendo cafuné
outras tantas ondas se misturando para não perguntar e se perdem na falta d’água deste mar.

(às 13h41, Rafael Belo, 23 de junho de 2015, terça-feira)

segunda-feira, junho 22, 2015

Quase fui



por Rafael Belo

No fim de uma fila imensa uma humilde senhorinha esperava. Isolada, com o também idoso marido, ninguém perguntava nada nem parecia se importar. Depois de dezenas de anos trabalhando a deixavam na mentira e ignorância. Primeiro entrou na fila para exigir o direito da poltrona reservada para idosos em viagens intermunicipais, então inventaram uma história de ter que solicitar com meses de antecedência e depois negaram que havia alguma. Foi quando voltou a entrar na fila...

O Estatuto do Idoso deixa claro que toda pessoa com idade mínima de 60 anos com renda igual ou inferior a dois salários mínimo pode exigir este direito também garantido pela lei 10.741/2013. Caso o ônibus esteja lotado é possível comprar passagem com 50% do valor. Ainda reforçam a garantia o Decreto nº 5.934/2006 e a Resolução ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre).

Nós vivemos nestas filas desorganizadas e desumanas tendo de exigir nossos direitos (se soubermos). Um tremendo desrespeito que parece piorar se chegamos aos 60. Certas pessoas parecem viver da necessidade de desinformar, ou simplesmente ser mal-intencionado. Refletem o caráter ou a ignorância com extrema eficácia e, muitos, dos apressados nas filas nem querem saber do direito do outro e acabam por ajudar a negá-lo.

Hoje mesmo, em plena Praça da República, pude reparar nas divergência das pessoas no movimentando inverno paulistano. Enquanto esperava e intercalava uma página lida com uma olhadela ao meu redor, diversas pessoas vieram pedir informação sobre locais e vi nos olhos e expressões corporais de outros a vontade de desinformar e se aproveitar da situação, principalmente, quando uma adolescente veio me perguntar a localização de uma agência bancária...


Fui cumprimentado por um grupo de roqueiros em busca da Galeria do Rock trajando fielmente os panos do heavy metal do Iron Maiden. Idosos, idosas e mulheres também me pediram localizações. Quando sabia indicava com todas as referências, quando não... Você se pergunta o motivo de eu tocar neste assunto? Bem, a poucos passos de onde eu estava (em frente ao metrô) existe um Centro de Informação ao Turista... Quase fui até lá perguntar o porquê, mas bem na hora minhas companhias chegaram.

sexta-feira, junho 19, 2015

Prisão coletiva



por Rafael Belo

Luanna saiu sem rumo exatamente como se sentia. “Esqueceu” o celular de propósito onde todos em casa podiam ver. Estava no ônibus com o itinerário mais longo da cidade. Saiu do extremo da zona norte de São Paulo para o mais distante ponto da zona sul.  Precisava pensar sem ninguém dizer o que nem como, muito menos rondando o tempo todo.

Cercando perguntando. Maldita sociedade hipócrita, pensava Luanna, cuidam da vida de todo mundo só pensar em investir em melhorar e qual a finalidade? Ela estava há um ano na cidade que mais produzia dinheiro para o Brasil... Todo mundo correndo o tempo todo para dar tempo e... Ninguém tem tempo para nada... Decerto não querem pensar de verdade no que estão se tornando, concluiu balançando a cabeça lentamente.

Luanna tinha recém completos 20 e poucos anos. Suas melhores companhias eram os livros, Salomé e Lou - respectivamente sua gata e seu cachorro. Cada leitura a fazia crescer e assim se sentir menos dentro de tantos universos, já seus animais mostravam o oposto da vida humana. Eles eram incondicionais, só precisavam de carinho, água, alimento e curtos passeios.

Qual eram os objetivos delas e das demais pessoas? Juntar dinheiro, rejuvenescer, viver até não poder mais e rezar para ir para o céu?, negava com tanta força que as pessoas já a olhavam. Luanna queria mesmo não precisar de dinheiro e nem de tanta poluição na cidade com tantos contrastes.

