Zumbi esperava
Abdias. Quando se encontravam no mesmo plano, ele foi ao seu encontro. Foi aquele
conversê. Quase anos de conversa para pôr em dia porque ninguém invade
pensamento. Falaram de tudo ser uma questão de pele, aparências porque no fim há
uma minoria contrária a dividir, reticente quanto a igualdade. Querem a
liberdade, mas só ser for a dela. - Aliás,
a própria, corrigia Zumbi. - No fim é
tudo questão de ego, emendava Abdias. Emboscado,
degolado, mutilado... Assim sobrevive o pobre todos os dias, lembrava Zumbi.
- ... E às vezes, a cabeça já não está
mais no lugar! Traição!!, - completava em lamentos Zumbi.
Abdias refletia sobre
os 316 anos entre sua morte e a de Zumbi. O mito. Quanto o pobre não é
humilhado, ignorado, jogado para a periferia...? Realmente à margem de tudo e
de todos.... Como se entendesse e ouvisse os pensamentos de Abdias, Zumbi dizia:
Salve tio Ganga-Zumba primeiro líder de Palmares, libertador dos nascidos palmarinos, ele bem
sabe desta tua angústia Abdias. Ativista, político, ator, artista, Abdias
era um guerreiro diferente de Zumbi. Passou dos 40, mais que os dobrou, foi a
97... A mesma luta com forma diferente, mas para Zumbi, Abdias tinha o jeito de
Zumba.
Claro que tinha. Política
democrática foi o que imperou depois do Império. Zumba negociou paz, terras e
liberdade. Zumbi lutou no corpo a corpo por liberdade e igualdade. Precisou de
sangue. A reconhecida natureza pluricultural e multiétinica do país foi uma
vitória conquistada por Abdias e garantida como direito na Constituição de
1988. O passado sempre presente. As aparências
sempre a frente e nós nas cotas. A improvável dupla. Um mais de tricentenário.
Outro centenário. Olhavam em frente com toda a bagagem reluzente dividida com a
rapaziada e a moçada, ainda marcada pelo ego do passado, pela arrogância do
presente e o amarrotado futuro...
Para Zumbi e Abdias
estava tudo ainda no escuro (ainda assim com foco de luz). Para o ilustre
dueto, apesar de tanta luta, aliás... Mesmo com tanta luta, com tantas
vitórias. Ainda há escória por toda parte. Às vezes escondida, pronta com a
maçã e o bote para, se der sorte, afetar a autoestima de um afrodescendente,
nipodescendente, humildedescendente e de cada mortal diferente. Gordinho,
deficiente, baixinho, altinho, aparelho nos dentes, manco, óculos nos olhos e
qualquer acessório. Assim o outro utiliza a esfarrapada (des)culpa. Mas, eles
acreditam que pobre mesmo é esta gente. Sabendo
ser brava, latente, valente prefere diminuir a evolução e se excluir do daqui pra frente. Como se de repente, só
esta pobreza de mente escrava escravizasse outras mentes libertas. Assim, no
fim, falta marginal e não sobra prisão para ninguém. - Ficamos agora só no conversê..., disseram Zumbi e Abdias enquanto caminhavam pela ponte poente.
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