sexta-feira, maio 30, 2014

Virando viral (miniconto) – por Rafael Belo



Ele estava parado há tempos e cantarolava exatamente esta música. Nosso suor sagrado... é bem mais belo que este sangue amargo e tão... Então, Raid se enrijeceu. Estava muito frio. Quase não havia luz. Toda a Legião Urbana se fora de sua mente. Raid olhava de um lado para outro. Só seu carro e aquele sentimento amarelado roçando na garganta. Havia também um medo cinza-avermelhado dando calafrios na pele, descolorindo a nuca. Parecia haver um peso  se movimentando no canto esquerdo do olho dele e como se tivesse acendido naquele momento, um poste estava lá, iluminado.  

Se fosse possível, Raid teria diminuído dez centímetros. Uma autoproteção contra algo invisível naquele lugar. Estava lá. Ele sentia. Existia um contorno naquela luz. Por isso, ele se encolhia. Talvez se olhasse bem nem fosse “o desconhecido”. O vento assoviava. Conversava com as árvores. Estas chacoalhavam seus galhos e, por sua vez, as folhas pareciam se arrastar dentro de um saco de batatas. Fora isso, tudo era silêncio. Mas, aquele lugar iluminado não o deixava paralisado.

Ali, parado. Já soava meia-noite em algum sino de igreja caindo em desuso. Afinal, a lei do silêncio... Bem, seu whatsapp vibrava silenciosamente no bolso e Raid ali tremendo. Quase parado.  Quando deu por si, estava ele iluminado.  Sua cabeça latejava bombeando sentimentos... Não! Espera! Pensamentos... E eles eram como pequenas luzes riscando o céu, praticamente estrelas cadentes.  Mas dentro de sua cabeça. Lá cintilava o momento exato de bilhões de pessoas, apenas estáticas deixando se levarem por tantas ações não planejadas. Aquele comportamento de manada o incomodava. Conhecido por ele como Maria-vai-com-as-outras...

De repente a luz se foi. Ele sentia mais frio. As cores voltaram para seus lugares pastéis. Nada mais estava iluminado. Raid começou a cantar em voz alta trazendo de volta sua animação nem citada antes dele entrar no estacionamento vazio. Sériiioouuuu e Selvagem, Selvagem, Sel-va-ge-eemm ... Viva a Legião!!! Ele cantava alto o suficiente para fazer eco no vazio sem se preocupar com ninguém nem nada. Ele não era Maria nem parte da Manada. Mas não sabia coisa alguma. Desconhecia cada uma das câmeras de segurança.  E depois de tanta diversão os seguranças o fariam ser Maria e Manada... Raid estaria virando viral em cinco minutos.

quinta-feira, maio 29, 2014

energia


constelações caminham calmamente “celadas”, conduzem conglomerações, carregam caricatos celibatos, presas pela paupérrima pausa patética, luzindo luzes, reflexo, retardatário  refluxo de um futuro passado

interpretando intempéries, iluminados,

tesouros achados, no egoísmo dissolvido pelos focos esclarecidos, dos não mais perdidos

absorvidos por toda claridade absolvendo
absolvidos pelo relógio, sócio, vivendo cada raio solar refletido,

no breve universo estendido/diverso leve,
seguro adquirido de ser intensidade, densidade de um segundo calmamente tempestade

dilúvio de raios puro, resolvido/se espalhar em energia de açoite

todo escuro banido, para o luar da noite.


(às 16h15, Rafael Belo, quarta-feira,  28 de maio de 2014)

quarta-feira, maio 28, 2014

Coração parado na luz (miniconto) – por Rafael Belo


Depois de toda aquela luz, o coração parou. Só por um instante. Mas, este instante foi o equivalente a um eternidade. Para outro ângulo, era a queda de um grão de areia na relíquia ampulheta. Quase entre um batida e outra, aquele silêncio... Podia se dizer: nada aconteceu. Porém, uma eternidade realmente pode ser comparada a um instante. Tudo depende do olhar. Daquela brisa imediata, às vezes sem nem conseguirmos definir se foi um sopro da vida ou uma queda no abismo sem fundo. Tudo estava escuro e então se iluminou.

Não era uma vibração no meio da escuridão ou um lateja no breu de uma noite sem lua, sem estrelas e nem sequer uma luz artificial.  Era dia. Meio-dia. Um calor insano. Tanto a ponto de fazer os mais friorentos ficarem com o mínimo de roupas possível. Então, não tinha sentido aquele momento frio vazio, até um segundo atrás, sentido por todo o corpo de Ila. Agora Ila pensava o tanto... O quanto se desperdiçou. Havia algo latente em seu corpo todo. Pulsava, pulsava, pulsava... Ela sentia-se o próprio sol. Incandescente, iluminada.

Parecia um farol recém-inaugurado.  Sua energia fluía como uma nascente descoberta. Pura, livre, nova... Sempre nova. Sentia-se nascer a cada raio solar nascido de um coração correndo pelas águas da alma. A cada palavra dita, a cada pensamento transformado... Saindo da abstração, da imaginação longe, não palpável para o concreto, para a realidade, para o tocado e descobriu uma verdade mentida a pouco tempo. Invertida. Do avesso de um forma a transgredir os olhares. O coração sempre esteve parado.