Pensava em como seria bom se a moeda de troca fosse as habilidades de cada um, prestação de serviço... Gostaria de ter nascido em outra geração quando havia motivos mais heroicos para lutar, principalmente pela liberdade e agora? Lutamos para continuar lutando...  Estamos sem rumo. Sem rumo seguiu e nem tinha saído da zona norte ainda. Entrava na coletiva prisão.

quinta-feira, junho 18, 2015

errar o alvo



cai a depressão bem no meio da preguiça
arisca na moleza de rosnando se encolher
lentamente domina o sofá aterroriza
anonimamente escolhe as sombras para desaparecer

engole a gula voraz com olhos de cólera
medica sua inveja tarja preta com orgulho
se apega a avareza com toda luxúria inglória
espreguiça todo o casual vestido de embrulho

assumo o motivo extensivo do espalhar da cárie
omissa ao sorrir o esquecer da glória não estou seguro
em cercados com o desencadear do segundo evito pecare

estou de baixo a médio imaginando o assédio em sete pecados.


(às 23h21, Rafael Belo, quarta-feira, 17 de junho de 2015)

quarta-feira, junho 17, 2015

Revelações em tintas



por Rafael Belo

Fazia algum tempo que um som repetitivo chegava distante até o seu ouvido. Ele já tinha perdido a noção das horas, mas ainda tentava navegar naquele barco salva-vidas pintado de cinza no alto-mar condensando exatamente a variação do tom azul para o esverdeado enquanto o sol nascia gemado rodeado das estrelas da noite sucumbindo. Do outro lado...

Uma tempestade fazia a noite permanecer e criava um contraste trazendo algo de reconhecimento na mente de Aurélio Abel. O barco estava vazio assediado por ventos vindouros por sua vez criando ondas ainda distantes, mas futuramente responsáveis pela virada do barco antes da chegada do novo amanhecer. Estava em transe sorrindo para aquele quadro tão real...

Ele era o barco. Ele estava vazio. Seria responsável pela tempestade chovendo noite de um lado? Poderia conquistar aquelas cores presenteadas por um novo amanhecer? Quem sabe se tornaria aquele vento capaz de mudar até o meio do alto-mar formando uma onda gigantesca capaz de virar uma vida... Também havia outra sensação emoldurada ali.

Era liberdade. Nada mais de assédios nem da obrigação de escolher entre vontade, necessidade, fantasia e realidade... Então, se virou para o “chefe” berrando seu nome e mais uma vez o humilhando. Só de encarar pela primeira vez o “chefe”, aliás diretor o silêncio veio. Olhou o quadro triunfante balançando a cabeça como se concordasse com um amigo. Falou calmamente a palavra processo puxou dois “amigos testemunhas”, mas antes voltou para a sala do seu ex-diretor e pegou o quadro: - Esta é parte da indenização, depois seguiu cantarolando.

terça-feira, junho 16, 2015

pequenos pedaços



um silêncio me incomoda de hora em hora
pontualmente se interrompe procurando pensamentos
olho para a noite no quarto procurando dormir mas demora
não há um olhar de volta já sou só documentos

números embaralhados ao vento pela escuridão senhora

em alguma história o horizonte me percebe em momentos
não durmo já faz tanto tempo que a insônia me explora

minha percepção se vai como se só houvessem tormentos
não quero ser tão permanente quanto tanta coisa provisória

assedio meus sadios isolamentos me rasgo tão pequeno me jogo fora.


(às 02h10, terça-feira, 16 de junho de 2015, Rafael Belo)

segunda-feira, junho 15, 2015

Olhar no horizonte



por Rafael Belo

Um grito de humilhação, um pranto de raiva repetido diariamente depois de ameaças de demissão... Um sorriso irônico, uma ameaça velada no cotidiano do trabalho e várias demonstrações de assédio minando a autoestima de qualquer ser confiante já distante de quem era e de quem deveria ser. Todos em algum momento já sofreram um tipo de assédio no emprego e qual foi sua reação?

