domingo, dezembro 09, 2012

De olho



De olho


Mudava todo dia
luz sombra sinestesia
os detalhes ofegantes ofegavam
distantes, na ponta do olho estavam

o inexplicável e o explicado
congregavam a comunhão
instável lá fora na trajetória da janela

estava o estado das alianças da paisagem, uma tela

sombra luz e movimento afagando a dança
das cores que pintamos da nossa cela.

(Às 15h, Rafael Belo, terça-feira, 04 de dezembro de 2012)

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Miniconto - Parte



Miniconto - Parte
por Rafael Belo

Simplesmente estava lá. Mas, se passaram dias para as pessoas notarem. Só ainda não sabiam se ele esteve o tempo todo naquele lugar ou se todo dia, pouco antes de olharem, ele chegava. A verdade é que nestes dias de surtos mais divulgados achamos ser mais frequente perder a cabeça e tememos entrar em contato com o “desconhecido”. O “desconhecido” no caso era um político. Ocupava o tempo ocioso das sessões para ler e incrivelmente não dormia com tanta monotonia. Nestas leituras, de terça à quinta, descobriu algo novo: a contemplação.

Já nem ia mais as sessões, mas sua ausência nem era notada, inclusive pelos próprios colegas. Tanto o era que na “lista de presença” ele constava presente. Enfim, por algum destes motivos que não cabe a nós reles humanos explicar, o nobre parlamentar começou a passar dia e noite atrás de qualquer autor e livro sobre contemplação. Encontrou um templo budista em Campo Grande onde um monge shaolin (um chinês que meditava dias a fio sem comer e beber e tinha o corpo e a mente de aço) vivia isolado. Aprendeu a se camuflar, a ser absorvido pela paisagem. Percebeu não servir para política por não fazer nada – mesmo que exista aquele aptos para o cargo de nada fazer.

Partiu para a escrita. Prometeu a si mesmo escrever para despertar os detalhes de observar nas pessoas. A contemplação iria triunfar e ele seria o instrumento. Para tanto iria fazer diversos testes. Como dito pelo chinês as pessoas não viam realmente o que estava lá. Cada manhã passava horas nos lugares até uma criança mal cuidada e inconveniente o revelar. Mesmo assim demorava para os adultos darem atenção. Quando davam ele saia na primeira distração. De longe observava mais um pouco e então partia para a próxima parada.

Chegou a Casa onde antes trabalhava. Chegou cedo. Ninguém o fazia. Ficou lá meses e meses. E um dia ouviu alguém tentar se lembrar dele ao conversar com outros funcionários e de repente alguém o viu, mas sem o identificar. Ele não comia e não bebia. Era improvável que em seu atual estado fosse reconhecido. No entanto, ainda queria ver até onde chegaria a multidão de funcionários a ser formar com os rostos, corpos e dedos apontados para ele. Eles entraram e decidiram que sumiriam com aquele louco dali. Viram as gravações das câmeras externas e se assustaram. Perguntavam-se quantos ele havia matado.

Quando ele os viu sair. Sorriu sem saber que seria linchado e humilhado quase até a morte por observar demais.

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Como uma ostra


Como uma ostra
por Rafael Belo

Observar parece algo distante e longe da concepção da interação pelo simples fato de termos sempre de emitir opinião e compartilhá-la. Não podemos apenas observar e usar a imaginação para as possibilidades. Por quê? É possível estar no lugar e permanecer ausente. Não é preciso de um analista para fazer um laudo afirmativo e comprovar esta prática humana. Mas, “somos obrigados” pela convenção social a abrir a boca mesmo se for para esvaziar o vazio. A presença não basta. Então, como uma ostra vamos guardando pequenas mentiras ditas a nós mesmos até as pérolas saírem.

Gosto de observar como se fosse parte da paisagem onde acontece a situação diante dos meus olhos e até como se eu fosse a situação. É um exercício integrante da calma. Permite uma visão o mais completa possível de qualquer coisa. Muitos pássaros o fazem. Da janela do gabinete há um recorte do movimento da natureza lá fora. Vejo através janela. A água cai do ar-condicionado e forma um mini-lago lá embaixo. Entre o almoço e o retorno ao trabalho, um pássaro preto saltita silencioso e olhando para todos os lados bebe da água, olho novamente e bebe uma última vez antes de alçar novo vôo.

Como percebê-lo ou aos demais pássaros, principalmente os diversos tipos de beija-flores buscando o néctar das flores lá fora, se estivermos sempre ocupados com algo? Falando, pensando, tentando sempre interagir e participar de seja lá... Nossos supostos silêncios estão na verdade participando de algo maior, mas no meu caso estão criando porque dificilmente vou encontrar palavras para descrever o sentimento de tantas cores e movimentos. O interesse da sombra na luz e o da luz na sombra. Esta dança diária diante de nós é intensa e nosso objetivo é apenas sobreviver mais um dia...?

Absorver a dança da vida da pequenez e a força excomunal da delicadeza de um beija-flor afagando o mundo com suas asas para se manter no ar e se alimentando é algo difícil de se conceber com sonoplastia. Por isso, se como uma ostra guardar pequenas mentiras, poucas horas depois meu corpo padece parcialmente como meu reflexo interno e o incômodo dessa “sujeirinha” se transforma rapidamente em uma pérola oca sem valor envergonhada dentro de mim... Também é bem possível se transformar em algo subjetivo... Porém, se como uma ostra acumular silenciosas observações (como a do pequeno grande pássaro), elas gritam uma pérola robusta e única simplesmente porque vi o que me era possível enxergar através da janela. 

domingo, dezembro 02, 2012

Pontes da gente


Pontes da gente

Na totalidade dos detalhes
se fez a paz nos entalhes 
da longevidade do presente
tranquilamente corrente
na consequente paz
de sair, sem mais,
do caos das grandes e pequenas capitais

Habitadas dentro de nós por extensões de pontes
fontes aos montes do nosso monte sagaz da ternura em sauna
vestindo sobre a pele a alma e por dentro a calma.

