Airam
havia acordado perdida. Suas memórias doíam, sua cabeça latejava. Alguém havia
lhe pego na covardia e acertado sua nuca. Ainda bambeava. Balançava e andava em
círculos. Por isso, nem bem levantou já estava no chão. Focou melhor a visão. Estava
na dança da cabecinha da bêbada. Esticava o pescoço e apertava os olhos. Depois
recuava o pescoço e o tronco, virava a cabeça e apertava ainda mais os olhos. Uns
cinco minutos depois entendeu. O sol estava nascendo e à sua frente estava duas
vacas e uma galinha. Não eram aquelas três fofoqueiras da esquina da sua
casa... Tinha certeza. Só não entendia aquela história de mãe... Ela não era
mãe... Era?
Mas
a história da filha, ou melhor, da menina fazia sentido. Há 21 anos ela teve um
aborto espontâneo aos 8 meses. Adolescente, primeiro filho... Era normal, disse o ginecologista na época. Para Airam
tudo bem. Ela não queria perder a juventude. Mas, guardava uma amargura e um
rancor... Ambos sem tamanho. Isto havia resultado naquela gastrite nervosa. Ela
não se importava e alimentava ambos. Não aceitava brincadeira. Não perdoava. Deixava
tudo lhe fazer mal e o mal não perde oportunidade de ser feito. Mas, filha
não... Não é?! A suposta filha falava ter ouvido a avó contar a história da
herança do pai e como haviam planejado dopar Airam.
-
Aquela sogra temporária, gritou
Airam. Se for verdade claro, pensou. Depois
disso a jovem dizia ser idêntica a ela. Se fosse mesmo, talvez... Somente
talvez, Airam acreditaria. Ela tinha a respiração forte e rápida. Seu olhar
ainda estava direcionado aos três animais ofendidos pelas vizinhas fofoqueiras,
mas ela forçava a mente e toda a vez... Quando ela fazia isso... Pronto. Teve
um novo lapso. Lapso de memória. É claro. A história toda da gravidez foi
parida em partes. Durante toda a gestação ela esteve dopada em uma clínica psiquiátrica
clandestina. Totalmente legal na fachada e de criar bicho de sete cabeças. Era um
respeitado hospital... De repente havia
um espelho na frente bloqueando as vizinhas... Sua filha.
Tinha
certeza, agora. Era idêntica a ela. Sua filha... Isto dentro do peito era Amor?! Novo... incondicional... Grandioso...
Toc... Lá estava Airam no chão de novo. Como aqueles clichês literários, seu
inconsciente tomou conta. Estava consciente e lembrava da riqueza de sangue de
seu namoradinhos de 15 anos, há 21 anos... Bebeu... Eles não usaram proteção...
Ele morreu no mesmo dia... Bêbado provocou um acidente e não sobreviveu para
ver quantos havia levado com ele. Airam? Ela estava de cinto no banco de trás. Nem
sabia o porquê... E agora... aos 35 anos tinha uma filha de 20... Tinha este
Amor, esta vontade de proteção, mas Airam era puro rancor e revanche. Ah, ela
teria revanche e pelas feições tão conhecidas daquela desconhecida filha ela
pensava o mesmo. Era duas rancorosas, mas mãe e filha.
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