Dê poder a uma pessoa ou tire tudo dela e verás quem ela é. Conhecemos bem esta frase. É óbvio que só podemos estar falando de caráter. Não há relatividade no caráter de uma pessoa ela estando necessitada, ou não, tratará as pessoas da mesma maneira, ela sendo milionária ou paupérrima terá as mesmas atitudes, chefe ou subalterna não mudará a forma de conversar com ninguém. Se você está pensando que não é bem assim...

Você saber que não é ético, educado ou sequer correto e mesmo assim fazer ainda se sentindo mal com isto... Qual é o seu problema? Quantas desculpas possui para realizar algo que “não quer”? “Estou só cumprindo ordens”, “é o meu trabalho”, “preciso sobreviver”, “o editor vai mudar mesmo”, “não posso perder este emprego”, “estava brincando”... Acrescente a sua... Não, quer dizer... Por que insistimos em nos desvalorizar pensando não sermos capazes?


Somos capazes de sempre melhorar e não podemos ficar quietos esperando nosso rumo cair no nosso colo. A verdade é que não podemos parar, precisamos estar sempre atentos e buscar aprimorar nossas qualidades. Assédios morais e sexuais só existem pela covardia daqueles que detém algum tipo de poder e não possuem nada de liderança, adoram diminuir as pessoas e reforçam a própria adoração, principalmente, quando pensam que são ameaçados. Estamos muito acima de qualquer forma de humilhação e oportunidade de humilhar. Vamos levantar a cabeça e enxergar que sempre há formas de melhorar basta perceber o horizonte.

sexta-feira, junho 12, 2015

profundas marcas



por Rafael Belo

Antes do que estava por vir ela só lembrava de um imenso gramado esmeralda e um céu claro, tão claro que não era possível encarar. - Talvez fosse um sonho, pensou Danita ao olhar ao redor. Não havia ninguém no ônibus quando ela adormeceu. Agora havia até pessoas em pé. Ela desceu na primeira parada após o despertar. Percebeu, já tinha chegado a São Paulo.

Começou a conversar com outra jovem que chorava. – Sou Danita. Primeira vez nesta loucura? A outra apenas confirmou com a cabeça. Danita insistiu mesmo ainda se sentido frágil, mas se recuperava bem daquela “gripe”. Era assim que chamava seu adoecer que ao ser arrancado levara um pouco da alma dela. – Conheço todas as linhas de metrô, trem e ônibus. Fui pesquisadora... Posso te acompanhar para se sentir mais segura, informou na esperança de conseguir algo.

O que está acontecendo comigo?, pensava Danita, Nunca fui simpática ou solícita! Que eu lembre... Foi aí que percebeu ter descido no lugar errado. Saiu correndo para as plataformas. Mochila e mala estavam no ônibus ainda. E agora?, se desesperou. Cadê o maldito ônibus? Ela o viu se afastar e correu gritando à toa.  Como interceptar um ônibus com um motorista apressado, atrasado e mal-humorado? Nada feito, se entregou. E bem no aniversário de Danita, uma sexta-feira dia dos namorados, 12 de junho... Grande coisa, desdenhou.

Passada meia-hora uma caminhonete camuflada da polícia saia a toda. Danita correu mais uma vez. Era uma unidade totalmente feminina... Ainda em movimento, Danita conseguiu invadir o carro. Com todas as armas apontadas para ela, Danita enfeitou a história explicando o motivo daquela loucura toda. Foram necessários mais trinta longos minutos para forçarem o ônibus a parar em uma fechada brusca.

Danita descreveu suas coisas e deu uma foto as policiais. Revirado do avesso ônibus, motorista e os pouquíssimos passageiros não sabiam nada das coisas da garota da foto, muito menos dela, nem havia registro da compra da passagem na empresa. Só então as policiais se entreolharam exalando raiva e vingança desconfiadas de Danita. Descobriram uma extensa ficha policial pelos seus rádios “amadores” móveis e entre eles ela havia surtado... Opa! Há alguns meses...