(Às 12h56, Terça - feira, 27 de novembro de 2012, Rafael Belo)

sexta-feira, novembro 30, 2012

Nosso silêncio falante


Nosso silêncio falante
Por Rafael Belo
Houve o costumeiro ensurdecedor silêncio e então amanheceu. Ele sorria e deixava a paisagem mais divina do mundo o absorver. Todo dia era diferente, era uma nova alvorada, era uma nova calma o fazendo ver à totalidade do mundo em detalhes. Como eram importantes os detalhes! Cada raio acariciando o dia e o fazendo tinha sua particularidade. Ele não passava o dia se não acordasse com os primeiros raios e os sentisse acalorarem sua face inchada, mas feliz. Às vezes, sonhava com o sol em plena noite sem luar.

Ele aproveitava os olhares e procurava cada um deles em cada olhar. Sorria sempre se possível porque afinal de contas era um humano como outro qualquer. Sua diferença - gostava de acreditar - era esta atenção dada a todos, a alma nos olhos e seu sol sorrindo particularmente quando era possível. Tinha lá muitos problemas, mas se comparados com quem não tinha família, Amor, casa, sanidade, emprego, transporte, esposa... Eram ridículos. Era feliz na maior parte do tempo porque escutava as pequenezes cantando em um João de barro, um bem-te-vi, um sábia, um gesto de irmão.  

Havia coisas a o tirarem do sério. Mas podia sempre respirar, sorrir, dar uma de contrário: quando o xingavam ele respondia com elogios... Certa vez estava tão aéreo - devido a fatos importantes a serem contados em outra ocasião – que deixou todo seu dinheiro (guardado há um ano para acabar com as dívidas e limpar seu nome e da esposa) em cima do carro no estacionamento enquanto falava ao celular e arrumava seu espaço de motorista no veículo. Entrou no carro. Sentou encaixou o cinto. Ligou o rádio e procurou suas músicas favoritas no pen-drive, e pela primeira vez não olhou em volta para ver se estava tudo em ordem e no automóvel. Ligou o carro e saiu. Ao fazer uma curva ouviu algo pesado se arrastando pelo teto do carro...

Arrepiou-se de imediato. Sua respiração deu uma leve acelerada e olhava inerte para o retrovisor e viu livro, tablet e contas, mas não via o dinheiro. Onde estaria?! Parou o carro a alguns metros sem nada poder fazer. Era horário de pico. Todos os carros passavam em alta velocidade. Não pôde dar ré. Mas, viu uma criança de bicicleta parar próxima à suas coisas. Fez uma oração e seguiu o fluxo. Teve de passar por uma rotatória e dar a volta. Quando conseguiu voltar ao estacionamento nem se lembrava mais da criança. Desceu e correu. Aflito via apenas alguns papéis e (Não!)...

Seu livro ia sendo seguidas vezes atropelado. Pensou em correr na frente dos carros, mas sabia não ser possível pela altíssima velocidade. Respirou e esperou. Seu arrepio passara. Quando os carros diminuíram, foi ao meio da rua e pegou os vestígios do livro e das folhas. Lembrou do tablet, mas nem sinal. Seu dinheiro então...

Caminhou depois de olhar cada canto da área. Ao se aproximar do carro o tablet estava intacto e ele nem perguntou como apenas agradeceu. Resolveu voltar alguns passos e então olhou para lá e para cá e mais adiante. Percebeu alguém o observando. De canto de olho viu um homem moreno, perspicaz e sorridente se aproximar lentamente com uma sacola de papel com alguma marca. Sorriu de volta dando boa tarde, mas antes o homem o abordou co ma seguinte pergunta: Está procurando algo? Se sorriso aumentou e já imaginava o inimaginável para a maioria das pessoas. Sim, estou, respondeu. O quê? Olhando nos olhos respondeu novamente: sinceramente é uma pasta do tamanho deste tablet cheia de dinheiro. O mais improvável para tanta gente aconteceu.

Devagar foi tirando a pasta dele e a entregou feliz e sorrindo. Aqui está um garoto de bicicleta me entregou e disse que deveria ser de um homem com o seu carro. E foi embora sem dizer mais nada.

quarta-feira, novembro 28, 2012

Silêncio Profundo


Silêncio Profundo
por Rafael Belo
Basta olhar para ver a tensão no ar. Como se fosse possível pegar e sentir o peso nas mãos. Aos ouvidos parece ensurdecedor o som do ar escapando pela válvula controladora, de escape, de segurança... Exatamente como se cada um fosse explodir por cozinhar silêncios, pressionar revelações e guardar verdades. Não é normal todo esse estresse e diálogos deturpados. Não é! Estamos perturbados por pequenezes e coisas sem valor porque as acumulamos em um grande cozido indigesto! A paz deveria reinar em nós. A calma deveria sorrir acolhedora e toda a paciência necessária deveria vestir nossos olhos.

As roupas coladas nas nossas etiquetas são rótulos inúteis. Os círculos ingressados por nós são paliativos. Ambos porque não adianta a beleza das formas, não resolve os cortes das vestimentas, não acrescenta “estar sem estar”, não é suficiente todo o dinheiro que ainda venha a existir se nossas existências são apenas ansiedades, preocupações, intrigas, incômodos, fofocas, falatórios, verborragia e o porvir. Como dormir direito, comer corretamente, aproveitar o social, usufruir a família, os amigos, as folgas, a vida perante nossa mente totalmente atribulada e constantemente ocupada? É humanamente impossível (?).