Ila trabalhou em diversos lugares e tudo criado por sua mente por meio das mãos parecia conter luz própria. Ela vendia estrelas sem saber. Fotógrafa do âmago das pessoas. Realmente poderia captar a alma, mas nunca capturar. Quem olhava, via o sutil movimento da vida ali registrada. O reflexo de luz ali guardado sempre distribuía os sorrisos vindos de admirar as imagens. Iluminada. Ila não era explicada pelos equivocados pensamentos e afirmações: é só apontar e apertar um botão. Não! Ila mostrava o valor das pessoas e profissões. Relevava o brilho da vida compartilhada a todo instante, podendo parar as pessoas foscas e as iluminar. Como uma lâmpada acesa de repente, depois de faltar luz. Ila dizia: - meu coração se movimentou em um instante e este instante... Ainda não acabou.

terça-feira, maio 27, 2014

nunca apagado



no dia frio e noturno, acenderam-se as pessoas
o céu se partiu, cada estrela entoa, caiu
a luz cantada, trouxe todas as asas,

vento cativo, porém, liberto, nos abriu

surgiram iluminados com toda energia acumulada,
atraindo para quem quer voar da sacada do olhar
e os rastejantes para as escadas, gestantes do nada

murmuram marcadas, seu rastro aceso,
identificados pelo brilho, de um infinito beco, [tão farol, projetado
e o próprio céu preso, nos cílios [iluminação do sol, nunca apagado.


( às 13h26, Rafael Belo, segunda-feira, 26 de maio de 2014)

segunda-feira, maio 26, 2014

Uma linha iluminada pelo tempo (resenha Iluminadas) – por Rafael Belo


O tempo é uma linha desfiada da eternidade. Hoje, ontem e amanhã acontecem no mesmo instante. Mudam nossas experiências, nossas expectativas e nossas lamentações. Tudo contido na memória. Acessada por nós e esquecida. Dizem sempre haver o momento onde começamos a reclamar da oportunidade perdida, de mudanças não feitas... O Famosos ses. Mas e se pudéssemos voltar ao passado e ir ao futuro como ficaria esta linha desfiada pela eternidade. Eu particularmente nada mudaria. Ficaria tentado nos mais dramáticos e horrendos acontecimentos, mas assim como estes os meus momentos passados fazem quem eu sou e o que o mundo se tornou nesta desfiada linha. Assim também seria o pensamento para o futuro.

Lauren Beukes segue esta linha e cria um portal envolvendo Kirby, Dan e, o serial killer, Harper, no thriller Iluminadas. Objetos do passado e do futuro são o suvenir e a marca do assassino. Perde-se o passado, o presente e o futuro nesta alucinante história engenhosa. Esta mistura de romance histórico, terror, suspense e ficção científica nos abraça com tempo mesmo se acharmos não o termos. Levando ao extremo a inveja da luz, a vontade de ceder ao fruto proibido e morder a injustiçada maçã devorando todo o conhecimento.

Sabemos o quanto as luzes atraem. Mesmo aqueles seres voadores. Mas enquanto alguns de nós precisam se acender no decorrer da vida, outros já nascem iluminados. Atraem todo tipo de pessoas ao seu redor e quem está perto nem sempre possui as melhores intenções. Muitos ficam se debatendo nestas luzes como as mariposas sedentas por seu lugar ao sol, mesmo se este for artificial. “Iluminados” geram amor e ódio na mesma proporção. Uma adoração magnética pulsando direto dos dons destes. Atraindo, traindo, tentando fazer “gato” desta energia e a condensar em si mesmos.


Podemos ser esta linha iluminada pelo tempo. Ainda buscando saber se devemos nos conjugar ontem, hoje ou amanhã, pois ainda seguimos o rastro das iluminadas brilhando, tentando criar nosso próprio rastro, deixando a trajetória da estrela talvez esquecida em nós no céu de ilusões montado na nossa mente. Quem sabe também sejamos iluminados e estejamos destinados a encontrar esta luz em nós, porque, ao que parece, ela pode ser apagada quando menos esperamos.


Melhores mistérios de 2013
Lançado no dia 12 de abril no Brasil. Iluminadas, de Lauren Beukes, foi eleito um dos melhores livros de 2013 pelo jornal The Guardian, pela Amazon e por milhares de leitores do site GoodReads, concorre ao prestigioso Strand Critics AwardsPromovido pela Strand Magazine, o prêmio reúne anualmente críticos dos mais importantes veículos de comunicação norte-americanos, como The Los Angeles Times, Chicago Tribune, Time e CNN, para escolher os melhores livros de mistério. A premiação está marcada para o dia 9 de julho, em Nova York.
Iluminadas conta a história de Harper Curtis, um assassino que viaja no tempo atrás de suas vítimas, e Kirby Mazrachi, uma garota que sobreviveu a um ataque brutal do misterioso criminoso. Incapaz de esquecer o fato, Kirby começa a investigar casos semelhantes ao seu,  ligados por evidências impossíveis.




sexta-feira, maio 23, 2014

A memória do paladar (miniconto) – por Rafael Belo




Poderoso não estava gostando da demora de seus humanos. Já tinha marcado seu território de várias maneiras. Agora iria castigar e destruir aquilo chamado por eles de calçados. Queria ver não obedecerem. Querem que eu lata, não lato. Sou chinês por adoção. Sou a espécie mais antiga de primeira origem Sibéria... me acham Shih-Tzu aaa? Aqui minha língua azul para vocês. Vocês precisam ser fieis a mim, pois sou fiel mas independente. Deixem-me na minha. Não vou deixar vocês entrarem. Assim, chegaram os humanos com a chuva. Não era pouca.

Rosnava Poderoso e caminhava como um tigre.  De um lado para o outro, de um lado para outro... Mas, nem um latido dava. Estava farto de carinhos, lacinhos, beijinhos, tosa... Deixou seu protesto por toda parte seus dentes marcavam cada um... Ao se aproximarem todos ganhavam a dentada e quanto mais bravos ficavam, mais assustador Poderoso parecia.  Então decidiu latir. Pouco, mas latiu. Era um som forte e amedrontador. Eles recuaram. Os três voltaram para o carro e acabaram, adormecendo lá. Acordaram reclamando e doloridos.