Danita sempre reproduzia ser vítima de algum incidente estranho. No último dia dos namorados seu amor maior havia levado tudo deixado um branco em uma tentativa de assassinato afundada no crânio dela. Ao voltarem para a viatura as policiais não encontraram ninguém.

quinta-feira, junho 11, 2015

sobrevivente do viver



todos os sentidos alertam o tempo está acabando
as forças antes vivas se foram em um suspiro
respiro fraco quase em linha reta nos escombros

o peso do planeta oscila gravemente nos meus ombros
trombo em cada objeto desavisado superficialmente inspiro

espirro as entranhas emaranhadas direto dos sonhos

carentes de alimento estão suspensos mas não morrem
doentes como adoeço ao me distanciar de mim

lágrimas jorram frias gritando não chorem

desmoronem no sofrer que em um arrepio profundo me inundo e vou viver.


(Rafael Belo, às 12h17, quarta-feira, 10 de junho de 2014)

quarta-feira, junho 10, 2015

Não era uma pedra



por Rafael Belo

Estava tendo delírios, suava litros e gemia dolorosamente. Bicampeão de artes marciais mistas com 100 kg cravados em dois metros e doze e mesmo assim derrotado por um ser microscópio. Virose? Ah, era sempre assim quando não sabiam o que acontecia. Enfia paracetamol e manda pra casa... Duas semanas intermináveis e nada de melhorar.

Golias se gabava de nunca ter ficado doente e até dias atrás era verdade, mas eram tantas pessoas doentes ao redor dele tossindo, espirrando, desrespeitando a saúde alheia que ele decidiu prevenir e se medicou. Nada de mais, apenas estes antigripais, porém foi aí que a tal virose o surrou como nenhum outro adversário ainda tinha feito.

Inconformado, Golias parecia murchar a cada dia acamado.  Delirando aos 39 graus de febre repetia o famoso ditado popular “todo cuidado é pouco”.  Existe alguém mais cuidadoso que eu? Só se for quem sofre de toque... Não bebo, não como porcarias, não fumo, sou atleta e água... Cadê? Aqui. Bebo litros em um só gole...

Não tinha forças para nada, mas mesmo assim precisava terminar de ler A Torre Negra e O Vento pela Fechadura ao mesmo tempo. Queria ser como Roland e assim delirava... Naquelas duas semanas ainda não terminadas percebeu a fragilidade em qualquer situação da vida, este clichê da roda-viva... Era tão fácil estar lá em cima e despencar. As posições trocavam todo dia, mas era certo que não seria uma pedra no caminho a derrubar o gigante Golias, ele iria se curar, não iria?

terça-feira, junho 09, 2015

boiando



enfermidades tropeçam em nossos doentes corpos
sementes frágeis das diversidades na rara flor-de-lótus
nascendo no leste se pondo no oeste não é eficaz a posição dos cardeais
enquanto explode a manhã sem direção para sentir não olhar
nos morde a maça e vamos nos deitar

pastam palavras possíveis pela periferia
espirros tossem no dia-a-dia
alergia virose qualquer diagnóstico precoce

hipnose falsa tentando nos curar
lixo poluindo o curso do rio imune nos pune
ao adoecer estamos lá a boiar.

(Às 00h26, Rafael Belo, terça-feira, 09 de junho de 2015).

segunda-feira, junho 08, 2015

Enfermidades



por Rafael Belo

Pastando pela produtiva manhã, vacas e cavalos ruminam o dia explodindo em um dourado ouro com a intensidade daqueles ainda com preguiça de acordar após um feriado prolongado. Mesmo quem adoeceu percebe a explosão de luz lá fora, mas estar doente é ver a dificuldade de se manter saudável diante de tanta negatividade, tosses e espirros.

Estar adoecido é como estar em um corpo estranho e ser um estranho corpo em um mundo indócil, apesar da domesticação generalizada, há muitos anticorpos procurando acabar com a invasão e, no caso, nós somos os invasores. Até as pessoas mais saudáveis caem doentes, mas nunca é com aceitação e tranquilidade. Há muita luta antes...