Perdemos tanto com nossa imprudência e falta de percepção a ponto de ignorar os pequenos milagres no florescer do dia e sem enxergarmos os detalhes, a totalidade é perdida. Precisamos de muita calma para lidar com o mundo criado por nossos atos e não adianta dizer para ficarmos calmos. A tranquilidade e a paz são conquistas diárias. É necessário exercitar o corpo e a mente para nós manter altivos, ativos e longevos. Não há como mastigarmos a capacidade de ficar calmos em uma situação extrema, ou banal, se não soubermos nos alimentar da vida e dos viventes sem sermos uma simbiose, um parasita.

Há um silêncio profundo aguardando por nós, esperando para ser despertado em uma mente limpa. É possível sermos de paz, estarmos em paz, mas precisamos mostrar ao guerreiro em nós, que cada dor é um incentivo para não a sentirmos mais adiante. Um guerreiro bom é um guerreiro tranquilo e com a calma das estações. Se cedermos vez aos nossos reais guerreiros ouviremos os detalhes formando a totalidade do presente a moldar o próximo presente no minuto seguinte. Precisamos pensar e refletir para nos darmos contas das frases formadores de quem somos e das situações. Aí nossos sentimentos e ações serão cozidos ao sol de verão.

domingo, novembro 25, 2012

Em outro lugar


Em outro lugar




Algo chora dentro de mim, mas não me pertence
não sou eu quem está em agonia, são as fatalidades silenciosas em empatia
aos próximos, em um som gritado sem fim, são vazios e o vazio preenche
minha voz adoece em paradoxos para outras vozes se exaltarem em arritmia
e o sofrimento escolhido nada me perguntou ao me escolher nas folhagens

ele pulsa a doer, um receptáculo que me precede no espetáculo da sinestesia
uma casca potencializada pela esponja da alma desejando dormir
pálpebras pesam o olhar para onde descende a realidade e fantasia
pés zumbis se arrastam ficando ao ir
e no final... Eu não estou aqui.

(Às 13h07, Rafael Belo, terça-feira, 20 de novembro de 2012)

sexta-feira, novembro 23, 2012

Coma



Coma
por Rafael Belo


Ela despertou de repente. Não era ela. Mas no fundo dos olhos se enxergava. Nenhuma de suas lembranças tinha vínculo com este corpo. Quantos anos tinha?! Não era 20?! Porque este corpo de 30?! Quando se esforçava para lembrar sua última lembrança, apenas vinha a palavra como uma ordem. Hummm... Nãooooooo! Como uma su- ges-tão. Uma repetição cansativa e exaustiva coma coma coma... Depois a imagem de suas mão selecionando diversos tipos de alimento e em seguida a lengua-lengua alucinante: coma coma coma...

Sua cabeça doía muito e sua visão turvava. Depois ficava tão tonta, mas tão tonta a ponto de acordar muito tempo depois com hematomas e prometer não tentar se lembrar. Por todos os indicativos lembranças doíam. Mas, como todo ser humano ela precisava lembrar, nem se fosse para esquecer. Sua curiosidade sobre si mesma diante de toda aquela ala branca vazia e sem energia a estava deixando realmente fora de si. Onde estavam todos? Por que tanto silêncio? Afinal onde estava? Um calor abrasante a fazia encharcar seja lá o que fosse o que a cobria...

Pensou em fazer o básico. Aliás, atender as necessidades básicas do corpo. Ao se despir para tomar banho se retraiu de imediato com o reflexo do pedaço quebrado de espelho. Ela estava cheia de cicatrizes. Estavam em fase de assimilação, ou seja, estavam sumindo, mas lá estavam... Decidiu fazer uma cosia de cada vez e se preocuparia com isso depois. Abriu umas gavetas até encontrar uma toalha limpa. Abriu o chuveiro e esperou. Depois de muito barulho uma água vermelho-marrom começou a jorrar. Meia-hora depois a água clareou e ficou com sabor de água, ou seja, nenhum...

Bebeu e se lavou. Ouviu um som próximo, se assustou, escorregou, bateu a cabeça e apagou. Como se a água a levasse às suas lembranças adormecidas ela mais uma vez despertou, mas com milhares de imagens e milhões de sons. Levantou-se atônita e voltou para seu leito. Sim ela estava em uma ala psiquiátrica. Sentou e viu o avanço tecnológico daquele lugar que. Havia um estoque de alimento líquido e o conhecido soro, trocado automaticamente... Afinal ela precisava ouvir uma voz e resolveu falar em voz alta suas lembranças. Comi algo que atacou minha saúde e me induziu ao coma por dez anos. Ouvi vozes e mudei sem viver de verdade. Fui mantida viva... Por quê? Doía sua cabeça seu estômago seus olhos, ela iria desacordar novamente...!

quarta-feira, novembro 21, 2012

Lobos


Lobos
por Rafael Belo
O corpo costuma viver em contradição simplesmente por não resolvermos uma totalidade, só partes de nós. É neste momento que o autocontrole é destruído. E nossa casca, receptáculo da alma se sensibiliza e potencializa outros sentimentos de outros. Como se a empatia explodisse em todos os rostos assistindo ao telejornal depois do feriado e, ao menos por um momento, doesse ver as dores naquelas histórias distantes contadas na em reportagens na televisão. Como se não soubéssemos da verdade... Aquela na qual só daremos o valor preciso quando a fatalidade nos bater.

Você, então, quer uma coisa e seu corpo não responde. Está pesado. Caímos na depressão e a depressão caiu em cima de nós. Há algo estranho. Nosso corpo é estranho. Todo este estranhamento passa feito um vulto veloz bem na visão periférica do nosso olho já não tão bom assim. É um estado de choque evitado. Mas nos desequilibramos e passamos dos limites, inclusive do nosso próprio egoísmo. Sintomatizamos nossos silêncios e nossos exageros. O corpo reage e de repente estamos doente por de alguma forma nos negligenciarmos e pelos paliativos automedicamentos.