Não ficariam mais com Poderoso. Poderoso havia ido longe demais. Havia assumido a casa depois de seis meses silenciosos e distantes. Cuidava dos seus brinquedos, prato e caminha com um zelo... Ninguém ousava se aproximar. Não sabiam... Esperavam outra atitude. Não este gato gigante se portando como urso. Apoderando-se da casa e parecendo pedir silêncio e tranquilidade. Dominou todas as outras camas. As dos humanos. Eram todos refém deste poder. A beleza do cão.

Havia uma antiga família chinesa na região. Eles disseram aos humanos de Poderosos, este ser de uma personalidade particular. O Chow-Chow, principalmente o azul, era uma lenda tão antiga quanto a China e eles o tratariam como todos seus antepassados fizeram. Agora, nem doutor Pet resolvia Poderoso. Ele era uma iguaria. Especialmente a língua. Mas, nada disso foi dito para os ex-humanos de Poderoso. Eles o doaram. Reservados os chineses levaram Poderoso.

Passados seis meses de clausura e sendo alimentado apenas com grãos. Poderoso era outro. Ele sabia o próximo passo. Seu desgosto e indiferença aos desconhecidos de nada adiantavam, assim como percebia o poder ter subido a cabeça e não demostrou a loucura intensa pelos donos. Poderoso sentia... A brasa já estava com poucas chamas e era hora.  Não pensou em nada. Deixou aquela chuva de seis meses levar sua consciência para longe. Após a cerimônia, foi sangrado, carneado e desmembrado. Sua pele virou tapete. Mas aquela faminta família de tradição milenar chinesa, ainda tem no paladar a memória de cada  amolecido pedaço Poderoso.

quinta-feira, maio 22, 2014

enganador



podia poder subir sem pisar nas cabeças/em cada degrau falsificado que o enganador teça
poderia não subir a mente ao demente poder de domingo a terça

mas pesa a mão de quarta a sexta, ai daqueles... Obedeça

encaixe-se no seu eterno papel [esqueça] seja a mesma peça
peça para sair ou demita-se, deste mundo sem drama

a grana vai toda enterrada na revirada grama

na gana de esconder o vil metal, dourando a tendência, irreal

absoluto dono do nada, sem bem nem mal, acaba de ganhar a desolação espacial

e na solidão do especial papel, vai comprando vazios na bolha estourada do superficial

corrompendo a visão tremida da água do poço, distorcida, parecida com cão faminto roendo osso.

(às 13h47, Rafael Belo, quarta-feira, 21 de maio de 2014)

quarta-feira, maio 21, 2014

Gêmeos do poder (miniconto) – por Rafael Belo



Naquela comunidade isolada, a lei era outra. A taxa de natalidade era sorteada por casal e gêmeos eram considerados uma maldição. Uma alma indecisa partida. Cuja única decisão foi viver em corpo quase idênticos, mas com escolhas diferentes. Então, há séculos eles matava. Era uma cidadezinha brasileira não encontrada nos mapas, muito menos nos GPS. Ficava entre dois morros, onde no início da colonização passava uma estrada de comerciantes itinerantes. Eles mesmo a destruíram. Nunca se soube o motivo. Mas, neste mesmo instante o gêmeos sentenciados a morte foram dados como mortos. O parteiro era o pai e havia guardado dois corpinhos para trocar nesta hora.

Os gêmeos Posse e Próprio foram escondidos e levados com a mãe, também declarada morta e substituída por um cadáver genuíno, para a cidade mais próxima. Cerca de 300 km dali. Próprio aos cincos anos, só queria ter coisas dele. Posse na mesma época, só queria se apossar das coisas do irmão. Claro, aos dez já se batiam. Brigavam e viviam de olho roxo. Na escolinha já eram chamados de gêmeos do poder. Tinha a personalidade mais forte já registrada.  Era parecidas. Tanto a serem quase iguais. Quase... Posse tinha seguidores aos milhares em todas as mídias digitais e delegava todo trabalho da sua empresa Possuindo o Hoje. Próprio nem conversava com seus milhares de puxa-sacos nas mídias digitais. Ele só mandava e milhares obedeciam e disfarçadamente boicotavam a empresa Propriedade do Amanhã.

Um reflexo pálido de Esaú e Jacó e Pedro e Paulo. Só que no ventre Posse segurou Próprio e nasceu primeiro. O segundo filho nasceu primeiro, mas isto não tem importância nenhuma na história. Ficaram órfão assim... Praticamente um dia de nascidos. Descobriram a farsa do pai e o mataram. Seguiram a mãe e a mataram. Mas antes, avisada, ela os escondeu em um orfanato durante a madrugada. Lá ele já exerciam a liderança e alimentavam o confronto entre eles. Não havia nada de bonitinho de ter alguém praticamente idêntico. Eles odiavam se olhar. Era um espelho.


Havia desespero na aura de confiabilidade, segurança e chamado para seguir emanando deles. Apenas isto era exatamente igual. Porém, Hoje e Amanhã foram trágicos e cegos. Ambos vendiam aplicativos de vigilância e disputavam o mercado. Existia Poder em toda parte. Não havia limites e para acabar com a concorrência, se corromperam. E em um mundo descartável a falência grita a presença a cada seis meses. Faliram como poucos meses de diferença. Tudo foi rapidamente robotizado. Posse e Próprio focados em se destruírem. Acabaram como vieram: juntos. Encontraram-se na cobertura da Arena Pantanal a intenção era acabar com a rivalidade de ventre. Mas, não houve qualquer contenção. Rolaram, se socaram e caíram... Mais de 30 metros de queda livre. Foi o fim do Poder. Chamado: nem a morte os separam.

terça-feira, maio 20, 2014

aninha



um anjo caído se levantou dolorido ao poder / disfarçar as asas corruptas no absoluto poder
detido, contido, limitado poderia ser /voo sujo abaixo do radar, a voar, se estabelecer

absolutamente manter, a índole perdida, o comportamento da realeza na certeza de querer
grandeza invertida, pequenino homem / mentira divertida, verdades somem

estoura a bolha da raiva, alimenta a frustração, justiça ou distorção?

clareza da sensação do estar exorcizando seus demônios
clareira criada certamente corroendo cada camada de ozônio

a mente consciente, malcriado patrimônio
engessado no fazer indigente/ pensamento de toda gente [pandemônio

revoando em bandos divergentes/ enquanto os pássaros dão passos, passarinhos [gaiolas voam, não há ninhos.