Há tempos nos quais parecemos não controlar nossos corpos e voltamos a ser àqueles velhos fantoches dependentes de alguém, esperando mexerem nossas cordinhas para nos movimentar. Deixamos de ter vontade, mas não podemos nos entregar. Ficar doente é temporário, é uma fase de fortalecimento e tudo é uma questão de ponto de vista.

Tratando seja lá qual for à doença de maneira adequada e até o fim, ficamos sim mais fortes, nos prevenindo para evitar ao máximo adoecer de novo. Há tantas formas de ficar doente, mas estar ativo, positivamente acreditar em si mesmo e seguir seja um passo de cada vez, seja uma corrida de obstáculos é deixar qualquer enfermidade distante. Assim, quem sabe, podemos ruminar calmamente e com clareza o que está a nossa frente e o que nos rodeia.

sexta-feira, junho 05, 2015

Muito atrasado


por Rafael Belo

Na primeira das quatro conduções que pegaria nesta sexta-feira, Alan Menos já sabia das feitas dos caminhos certos. Eles iriam aprontar novamente, aliás, já estavam fazendo. De pé no ônibus tentando não pensar em nada olhando através de tudo lá fora, Alan tinha certeza que o senhor a dizer ser abençoado por Deus entregando papeizinhos escritos à lápis com letra incerta e tremula, sabia ser mais fácil receber algo daquelas pessoas sentadas no coletivo a um centavo de pessoas possuidores de fortunas.

Mesmo assim recolheu seus papeizinhos sem receber nenhum dinheiro, mas sorria silenciosamente como se tivesse um segredo. Talvez alguma satisfação da quietude provocada em uma dezena de mulheres amigas tagarelando até há alguns instantes sobre comprar demoradas no Brás... Provavelmente não!

No metrô um idoso, de bengala e arrastar de pés, senta no banco reservado de direito. Algumas estações depois, Alan já percebendo a movimentação de quem vai se levantar para descer, abre caminho, mas mesmo assim vem o surpreendente pedido de licença e o contorno pelas costas de Alan. Talvez seja orgulho de continuar fazendo algo por si só e ouvir a própria voz corajosa... Provavelmente não!!

A caminho do ônibus interestadual, Alan observa um senhor aparentando mais de 70 anos, porém com quase 40, tremendo no frio paulistano escondido na neblina. Seu único casaco de couro já despido em mãos quando recua em um não mental. O friorento já sabia o que viria e fecha o rosto com direito a raios e trovões. O casaco preto de couro era a única roupa de frio de Alan e ainda unitária herança, além das lembranças, do falecido avô.


Vestiu rapidamente o casaco, pegou seu cartão e iria gastar o crédito que não tinha para aquecer aquele desprovido de tudo Menos da vida, mas este negou dizendo que nada novo o iria ajudar. Negou tudo de Alan, lhe rogou uma praga e foi engolido pela multidão, que de repente, assim como Alan se dava conta do quanto estava atrasado para os trabalhos verdadeiros. Alan decidiu nunca mais ignorar os seus instintos e seguiu seu destino.

quinta-feira, junho 04, 2015

inativo para si




apodrecido via seus pedaços caídos pelo chão
rostos incontáveis passava pela paisagem da face
absorvendo o perdido nas contas do disparate

procurava alguma substância da real emoção

não encontrava as lágrimas para chorar
talvez fosse a reencarnação de algum mascate
mais provável era ser total falta de reação

estava em dúvida se trabalhava ou vegetava ao levantar
em algum momento louco rasgou a divina procuração do pertencimento

não tinha mais momentos... Ganhava dinheiro para acumular
não sabia qual rosto no próximo dia iria usar.