Dói cabeça, olhos, estômago... Os mais prejudicados. Por isso, refletir, pensar, silenciar e falar tem seu tempo e suas necessidades vitais para não nos acometermos na premonição de nossas fatalidades. Vivemos em guerra não declarada... Se discorda me responde qual seu momento de paz? Não precisamos estar sempre munidos de balas, pedras e línguas afiadas. Nosso olhar e nosso sorriso são desarmes avassaladores. Se atiramos, apedrejarmos e espalharmos veneno a reação em cadeia vira um ciclo viciante e vicioso.

Se não nos resolvemos quem o fará. Não aja sozinho haja o que houver. Precisamos ao menos, abrir a mão, os braços, o coração, mas antes de tudo é preciso abrir os olhos. O Homem precisa deixar de ser o lobo do Homem e lutar junto pela própria melhora e consequentemente do mundo. Lutar um contra o outro na prevalência do mais forte é o mesmo que virar as costas para o Estado e deixar os fracos agonizarem. Se seguirmos nesse canibalismo silencioso devemos nos destituir do significado de humano... 

sábado, novembro 17, 2012

Enfim até o fim


Enfim até o fim
Enfim chegou o aroma da vida
assim como a intensidade da explosão das estrelas
laços se enlaçaram no cume da Alma sem algibeiras
em marfim vivo na proliferação da base do mundo

Constelações migraram para o raro brilho do Amor
os sims foram ditos e reverberaram para o mais profundo

haveria dor, mas onde não há o calor canalha
haveria um fundo, mas cada vez mais fundo seria cavado

um ponto seria marcado até mudar para reticências
e a acentuação do coração só seria acertada, enfim, até o fim
[ dos Tempos].
(Rafael Belo, às 16h03, segunda-feira, 12 de novembro de 2012)

quinta-feira, novembro 15, 2012

Felizes para Sempre


Felizes para Sempre
por Rafael Belo

Uma onda de protestos arrasava as cidades e os corações. As cidades porque começavam com turbas reunidas e terminavam com multidões enfurecidas cegas em destruição. Os corações porque eram despedaçados por um bando de impropérios derramados sobre a insegurança. Tudo pelo dito falido Matrimônio. Estavam todos a procura do único “casal sempre” em busca do Felizes para Sempre. As pesquisas apontavam haver apenas um deste tipo. Desde, então, aonde quer que haja pistas do casal cada vez mais pessoas se apresentam para acabar com esta... Esta... Impossibilidade.

Não se sabe ao certo em qual momento da história tal revolta da incompreensão aconteceu, mas desde o começo dos anos 2000 o casamento é tratado por teóricos e práticos como uma instituição falida. Mas, diz a lenda o “Casal Sempre” ter surgido em meados de 2021 quando casaram em um missa matrimonial secreta, no meio do Pantanal. A celebração foi consagrada pelos noivos e as testemunhas eram poucas, mas entre elas era o extinto Padre. Seguidos e realizados os ritos aconteceu o primeiro e único Matrimônio até então.

Todos achavam ser um mito até um vídeo aparecer no FaceAll e se tornar viral. Peritos garantiram a veracidade das imagens, mas não foi divulgada por anos até os mastershackers vazarem o “incrédulo” conteúdo. Uma manifestação virtual foi sacramentada em um pacto no FaceAll e o Ato Contra o Casal Sempre (ACCS) começou. Na última décadas muitos supostos casais factuais e efêmeros foram confundidos e destroçados por membro do Ato. O ACCS acredita estar prestes a dar cabo desta distorção da realidade. Eles possuem um vídeo ainda pior.

Datado de data recente, o novo vídeo chocou profundamente e deixou desnorteados até os torcedores secretos do “Casal Sempre”. Eles contam como se conhecerem, as circunstâncias, as superações e no fim do vídeo olham para o aparelho registrar do som e imagem e dizem: “Escolhemos continuar uma Paixão avassaladora para um Amor imperturbável porque confiamos na resolução do que quer que seja, confiamos em Deus e acreditamos na escolha de sermos Felizes para Sempre...”!

terça-feira, novembro 13, 2012

Escolha


Escolha
por Rafael Belo
Todos temos escolha nas nossas encruzilhadas. Podem ser escolhas bem ruins, mas as temos. Elas normalmente precisam de fundamento, de razão e equilíbrio, mas quem fizer o teste de normalidade será sumariamente encarcerado no lugar-comum, na improbabilidade, na margem da imprecisão de uma pesquisa comprada. Simplesmente porque nos quesitos Paixão e Amor a explicação vem por último - quando vem.

Você se apaixona sem escolha. É a pele, a tal da química, a beleza, a atração física mesmo e caso não haja uma evolução nesta superfície é o fim. Depois vem o Amor. Profundo, no olhar, no coração, na alma, nos defeitos, no dia-a-dia, na convivência e nossa escolha de querer a continuidade deste Amor.

Na minha visão estas são “as regras”. Se quiser Amar precisa renegar muita coisa e as tentações estão por toda a parte. A força está em continuar e escolher estar bem consigo e o outro. Tudo vem em processos de tempos diferentes. Retalho estas partes para chegar ao Matrimônio. Estou nesta fase e amanhã será consagrada no Civil. Na escolha dos padrinhos, amigos e familiares (bem estes últimos sem escolha) analisamos e no fim dos nomes chegamos a clara conclusão óbvia da futura chateação de muitos. C’est la vie...

Nossa celebração da nova vida dedicada a nossa família formada precisa ter presentes quem nos conhece, quem vai compartilhar da nossa Felicidade...  Aqueles rostos a estarem rindo e chorando conosco, a nos fortalecer e ajudar no caminho. Durante a maratona de entrega dos nossos mais de 160 convites vimos estes laços fortalecidos e se fortalecendo no brilho da presença destas pessoas. Amigos e familiares. Familiares amigos. Escolhemos continuar a vida juntos e com a presença de vocês em nossa vida.