(às 15h46, Rafael Belo, segunda-feira, 19 de maio de 2014).

segunda-feira, maio 19, 2014

Pense sempre – por Rafael Belo


A truculência para retomar um espaço conquistado, mais conhecida como agressão, violência física é a forma mais clara de desespero do ser humano. A pressão psicológica diária e a constante disputa de seja lá... São nosso cotidiano. Mas, se engana quem acredita ser o caso do poder, seja qual for o cargo a proporcionar certa (ou toda) liderança a alguém, ser o culpado, a vítima. Porque estas acabam sempre sendo as localizadas longe de onde as decisões são tomadas. Porém, o engano já está na frase. Quando o historiador liberal inglês do sec. XIX, Lorde John Acton, a disse esta não tinha a tendência a se generalizar. "O poder tende a corromper; o poder absoluto corrompe de maneira absoluta (absolutely). Os grandes homens quase sempre são homens maus".

Tender a, é totalmente diferente de ser e pronto. Não é o mesmo de definir. Como manipuladamente acontece com a frase de Acton atualmente (e há muito tempo): o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Não vem a sensação de sempre ter alguém tentando nos manipular em toda hora e em qualquer lugar? Eu me sinto assim. A frase original possui “tende” no seu contexto. Não muda totalmente? Tendências podem ser detidas, contidas e limitadas. Coisas absolutas não. Assim como Nelson Rodrigues insiste em ecoar Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar. Pense sempre, mesmo se parecer desnecessário, nunca o é. Há sempre algo importante até no meio da futilidade.

É importante dizer, então, sobre estes “grandes homens”. Grande de tamanho, medida, de conquista, de ostentação, autoridade, poder... Não de grandeza de coração, caráter, ânimo, de elevação de sentimentos, generosidade.  Estes últimos compartilham, dividem porque conhecem e se preocupam para algo além de suas bolhas. Quando não existem limites, não há como ter contenção, equilíbrio, justiça, as bolhas se inflam, aumentam ao invés de serem estouradas. É absoluta corrupção do ser. Por isso, maus. Também não é mau de essência de oposto a bom. Nada de anjo x demônio. É o mau comportamento, a má índole.


Como nosso comportamento de seguir tendências são as modas acolhidas diretamente do padrão das estações de se vestir. Estamos nesta estação (como se não saíssemos de nenhuma). Do retorno do olho por olho, dente por dente. Quer? Vai lá e pega para você... Não importa quem vai prejudicar ou o custo da ação. É preciso deixar esclarecer os atos e as palavras. Deixar claro para não haver qualquer resquício, nenhuma sombra, nenhuma linha descosturando com restos, sobras para serem interpretadas em qualquer contexto ou mandar recados indiretos. Assim, nos tornamos cúmplices dos justiceiros. Os quais só querem extravasar a própria raiva, alimentar mais a frustração e satisfazer sua visão distorcida de justiça.

sexta-feira, maio 16, 2014

Revanchismo (miniconto) – por Rafael Belo


Airam havia acordado perdida. Suas memórias doíam, sua cabeça latejava. Alguém havia lhe pego na covardia e acertado sua nuca. Ainda bambeava. Balançava e andava em círculos. Por isso, nem bem levantou já estava no chão. Focou melhor a visão. Estava na dança da cabecinha da bêbada. Esticava o pescoço e apertava os olhos. Depois recuava o pescoço e o tronco, virava a cabeça e apertava ainda mais os olhos. Uns cinco minutos depois entendeu. O sol estava nascendo e à sua frente estava duas vacas e uma galinha. Não eram aquelas três fofoqueiras da esquina da sua casa... Tinha certeza. Só não entendia aquela história de mãe... Ela não era mãe... Era?

Mas a história da filha, ou melhor, da menina fazia sentido. Há 21 anos ela teve um aborto espontâneo aos 8 meses. Adolescente, primeiro filho... Era normal,  disse o ginecologista na época. Para Airam tudo bem. Ela não queria perder a juventude. Mas, guardava uma amargura e um rancor... Ambos sem tamanho. Isto havia resultado naquela gastrite nervosa. Ela não se importava e alimentava ambos. Não aceitava brincadeira. Não perdoava. Deixava tudo lhe fazer mal e o mal não perde oportunidade de ser feito. Mas, filha não... Não é?! A suposta filha falava ter ouvido a avó contar a história da herança do pai e como haviam planejado dopar Airam.

- Aquela sogra temporária, gritou Airam. Se for verdade claro, pensou. Depois disso a jovem dizia ser idêntica a ela. Se fosse mesmo, talvez... Somente talvez, Airam acreditaria. Ela tinha a respiração forte e rápida. Seu olhar ainda estava direcionado aos três animais ofendidos pelas vizinhas fofoqueiras, mas ela forçava a mente e toda a vez... Quando ela fazia isso... Pronto. Teve um novo lapso. Lapso de memória. É claro. A história toda da gravidez foi parida em partes. Durante toda a gestação ela esteve dopada em uma clínica psiquiátrica clandestina. Totalmente legal na fachada e de criar bicho de sete cabeças. Era um respeitado hospital...  De repente havia um espelho na frente bloqueando as vizinhas... Sua filha.