(às 20h30, Rafael Belo, quarta-feira, 03 de junho de 2015)


quarta-feira, junho 03, 2015

País Maravilha



por Rafael Belo

Aquela era a milésima fila quilométrica enfrentada por Alice País. Milhares de desempregados como ela... A maioria homem... Será que isso significa que eu deveria ficar em silencio quando assediada e ter um salário menor comparado ao sexo oposto... Claro que não! Significa que o sistema de emprego dos anos 1950 não funciona mais há décadas. Era só o que me faltava... Lá vinha o amanhecer e ela estava desatenta.

Medida por aquele bando de desempregados, Alice se sentia mais uma vez incomodada. Não preciso ser um par para ser feliz e se meus pais ou alguém perguntar de um namorado inexistente affe.  Finalmente ela era a próxima. Precisava trabalhar, mas estava todos demitindo e não contratando. Na hora de responder as questões ela já não sabia mais qual cargo estava disputando mas...

Foi admitida naquele lugar. Era para começar imediatamente e a pergunta era se podia pensou sem demora Claro que não!!, mas não estava em situação de negar e disse Claro que sim!!  Não tinha perguntado o salário, porém estava tão endividada... Nunca havia ficado desempregada na vida e agora isso... Foi por oito horas exatas. Quando se preparava para ir embora a dona do jornal (ah, sim era um jornal) Gritou: “Estagiária não tem hora para ir embora não no meu jornal”

Ainda estava revoltada quando saiu xingando o primeiro a medi-la. Acúmulo de funções, desrespeito às normas trabalhistas, carga horárias excessiva, sem horas extras, nada de banco de horas, vale-alimentação e vale-transporte, autoritarismo... Que empresa continua crescendo desta maneira?  E lá foi ela fazer empréstimos e ajudinha para mostrar como fazer direito. Depois de se dar mal várias vezes, aprendeu e criou a empresa infantil de sucesso País Maravilha.

terça-feira, junho 02, 2015

fim do mês



perdeu-se das migalhas espalhadas pelo caminho
tornou-se aquele mesmo que não era ele
mastigou seu dom como pão amanhecido

de muitas manhãs sonhadoras endurecido

envelhecido pelo acelerar do arrastado tempo
vento dentro da ampulheta misturando o dia as horas a vida

de repente o conteúdo escapa e o homem-máquina
já nem aproveita o motivo de trabalhar pausa dramática

dignidade e respeito já perderam a definição

nas fileiras incontáveis do fim do mês há tantas de escravidão.


(Rafael Belo, às 22h09, segunda-feira, 1º de junho de 2015).

segunda-feira, junho 01, 2015

Nosso trabalho é assim



por Rafael Belo

Nasceu o sol e não percebemos, apenas corremos para atravessar a cidade direto para o trabalho se emendando até a santa sexta-feira em um grande borrão de mesmice. Estávamos de costas depois do fim de semana rezando para o próximo chegar... Quantos de nós não se deram o nó desta maneira? Começar pela necessidade de sobreviver para quem sabe um dia viver do dom...

Estamos nos vendo do outro lado da cerca deixando passar a nova oportunidade de um dia logo de manhã. Cabisbaixos por trás do positivismo oferecendo o máximo com cada um deixando uma imagem para o clichê de dar o sangue estereotipado de várias equivocadas maneiras. Vivemos em doses de vida, não podemos bebê-la de uma vez mesmo aproveitando segundo por segundo.

Descansar, dormir, se alimentar, se exercitar... É preciso respeitar a mente e o corpo para produzir mais e melhor. Não é a quantidade de horas trabalhadas que faz o trabalho melhor é sua vontade, capacitação e, principalmente, afinidade com o que está fazendo.  Podemos ter o que quisermos e sonharmos se, e somente se, nos fizermos merecedores.

Observando o cotidiano do trânsito temos certeza que a facilidade de comprar a própria locomoção e o custo/benefício do transporte público leva muitos a dirigir/pilotar e, consequentemente, se estressar, demorar para se locomover de um ponto ao outro, enfim o fato é: o tráfego é ruim pela quantidade de veículos e pela qualidade dos motoristas. Nosso trabalho é assim... Onde as aparências levam a melhor por um bom tempo até seu dom evoluído chamado destino transformar seu conteúdo em “ganha pão”.