Nossa certeza é este Amor fonte da Vida a divinamente nos preencher e transbordar ao nosso redor.  É tanto sentimento de infinito só pode ter o nome de Deus. Escolhemos juntos enfrentar tropeços, doenças, erros, desentendimentos, sacrifícios porque todo o oposto nos une o suficiente para um Eu Te Amo vir sempre com gostinho de insuficiência nestas palavras perante os ditos do corpo e todo o sentimento incondicional brilhando nos olhos. Esperamos que todos escolham um caminho assim: de desafios.

sexta-feira, novembro 09, 2012

Fantástico


Fantástico



Bem-Te-Vi na natureza toda bela e alegrada
com certeza de si mesma
com toda a destreza da simplicidade mais sonhada
sem qualquer uma das sete cabeças
sibilantes serpentes e ardentes dragões na jornada
da alta temporada dos sonhos sonhada, seja

sonha o sonho conosco, com nosso sonhar
no equilíbrio suntuoso - fantástico - da aventurada alvorada revoar incertezas
do luto literal no teatro proporcional da cabeça própria perdida, rolando no ar
enterrando o visto no imaginar o contraditório, o ensinado, perder e ganhar... Avarezas.

(Às 16h57, quinta-feira, 08 de novembro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, novembro 07, 2012

Miniconto - Morte dos sonhos


Miniconto - Morte dos sonhos
por Rafael Belo
Todas as noites o mesmo sonho deixava sua cama encharcada. Bem não era bem o mesmo. Era uma continuação. Mas vinha do princípio até um capítulo totalmente novo. Morando sozinho ninguém o ouvia no isolamento de sua casa. A verdade é não ter sido sempre assim. Bem mais verdade é dizer este ser o sétimo capítulo. Tão real a ponto de no final de cada noite precisar de uma hora para seu corpo voltar ao normal. Suava litros, arrepiava tudo, ficava tão ofegante a ponto do ar faltar, seu coração doía como o começo de um enfarto e seu rosto repuxava a partir da sobrancelha esquerda como os sinais de um AVC. Depois passava...

Passar não passava... Passados sete dias de sua chegada não passou um dia sem tentar entrar em seu carro e partir. Porém, um hálito paralisante o impedia junto a um odor... Sua felicidade de ter herdado de uma mãe desconhecida aquele chalé nos confins do norte de Mato Grosso do Sul passará logo na primeira noite. Ele nem sabia a existência de tal mãe e não havia muito a esperar de alguém que se desfez dele. Agora ele sabia. O chalé estava intacto com móveis valiosíssimos, mas mais estranhos eram os milhares de apanhadores de sonhos de todas as épocas e modelos. Tudo era decorado com os apanhadores menos o único quarto. No quarto havia uma Hydra.

Ela era a protagonista dos seus sonhos. Todo dia começava com um fim de noite onde ele cortava uma cabeça da Hydra. Agora ela tinha sete... Tirando a primeira noite onde ele correu, nas demais se sentiu um herói. Mas esta noite ele temeu dormir e permaneceu acordado, mas passada 164 horas ou quase sete dias... Ele alucinava com a Hydra e o chalé estava totalmente destruído. Portas e janelas não abriam. Era uma prisão. Mas a apenas quatro horas do sétimo dia insone total ele apagou. Imediatamente um dragão com cabeças de serpente começou a sibilar ao seu redor.

Todas as cabeças foram cortadas. Mas ele não sabia toda a história mitológica. Ao virar às costas para seus sonhos, ao ignorar os apanhadores de sonhos, ao não procurar significado de fins foi direto a cama feita a esperar... Sete cabeças se transformaram em 14 e seu sonho o ignorava então, mas não virou às costas para ele. Avançou e em pânico ele se entregou ao sono equilibrado do luto teatral de sua própria cabeça perdida.

segunda-feira, novembro 05, 2012

Nossa Hidra interior


Nossa Hidra interior
por Rafael Belo

Pensamos sermos imunes a perda e ao contrário sempre perdemos algo. Nossa insegurança e falta de propriedade de nós mesmos deveriam nos mostrar não sermos donos de nada, principalmente do amanhã. Mas com nosso hábito de abrirmos os braços e abraçarmos o mundo, falta prioridade. Sobra vontades indefinidas porque ao olharmos adiante está tatuada a paisagem permanente insistindo em ser um nevoeiro leve, mas suficiente para nos perdermos.

Somos treinados educados para vencer, vencer e vencer, por isso, toleramos a derrota - não a aceitamos. Criamos subterfúgios para a decepção tornar-se um paliativo, um genérico com outros méritos. Claro, estes méritos existem... Só não acreditamos totalmente neles. Esta descrença vem da clareza forma escolhida pelos pais e sociedade de nos criarmos. Praticamente definidos por linhas escritas por extensões paternas, religiosas e sociais. Por mais exceções sermos, não há esta total fuga mesmo se tentamos ser constantemente os anti-heróis.

Perder é uma hidra. Esta espécie de dragão mitológico nunca perde as sete cabeças de serpente por mais a serem decepada. Nascem duas no lugar. Só o odor e o hálito do ser causam tormento mortal. Os pescoços precisam ser queimados e a cabeça central – a imortal – enterrada. Só assim o animal da mitologia morreria. Talvez em algum ponto da História Antiga surgiu o lugar-comum: perder a cabeça. Ou talvez era usado na Roma Antiga porque muitos a perdiam literalmente... Mas o regenerar da nossa cabeça perdida leva um tempo de luto maior ao teatral feito por nós.