Tinha certeza, agora. Era idêntica a ela. Sua filha... Isto dentro do peito era Amor?! Novo... incondicional... Grandioso... Toc... Lá estava Airam no chão de novo. Como aqueles clichês literários, seu inconsciente tomou conta. Estava consciente e lembrava da riqueza de sangue de seu namoradinhos de 15 anos, há 21 anos... Bebeu... Eles não usaram proteção... Ele morreu no mesmo dia... Bêbado provocou um acidente e não sobreviveu para ver quantos havia levado com ele. Airam? Ela estava de cinto no banco de trás. Nem sabia o porquê... E agora... aos 35 anos tinha uma filha de 20... Tinha este Amor, esta vontade de proteção, mas Airam era puro rancor e revanche. Ah, ela teria revanche e pelas feições tão conhecidas daquela desconhecida filha ela pensava o mesmo. Era duas rancorosas, mas mãe e filha.

quinta-feira, maio 15, 2014

perfume de lar



despetalada primavera enclausurada na matéria
contraditória rosa vermelha em tons amarelos
cada lágrima uma pétala etérea
oceano vazando dos olhos no romper dos elos

laços não são interrompidos, são calhamaços [buquês
bem-quereres sinceros, choro triste pranto alegre, incompatibilidade zero

inteira pela metade, quando seus completos pedaços crescem em prece [partem
foram flores feitas fisicamente para outros traços
mesmo o entrelaço da alma sendo seguro severamente suave no para sempre

com afeto afago da própria história, no conforto no gosto do aconchego no arrego do colo
todos tem carreira solo /no ar fraterno /constantemente vamos estar /o aroma materno / é perfume de lar.

(Às 12h59 , Rafael Belo. Quarta-feira, 14 de maio de 2014)

quarta-feira, maio 14, 2014

Histórias que Mãezona conta (miniconto) – por Rafael Belo


De repente os dias são noites. Claro. A noite é parte fundamental. É dona das outras 12 horas. Ultimamente chega assim tão de mansinho a ponto de assustar. Isso porque até tempos atrás – se bobear até poucos dias – Dona Zeza (ou só Zeza para os mais chegados), mas conhecida mesmo como Mãezona era um poço de raridade em se tratando de atenção. Ela via, ouvia, cheirava, sentia, intuía... A famosa assoviadora e chupadora de cana nata. Para ser bem atual, conseguia prestar atenção em todas as janelas de seu notebook, ao mesmo tempo mexia no tablete, assistia televisão, conversava com as visitas em casa, lia um livro, cantava uma música e ouvia outra. Um fenômeno da Geração Plugada.  Só... Bem ela era mãe desde os anos 40. Foi mãe dos pré-históricos Baby Boomers. E Mãezona contava assim...

Não. Não tinha ansiedade crônica. Tirava o som dos jogos, do celular e dos aplicativos do smartphone. Tentava não se conectar em mais de um período e dificilmente estava online aos fins de semana. Quando viu as horas. Levantou correndo. Procurou o smartphone – perdido pela incrível segunda vez – como se o dito praga de mãe pega fosse verdade. Ela não acreditava. Porque nenhuma das suas pegou... Por enquanto... Mesmo tão plural, Mãezona, dormia nos horários e acordava cedo. Aproveitava tudo de tudo. Como disse era rara. Atenta e aconselhadora, certa feita, começou a falar. Por horas falou. Zeza sempre achava hoax (embuste, enganação, falsa notícia), lenda urbana para enganar bicho-papão, portanto não acreditava ser possível desconectar da realidade e não guardar um palavra da conversa. Ela nunca inventou uma história. Contava a verdade e pronto. Assim dizia Mãezona...

Zeza parecia entorpecida. Concordava consigo mesma. Estava no automático. Sua mente sabia o tom para perguntas pedindo respostas positivas e também para negativas. Parecia enxergar através de si mesma. Começou a suar e se coçar. Parecia o Alemão (o tal do Alzheimer) ter chegado na surdina e dado aquele nocaute nos sentidos da Mãezona. Era exatamente o temor dela. Por isso, sempre se manteve tão ativa. Jogando verde e se doendo ao fingir não querer se intrometer na vida dos filhos. Bem... Zeza teve um para cada década. Nos nossos anos 2000 ela teve o sétimo e último... Como disse era rara... Não quis saber de imprensa. Deste cardume de focas achando sair um dia desta condição... – Amadores, pensava ela.

Era jovem para os seus 94 anos. Parecia metade e ninguém sabe, na verdade, esta ser a idade dela.  É uma adolescente tardia sempre esta Mãezona. Ela só se sentia livre quando tinha alguém para cuidar. Apesar, de ferida várias vezes, roubada, sequestrada e com o coração tão remendado parecendo o arremedo de um coração... Ainda daria a vida pelos seus filhos. Tudo de valor era seu Amor para os filhos do mundo, adotados por ela. Mesmo os ingratos por terem sido tão maltratados pelas ruas. Por isso, se assustou pela segunda vez no mesmo dia, aliás, noite. Quentes lágrimas despencavam dos seus olhos e pareciam lavá-la era uma chuva salgada contida há tanto tempo... Mas tão de repente quanto veio, a noite se perdeu pela madrugada. Quando a manhã raiava Mãezona já nem lembrava de suas preocupações e começava mais um dia com o mesmo esqueleto de histórias, mas com outro enredo.

terça-feira, maio 13, 2014

Mãeré


sempre pequenos filhos, mesmo crescidos, desenvolvidos, vão acertar
a preocupação é sempre criança a liderar, da mãe o olhar
seu coração imenso bate tenso até seu rebento voltar, [não importa o lugar
mas dificilmente cabe mais um se não for de seu parto [do seu ato de criar

noticiário do contrário, inventário de lembranças, delas a própria esperança,
querem em você um belo sorriso, o melhor salário e de cada sofrimento nos privar
 todo sacrifício faz e fará  / mãe é tipo um edifício onde só para o céu levará

é diária, fortaleza, delicada flor, mãezinha
distribui Amor, aninha, e o quer ver retornar
em nosso perpétuo socorro, é nossa Maria, tão minha (nunca sozinha) maré do próprio Mar.