Perdemos o tempo todo e sabemos disso. Nesses nossos momentos de irritabilidade, instabilidade e de moral dúbia a perdição é indispensável. Perder é uma necessidade por mais contraditória ao nosso aprendizado, aos nossos anos escolares, a esperança, a fé, aos nossos pais e desejos deles e nossos. Difícil é aceitar o equilíbrio entre perder e ganhar...  Mas mais... Mais além do significado de perder, o da morte deveria pairar em cada uma de nossas derrotas. Devemos priorizar na nossa lista de afazeres quando qualquer coisa cortar e cauterizar as cabeças serpentes da nossa Hidra interior e depois enterrar a cabeça principal e colocar uma pedra em cima. Quem sabe com um epitáfio.

sexta-feira, novembro 02, 2012

Repetindo ontem


Repetindo ontem

E o amanhã terminou sem o hoje chegar
na emoção de ontem se repetir
o fim se antecipou antes do começo estar lá

não havia como prosseguir
estando todo o meio jogado pelo ar

a inteligência se perdeu no recheio de persistir

soletrar ra-ci-o-ci-nar no vir dos últimos suspiros

suspirados já eram, foram absorvidos pelo vazio
do conteúdo da superfície da poeira dos espirros
salientes das saliências do umbigo de máscaras do martírio

egoístas da ignorância a ignorarem a morte da razão.

(às 11h34, quinta-feira, 1º de novembro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 31, 2012

Miniconto - Nunca antes...


Nunca antes...
por Rafael Belo
Ele olhava para o chuveiro na madrugada e deixava escorrer aquela água enfumaçada de tão quente mesmo com o botão no desligado. Com a água devedora do refrescar todo o período eleitoral ia pelo ralo e toda lembrança recente rodopiava junto. Aquele som de chuva encanada permitia o fluir das idéias e tudo havia acontecido com a descoberta política da internet como nunca antes na história deste país virtual... Mas aquele último banho de pensamentos seguiria de nada porque o amanhã já não existia. Agora ele havia terminado.

Mesmo sendo inodoro, o cheiro dos esgotos derreteram as telas de acesso à internet de dentro para fora. Se formos falar do início demoraria muitos livros para explicar os reveses a culminarem no baile de máscaras. Então, vamos editar. No Facebook chegou o convite para o evento e até as hastags do Twitter divulgavam a festa. Era uma reunião marcando extraordinariamente a mudança de local e data do fim do mundo. Nada de 21 de dezembro. Tudo aconteceria no dia 31 de outubro a partir do primeiro minuto na Gruta do Lago Azul em Bonito.

Havia gente de todo pedaço político do planeta escolhidos a dedo. As pessoas foram chegando e contaminando o ambiente. Cada degrau estava ocupado e a ocupação se estendia até em flutuação nas azuis águas. A maturidade ficara perdida em inscrições não vista na entrada da “caverna”. Nada conquistado, sentido, falado valia mais. Mas o mais estranho era o silêncio. Apenas sons, flashes e um tec tec tec. Todos haviam recebido os últimos Iphones criados e cada um tinha o contatos de todos ali selecionados. Lá fora havia choro, ranger de dentes e todo tipo de gritaria e sons incompreensíveis. Eram dos que propositalmente viram o convite, mas não foram selecionados.

Aquele autismo egoísta egocêntrico nunca antes havia estado em situação de coletivo. E lá fora, os excluídos também tinham smarthphones. Auxiliados por um “revoltado hacker” tiveram acesso ao selecionados. Mas nenhuma rede do mundo aguentaria tanta falsidade, tantas máscaras caídas, tanto desperdício de inteligência, tanto raciocínio montado, tanta ética em algum labirinto desconhecido, tanta falta de conteúdo, tanta moral na sarjeta das timelines quanto raciocínios ralos rareando... Então, antes do sol nascer ele abraçava os presentes, os ausentes e os excluídos. Nunca antes a rede mundial havia caído para não mais se conectar e o amanhã terminou por não conseguir se levantar.

segunda-feira, outubro 29, 2012

E terminou!

E terminou!
por Rafael Belo
Cada um oficialmente tem sua própria vida, mas nos tempos de monitoramento virtual em tempo real a conta se perde. Como se houvesse uma perda coletiva da noção do porvir e os esgotos da cidade derretessem com seu surpreendente odor – originário de nós - as formas distorcidas dos nossos bailes de máscaras diários. E como se não houvesse amanhã nos jogamos na defesa dos nossos empregos, dos nossos interesses, “ideais”como se fôssemos sem propósito, como se voltássemos no tempo onde nem queríamos ter maturidade, quanto mais responsabilidade. Por isso a pergunta incontida na boca é: E o amanhã terminou?

Para desgosto geral dos organizadores dos bailes de máscaras... Não. Terminaram as eleições, estes bailes e estas máscaras, mas ofensas, ataques e banalidades continuam nas timelines – e prints – nas páginas dos jornais, sites, depósitos dos canais abertos e os UFC’s confundidos com o Vale-Tudo - este último banido há tempos pelo dito do próprio nome... Tudo pela política, ou melhor, pelo pensamento individual de política de cada um online. E agora, passados dois turnos, sobrou o melhor: uma vida. Assim, nossos narizes vermelhos começam a ser revelados novamente...

Nesta hora o chão se abre e tudo volta para o esquecimento até daqui a dois anos quando votaremos novamente... Voltaremos nesta segunda-feira? Como costumamos fazer decerto, como se nada tivesse acontecido, como se uma amizade nada valesse, como se o baile continuasse, como se os jornais não escolhessem lados e os defendessem para atacar os lados opostos... Estes sãos os pontos onde a inversão de valores não só está em negrito e itálico como possuem imagens e sons salientes. Nestes particulares nunca é game over, os controles nunca são largados e a fase final só chega no último suspiro.