(às 14h05, Rafael Belo, segunda-feira, 12 de maio de 2014).

segunda-feira, maio 12, 2014

Natural de mãe - por Rafael Belo

Não há como crescer diante dos olhos da mãe. Da nossa mãe. Ela cuida, ela chora, ela pede, ela implora... Liga toda hora. Se for conectada manda um whats e fica irritada se não responde de imediato. Deixa recado no facebook, sempre pede para tomar cuidado. Quer que mude o horário para não pegar o trânsito pesado e, claro, não quer que dirija à noite. Pergunta se ligou o alarme do carro, se trancou a casa, se pagou as contas... Esta é nossa mãe. Ah, não. Esta é minha mãe.

Elas querem nos privar do sofrimento delas. Das experiências ruins passadas. São um verdadeiro noticiário policial e de concursos. Nos passam cada susto... Claro, como livres que somos, às vezes não entendemos como é uma força natural ser mãe, como a Mãe Natureza. Este instinto de proteção. Este Amor incondicional aos filhos. São nosso eterno conforto, mesmo quando só podemos recorrer à elas pela memória, no coração...

Aliás, esta história de coração de mãe sempre cabe mais um não é verdade, ou melhor, só o é até ela começar a desconfiar de amigos, amigas, namoradas, esposas... Então dão avisos se somos mais velhos e mandam se somos ainda residentes na casa dos pais. Mães querem nosso melhor, mas é óbvio, o melhor de acordo com elas. Mas, a gente sempre releva. Voltamos sempre ao colo delas, às suas palavras...


Certo é o coração imenso e a capacidade de perdão das nossas mães. Perdoem-me se estou generalizando, se ainda pareço preso ao clichê mãe é tudo igual só muda de endereço. Não é bem assim também. Mudam de nome, endereço, sobrenome e temperamento. Mas a intenção... Ah, a intenção e o eu só quero o seu bem e o porque sou sua mãe e estou mandando. Estes são de dar um sorriso delicioso e um abraço bem gostoso de urso recheado de eu te amo. Porque dia das mães é política, é comércio, mas Amor de mãe é diário e só esperam atenção, reconhecimento, palavras e gestos de carinho e nossa felicidade.

sexta-feira, maio 09, 2014

Aninha mocinha (miniconto) – por Rafael Belo


Estava aquela escuridão contornada de neblina. Mas a criança estava acordada. Também... Era dia. Anunciavam uma tempestade diariamente e nada. Aninha tinha toda a curiosidade das crianças e também sabedoria. Queria ver esta chuva medonha que os adultos tantos falavam. Aos cinco anos, Aninha estava tão convicta e certa quanto podia. Bastava fazer como o papai ensinava e a mamãe dizia: A verdade é o suficiente. Inocente, mas nem tanto, Aninha sabia das mentiras vindas dos adultos... Só não sabia porque complicavam tanto a vida. Ainda mais naqueles assuntos chatos que deixam todo mundo tenso e gritando.

Cores e valores. Ela gostava tanto de colorir e daquilo chamado pelo papai de valorizar o dom natural dela. Mesmo assim a subestimavam – como costumam fazer os adultos tolos. Ela entendia todo aquele assunto. Mamãe e papai já falaram com ela. Economizaram palavras, ela tinha certeza. Era espera demais para a idade. Vivia ouvindo isto. Talvez porque a subestimassem... Mamãe não dizia serem todos iguais?! Papai não contava sobre todos terem o mesmo valor?! Nem mais nem menos?! Então, porque isto?! Ela já era mocinha, papai e mamãe diziam às vezes. Mas ela gostava tanto da Galinha Pintadinha...

Lá estava o tio brigando com o tio. Tio Amá casou com a tia Cadinha. Lembro que não podia falar nada, só sorrir e olhar para os lados um pouquinho... Fui a daminha de honra. Isso foi a um milhão de anos, pensava Aninha. Tio Dézão não tinha tia... Mas, não vivia rindo do Tio Amá. Isso não deveria ser bom?! Aninha foi caminhando para a sala onde os tios estavam. Pararam na hora e se agacharam para conversar com ela. – Ti-o por que cês tão rigando? – Por que você acha que estamos brigando princesinha? – Por que sou mocinha... E o primo Teteu está chorando bem ali... Os dois olharam para o lugar onde Aninha apontava.