Por isso - e muito mais, a ignorância vence com cada um defendendo o seu e escondendo o próprio umbigo e viva a democracia e salve a liberdade, ou seria salve-se quem puder, ou então manda quem pode obedece quem tem juízo, enfim qualquer um destes ditados populares morais... Só vamos encontrar a moral antes, pois quem sabe nas proximidades esteja a tal da ética. Porque hoje, como nunca antes na história das eleições, o Vale-Tudo Eleitoral faz sua marca na terra do Facebook e a inteligência mais uma vez mostra não ser ter sacadas, falar o decorado e sim saber a hora de falar de calar e que para ambos é preciso ter conteúdo para raciocinar!

sexta-feira, outubro 26, 2012

Encalço descalço


Encalço descalço



Espasmos elétricos arrepiam o ar e a pele peleja tremula
a fricção da pragmática dos choques acumulados na areia
clareia um outro mundo encoberto de uma branca flâmula

flamejando coração e alma gerados e transformados em energia na teia
cadeia aberta em grades imaginárias correndo corrente em súmula
eletricidade estática a ressuscitar os ares que rodeia

até o vento despertar as imagens das mensagens da fórmula
formulam um rio de planos no abrir dos olhos e no leito ateia

o olhar de volta para o olhado em estranhamento
sem avesso, sem calçado, descalço no encalço
de sua silenciosa multidão.

(Às 20h06, quinta-feira, 25 de outubro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 24, 2012

Miniconto - Leito de areia

Miniconto - Leito de areia
por Rafael Belo

Quando pisou no leito daquele rio pela primeira vez tudo parecia normal. Mas, ela não sabia estar sobre uma falsa margem. Um bunker de areia formado na última cheia e desfeito em seguida. Isso sempre acontecia. Depois de uma torrencial chuva tirando toda a visibilidade da estrada ela chegou a Anastácio/Aquidauana. A tempestade implacável circulou durante as quatros horas gastas para chegar ao destino de seu feriadão. Ela ainda não sabia da história do leito de areia e como apreciou a solidão daquele lugar, lá voltou.

Adormeceu com o calor intenso e a pescaria frustrada. Ainda esperava se conhecer, finalmente... Olhou em volta e nada reconheceu. Não havia trilha no matagal pelo qual atravessou para ali chegar. Levantou com dificuldade pelo chão incerto e nem um pouco plano. Desequilibrou e rolou sem direção ou distância. Percebeu assim não estar no mesmo lugar e mais... Estava em movimento... E havia outro porém, seu espaço estava diminuindo e nas próximas horas acabaria sem espaço algum. Seu estranhamento consigo ficaria em segundo plano.

Aquela areia toda isolava a energia acumulada naquele corpo e era frenética a mistura dos pensamentos e sentimentos. Seu horizonte se aproximava e ao mesmo tempo as águas. A areia movediça se formava sob os pés e a sugava. Com todos os pêlos arrepiados, a eletricidade estática, formada de sua inação, fazia raios brancos e azuis estralarem... O impacto dos choques solidificava a areia antes isolante e a ilha arenosa aos poucos se tornava vidro. Foi assim que o leito de areia foi se tornando leito de vidro. Uma mudança mineral...

Cada grão de areia a receber seus raios do cúmulo da eletricidade acumulada, agora era a materialização de seus pensamentos, a escultura de seus sentimentos e toda aquela arte vítrea reluzia atraindo às margens tudo quanto é gente gritando e gesticulando embasbacadas. Os grãos de areia, ainda não molhados, se espalhavam ao redor dela com o vento a levar o antigo leito adiante. Uma redoma era formada envolta do corpo dela e ela nada ouvia e só via distorções. Assim, o leito antes arenoso agora era vidro. Uma arte ambulante. Sobre as águas chegava a ser transparente e invisível aos olhos desatentos... Mas olhares mais atentos viam a maioria dos planos dela e da imagem em si e o leito seguia pelo rio.

segunda-feira, outubro 22, 2012

Multidões silenciosas


Multidões silenciosas
por Rafael Belo
Sabe quando a eletricidade estática vira um gerador em seu corpo e os estralos dos choques dão impactos constantes em qualquer pessoa e metal tocado? Você sabe... Há algo a ser mudado. Há um sentimento silencioso se manifestando fisicamente. Há um impulso insistente retumbando pelo corpo até incomodar a mente. E somos diversificações de semblantes, e somos concentrações de energia. Esta energia acumulada precisa ser liberada, ser direcionada... É hora de abraçar mais, apertar mais mãos e principalmente andar descalço para ser hábito.

Por os pés no chão nos coloca em contato com o mundo e nos faz sentir a vida conectada. São multidões silenciosas mal acomodadas dentro de nós e não é só isso... Você não está sozinho. Basta ver a acomodação encalhada também na praia deserta de outrem. Há alimento em abundância, há água potável, há toda a sobrevivência e ponto. Nada mais. Mas é o suficiente para a vida, para todas as possibilidades e obstáculos nos nossos caminhos? Não é preciso responder o óbvio. Só é preciso sentir o vento soprar diferente, sussurrar um rumo desejado por nós interiormente...

Abrir os olhos não é só ver o primeiro plano da imagem vista. Há muitos planos nesta imagem, há ângulos demais para à primeira vista tudo ser enxergado. Mesmo porque a totalidade não nós é permitida, pelo menos não sozinhos. Existem influências e tendências no caminho de cada um de nós e são nós absorvidos de forma a somente nossa individualidade poder atar e desatar. Esta é a razão pela qual quando a compatibilidade de uma causa passa de 50% a adesão chega a ser avassaladora e, portanto, não é inexplicável (vale também para a amizade e talvez para tudo na vida).

Inexplicável poderia ser não haver o estranhamento de si em alguns períodos, pelo simples fato da imposição publicitária imagética ser tão forte por toda parte. Mas quando o incômodo começa, a mutação de gerador e transformador no nosso coração e cérebro uma hora ou outra nos consume. Somos consumidos. Não pelo mundo, pelo acaso, pelo óbvio... Por nós mesmo. E somos uma multidão silenciosa reprimindo o desejo de andar descalço e nossa energia se alimenta de nós, não ao avesso.

sexta-feira, outubro 19, 2012

Arauto das águas


Arauto das águas


A chuva escorria pelo rosto da noite
e chovia pelos ruas vazias feitos filetes de rios
cruzando a pororoca da impermeabilidade do asfalto

as águas trovejavam em um crescente posto em açoite
no descanso do silêncio das almas aladas presas aos corpos por fortes fios
 oferecendo o prolongar da correnteza na previsibilidade do arauto

o som vinha arrastando gente cansada de cansar e aos poucos foi-se
com chuva calorosa repentina rasgando o rosto da noite com brios

estralando no pavimento quente no ritmo cadente da preparação de um salto

a cantar seu canto em pranto do alto dos cios das águas descansadas... No fio da foice.

(Às 22h23, quinta-feira, 18 de outubro de 2012, Rafael Belo)

quarta-feira, outubro 17, 2012

Miniconto - Limites opostos



Miniconto - Limites opostos
por Rafael Belo
O trabalho havia chegado ao limite. Voltar ao antigo serviço não era mais possível. A exaustão já baqueava momentos de apagões inexplicáveis em meio a conversas animadas, no término de um trabalho complicado... Seu raciocínio rareava. Começou a não acompanhar mais o limiar das discussões, pescava ao encostar ou sentir qualquer calor próximo... Um dia depois do outro todos os sintomas intensificavam-se e sua memória esvaia-se. Primeiro foram as da infância e de repente já não lembrava o início da frase a pouco começada a ser dita... Daí para o colapso foi um pensamento.

Quando acordou parecia ser uma página em branco renascida. Parecia... Ter sido automatizada todos os meses seguintes ao colapso. Seu coma durou poucos dias, mas sentia estar despertando dele agora após um festival de cinema mudo e sem imagem. Estava em repouso forçado. Não resistiu ao duplo conflito da mente resistente e o corpo acumulado de esforço... Após tombar em plenos altos da Avenida Afonso Pena, em dia de show no Parque das Nações Indígenas, demorou para a multidão curtindo mais um show perceber aquele corpo desacordando desprovido de qualquer sensibilidade... Mas, isso já era passado...

Ter a percepção do próprio corpo por meio do tato ajudava. Tateando a pele e suas cicatrizes esquecidas reativava vagarosamente as lembranças. Lembrava de muita coisa principalmente da solidão causada pelos amigos de ocasião. Não que estes não tentassem permanecer com a amizade, mas o trabalho era seu único foco, então, seguia sem ninguém realmente o amparar e o ouvir. Sua família já jazia e era a última pessoa com os genes desta genealogia em extinção. Quando sentiu o molhar assustou com o soluçar balançante de seu corpo.

Não chorava um Mar Morto pelas lembranças. Todo o pranto soluçante – atração dos médicos e enfermeiros de plantão – era porque seu trabalho sem fim se transformou em um descanso prolongado. Primeiro precisava recordar seu nome... Mas, forçado a tomar um tranquilizante cavalar pelo regimento branco local, apagou novamente... No dia seguinte despertou pronto para ativar sua memória e se preparar para fugir para o mundo conhecido. Queria voltar a querida exaustão diária.

segunda-feira, outubro 15, 2012

Descanso prolongado


Descanso prolongado
por Rafael Belo
Nas ruas não há descanso. No trabalho também – pelo menos não durante o expediente, mas descansar é preciso. Não ao ponto da preguiça, dos pecados dos bocejos constantes e o lacrimejar inevitável... É preciso para o corpo funcionar como deve e a mente estar tinindo como deveria. Conhecer novos lugares não é regra. Regra é poder se afastar do ambiente de trabalho, de vivência comum... Dificilmente um fim de semana é o suficiente. Para sanar nosso déficit com corpo e mente é preciso prolongar. Parar, respirar fundo e se preparar para continuar é tão necessário quanto à correria diária dos bits, bytes e touch screen.

Estamos tão conectados a ponta dos dedos, ao falar – de longe – sozinhos, a deixarmos de usar nossa educação. Sair às ruas isolados ao celular sem parar de falar, passar por pessoas e fazer compras, ignorando tudo isso, é um constante ato cansativo de isolada solidão. Como não cansar de tentar se ocupar o tempo todo, de misturar resoluções na mente de pensar no adiante, de se esforçar a não fazer nada...? As vistas já vão cansadas e o horizonte treme diante dos cochilos acordados de quem acha ter de continuar sem parar.

Sem descanso o seu infinito se limita a visões constantes do chão. Sem descanso o corpo não funciona direito, as barreiras de proteção se rompem, ou simplesmente enfraquecem, e nós adoecemos. A mente oscila, as frases não se formam, o raciocínio patina e nós caímos. O pior da queda é se levantar sem saber por que caímos, sem reconhecer o tempo para cada feito e desfeito das nossas pedras empilhadas, nada encaixa.

Como construir sem montar nosso quebra-cabeça, sem formar a mera imagem do presente? Um descanso prolongado supre os fins de semana de descanso in loco quando é possível ter o fim de semana. Toda máquina precisa de manutenção. As feitas por Deus, deuses e homens. Estar parcialmente montado é estar parcialmente desmontado. Pode ser verdade ter tempo de descansar quando nosso Tempo acabar, mas como estará nossa consciência se não sabemos o tempo no qual estamos agora?

sexta-feira, outubro 12, 2012

In completude


foto original sem modificações
In completude

Despedaçados pedaços rachados na estatela do chão
na emoção esvaziada de presença ainda em queda
ausência morosa na cela sem dolo, mas dolorosa de antemão

não no corpo ainda anestesiado de solidão... de uma era

sim de pedaços partidos da entrega a qualquer situação
direto ao coração guardado no fundo da alma, velada a vela

da incompletude dos degraus em toda ação esquartejada
pelos invisíveis olhos, invisível olhar

ninguém estava lá, nem você em grau projetada
não se entregou a nada, nem a si  nem ao estar.

(Às 15h24, 10 de outubro de 2012, quarta-feira, Rafael Belo)