Aninha puxou o tio Dézão para junto do tio Amá. Ambos não sabiam o quê fazer. Tentaram sair, mas Aninha fez cara de choro e Teteu começou a chorar alto. Aninha pediu para se abraçarem. Ela perguntou: - por que tão bigando? Família não biga ti-oo. Mamãe e papai me sseram sermos todos igais e que inguém vale menos que inguém. Nem mais... Parecia ter criado vergonha suficiente nos dois e algo mais... Algo parecido com orgulho. Não satisfeita. Aninha foi até Teteu e pediu para ele parar de chorar. Ela pegou a mão do priminho Teteu e juntou com a mão do tio. E pediu: - Agora chega né?! Vamos bincá?! E saiu puxando os dois pela porta em direção ao quintal.

quinta-feira, maio 08, 2014

pequeno veneno

tudo branco no preto, no entanto, no escuro, no apagar dos holofotes
é rolada a sorte / são jogados os dados tanto
no canto do urubu, toda vida é carniça é fome é um cozido cru/ nu à espreita de todo santo / cheio de velas na esfera do mesmo nome, em pranto
todos são considerados ninguém /ninguém pinta alguém de outra cor, cada aparente ator, some

pelo pequeno veneno vendendo como cura
o extremo selo da fissura, da loucura do estado
apagado, de tão sereno e caiu na noite
estrelada e fria / uma caligrafia assinada pela espada
na carne antiga /sina bandida, assassinada pelo ouro de tolo
no brilho do olho, feito garrancho no ranço são

multidão

não adianta ter a intenção / devaneio de pensamento
se a ação é só fragmento / despedaçado, despedaço fraco
nos frascos comprimidos do envolvimento / quase fingimento
a ganhar só por um momento fraterno / há momentos eternos.

(às 14h45, Rafael Belo, quarta-feira, 07 de maio de 2014)

quarta-feira, maio 07, 2014

Deficiências (miniconto) - por Rafael Belo

 
Zumbi esperava Abdias. Quando se encontravam no mesmo plano, ele foi ao seu encontro. Foi aquele conversê. Quase anos de conversa para pôr em dia porque ninguém invade pensamento. Falaram de tudo ser uma questão de pele, aparências porque no fim há uma minoria contrária a dividir, reticente quanto a igualdade. Querem a liberdade, mas só ser for a dela. - Aliás, a própria, corrigia Zumbi. - No fim é tudo questão de ego, emendava Abdias. Emboscado, degolado, mutilado... Assim sobrevive o pobre todos os dias, lembrava Zumbi. - ... E às vezes, a cabeça já não está mais no lugar! Traição!!, - completava em lamentos Zumbi.

Abdias refletia sobre os 316 anos entre sua morte e a de Zumbi. O mito. Quanto o pobre não é humilhado, ignorado, jogado para a periferia...? Realmente à margem de tudo e de todos.... Como se entendesse e ouvisse os pensamentos de Abdias, Zumbi dizia: Salve tio Ganga-Zumba primeiro líder de Palmares, libertador dos nascidos palmarinos, ele bem sabe desta tua angústia Abdias. Ativista, político, ator, artista, Abdias era um guerreiro diferente de Zumbi. Passou dos 40, mais que os dobrou, foi a 97... A mesma luta com forma diferente, mas para Zumbi, Abdias tinha o jeito de Zumba.

Claro que tinha. Política democrática foi o que imperou depois do Império. Zumba negociou paz, terras e liberdade. Zumbi lutou no corpo a corpo por liberdade e igualdade. Precisou de sangue. A reconhecida natureza pluricultural e multiétinica do país foi uma vitória conquistada por Abdias e garantida como direito na Constituição de 1988. O passado sempre presente. As aparências sempre a frente e nós nas cotas. A improvável dupla. Um mais de tricentenário. Outro centenário. Olhavam em frente com toda a bagagem reluzente dividida com a rapaziada e a moçada, ainda marcada pelo ego do passado, pela arrogância do presente e o amarrotado futuro...


Para Zumbi e Abdias estava tudo ainda no escuro (ainda assim com foco de luz). Para o ilustre dueto, apesar de tanta luta, aliás... Mesmo com tanta luta, com tantas vitórias. Ainda há escória por toda parte. Às vezes escondida, pronta com a maçã e o bote para, se der sorte, afetar a autoestima de um afrodescendente, nipodescendente, humildedescendente e de cada mortal diferente. Gordinho, deficiente, baixinho, altinho, aparelho nos dentes, manco, óculos nos olhos e qualquer acessório. Assim o outro utiliza a esfarrapada (des)culpa. Mas, eles acreditam que  pobre mesmo é esta gente. Sabendo ser brava, latente, valente prefere diminuir a evolução e se excluir do daqui pra frente. Como se de repente, só esta pobreza de mente escrava escravizasse outras mentes libertas. Assim, no fim, falta marginal e não sobra prisão para ninguém. - Ficamos agora só no conversê..., disseram Zumbi e Abdias enquanto caminhavam pela ponte poente.

terça-feira, maio 06, 2014

Só teoria

  
Zumbi (dos Palmares) levantou com milhares de movimentos [Abdias (do Nascimento)
locomovendo por baluartes pensamentos, um movimento torto, quase-morto...

solto entre as devoradas mentes escravas das palavras rasas
das imagens de primeiro plano sem fundo, sem dentes, faltando a profundidade
enxergando os detalhes das asas, como desenho no pano da integridade
daquele coração pintando a alma desde a respiração

transformando o animal humano além da distração [do tempo
compartilhando a igualdade debaixo de toda a aparência da pele, sentimento

sem entendimento da banana fruta ser outra luta, condicionada liberdade de expressão
filho da evolução, netos da revolução,
Darwin desdenha da propagação
porque a perpetuação da espécie, pode vir em espécimes
mas vem da flexibilidade e da capacidade de reflexão.


(às 13h13, Rafael Belo, segunda-feira, 05 de maio de 2014).

segunda-feira, maio 05, 2014

As aparências ganham por um tempo depois não enganam mais

por Rafael Belo

Por mais aparente clichê, ainda é verdade. As pessoas adoram se enganar pelas aparências. A beleza segue sendo a atração magnética mais forte do planeta, depois do dinheiro... Como a Lei da Gravidade. Se for com o mesmo peso ou mais leve não ficará no ar. Cairá. Nariz empinado sempre acaba quebrado. Mesmo naquele pedestal para quem tem traços nórdicos e simétricos, principalmente. Mas quem agrada a olhos condicionados também tem seu próprio pódio. Até o comportamento demonstrar ser possível provocar o contrário, provar o avesso. Quando isso acontece, as aparências não enganam mais.

A boa aparência nem sempre se revela uma casca vazia e lustrosa, seria preconceito dizer algo tão superficial. No entanto, poderia bastar uma estada nos nossos conceitos com duração indeterminada e algo começa a cheirar como um cadáver em instantânea decomposição onde, há instantes, ainda havia um corpo quente. Infelizmente, quando a falta de conhecimento era maior e as diferenças sociais eram mais gritantes e menos noticiadas, como mortes... Assim também era. Antes de nós e de toda nossa árvore genealógica. Evoluímos no conhecimento, na tecnologia, mas e na educação e consciência? Parecem banalizadas como o Amor. Assim com a maiúsculo mesmo porque o minúsculo se tornou uma virose, uma despedida depois de qualquer encontro.

Sabe? Como aquela conversa forçada, aquela visita inconveniente... Aquele mal-entendido... Aquele argumento inventado, oco... E o nariz começasse a mexer como se coçasse em um ponto inalcançável. Ou começássemos a cantarolar “Desde os primórdios até hoje em dia, o Homem ainda faz o que o Macaco fazia...”, evocando Homem Primata do Titãs? Comêssemos uma banana e nos tornássemos extraordinários ícones contra o racismo? Então, continuamos pobres assim, podendo sempre dizer: Ok! Te amo. Fingiríamos nada ter acontecido e descascaríamos os colhões, e todos os abacaxis, rasgaríamos as saias e continuaríamos endeusando atitudes simples (mais necessárias), machucando nossos orgulhos feridos...


Seguiríamos esquecendo Abdias do Nascimento (político e ativista social brasileiro, ícone da defesa da cultura e igualdade dos afrodescendentes no Brasil). Abdias viraria um viral, reviraria na sepultura, se transformaria em um Zumbi (dos Palmares) e experimentaria estes poucos cérebros escravos vazios da nossa sociedade. Fazendo tanto alarde nesta nossa espontaneidade programada. Neste nosso sincero planejamento de passos na nossa sociedade de exaltação do poder, glória, fama, do espalhar do tal glamour da beleza, da falsa inocência e do cúmulo da ignorância. Beleza? Acaba não sendo relativa. Ganhamos nossa própria relatividade e subimos na árvore de onde nasce o sol.

sexta-feira, maio 02, 2014

Antes da sanidade (miniconto)


Por Rafael Belo

Pré-são, Léo sentia a pressão. A loucura batia de frente, distribuía tapas na cara... Léo escancarava a boca e cada vez mais respirava fundo. Se precisasse respirar um tantinho mais viraria precipitação. Subiria aos céus e despencaria como se um oceano sem fim vazasse das nuvens cinzas. Estava tudo salgado demais. Choveria triste porque buscava seguir o padrão. Tinha medo de se destacar e suprimia qualquer brilho a mais na possibilidade de aparecer. Reprimia-se e se escondia no seus próprio bastidores. Para isto havia a lista.

Léo listava lado a lado seus limites. Planejava suas falas, marcava as horas de cada um... As pessoas tinham seus hábitos controlados por horários e Léo sabia onde cada um estaria e fazendo o quê. Então, ensaiava diálogos com ele mesmo no espelho, mas como se fosse a pessoa com a qual iria se encontrar por “acaso”. Não conhecia realmente nenhuma das pessoas. Aproximava-se e ouvia. Com o tempo sabia nomes e gostos. Isto fazia as pessoas se sentirem em um ambiente agradável, conhecido, então falavam sem saber o motivo de contar coisas pessoas a um desconhecido.

Por isso Lé sentia a pressão e sua pré-sanidade, porque nunca se sentiu são de fato. Algo lhe dizia não ser natural ser assim. Listar o nome de todos e marcar quem são, como são e onde vivem... Ele se achava louco, mas não era consciente, então quando a loucura começou a distribuir surras para ele foi... Foi quando a fumaça começou a sair em espiral das suas narinas, seus ouvidos já formavam uma nuvem densa. Até seus olhos e boca esfumaçavam... Ele não admitia ser mais uma peça fundida nesta engrenagem ensaiada e bem maquiada da sociedade.

Caiu, correu... Queria chegar antes da sanidade. Conseguiu. Estava misturado a uma chuva torrencial e incrivelmente quente. Todas suas anotações e arquivos salvos no seu celular se perderam ali. Em um insight percebeu a inutilidade de ser previsível e agradável. Quanto faltava de personalidade disso. Ele era um puxa-saco nato. Um bajulador de todos, mas desinteressado... A não ser no fato de querer se misturar, ser parte. Mas, neste insight viu a si mesmo sendo outro, um instrumento vivo sem utilidade. Agradeceu a chuva por acabar com suas listas e planos. Agora, realmente, estava antes da sanidade. Era só consciência e liberdade. Sentia-se nu pela primeira vez. Prometeu viver pelado como um pássaro presente, mas misterioso.

quinta-feira, maio 01, 2014

unanimidade

saiu do velho papel, se digitalizou na tela... Uma cratera...
virou viral em todos os bytes acessados
foi para o real confuso com o virtual, podia ser rasgado

um banco de dados sentado em bandos sem memória
uma trajetória anarquista, do único pensamento, na lista

do mais vendido naturalista, vivendo vestido [e nem são suas roupas
 poupa pensar diferente quando se apalpa a história e todos estão lendo o mesmo livro

morto arquivo do viral virando vírus vivo, físico
típico texto todo trabalhado, para parecer científico em pequenas doses

trote da nudez proibida e castigada na castrada opinião avacalhada de hipótese onde sempre há o  diagnóstico: virose.


(às 17h50, Rafael Belo, quarta-feira, 30 de abril de 2014).