terça-feira, julho 31, 2018

desrelação






lambia aquele cheiro tocado com o olhar
salivava ouvindo este som
tudo em mim arrepiava
a música era o vento na insônia


alguns cães ladravam outros uivavam
só se falava na lua cheia
talvez eu latisse se me confundissem


disse o silêncio algo para mim
assim na minha distância com relação


não havia um relacionamento que não me assustava e eu não dormia nem acordava.

+às 02h47, Rafael Belo, terça-feira, 31 de julho de 2018+

segunda-feira, julho 30, 2018

Há muitas formas de ouvir






por Rafael Belo

Sempre chego à Orla Morena tentando ser imperceptível. Paro, olho, escuto... Observo cada um ali. Recentemente o número de fumantes de narguile aumentou muito. Então, há muita fumaça ao redor e no meio de quem está ali dançando... Nada agradável. Fora o desrespeito intencional ou não de outros sons altíssimos rolando ao redor. Enfim, nem sempre consigo chegar e não ser visto. Quase nunca, na verdade. Mas, no último domingo consegui ficar em silêncio. Forçado, mas silêncio. Fiquei afônico. Minha voz se foi e etc... Isso me permitiu dar uma atenção a mais.

A particularidade das pessoas dançando... Ah, sim para quem desconhece em Campo Grande existe um rolê de dança permanente aos domingos à noite chamado Zouk Na Orla... Voltando, é singular realmente. Não há padrões para dançar. Cada um se sente à vontade no próprio corpo e conecta a música a ele e a quem estiver dançando junto. É um relacionamento puro, sem distinção alguma. Quem assiste da arquibancada de um palco ao estilo mini Coliseu, vê diversão, sorrisos, alegria e estamos falando sem distinção de sexo, raça, classe social nem gênero.

Eu vejo desta forma um objetivo de qualquer tipo de relacionamento. Amizade, Amor, Família, trabalho, cotidiano... É clássico, é clichê, mas fato. Basta prestar um segundo de atenção ao redor e vai explodir no nosso rosto a quantidade de desencontros na vida. Enquanto uns relacionamentos começam outros terminam e cada um traz o que preferir destes ou aquilo que não conseguiram superar ou precisam se curar para prosseguir. Por isso, não acredito existir só um caminho para nós. São desafios diários e constantes onde precisamos parar de desencontrar com nós mesmos. Nós nos relacionamos primeiro com a gente mesmo e em seguida encontramos alguém ou alguém nos encontra... Não há regras além do respeito. Mas, fazemos ao contrário começando a achar que nos encontramos no outro, a nos relacionar com o outro sem sequer nos conhecermos ainda e tudo bem...

Sabe se lá quantas vezes vamos nos aprisionar para entender que ser livre não é ser sozinho, nem estar só, mas somar ao outro e preservar o espaço deste indivíduo. Claro, nós conseguimos ser solitários, ficarmos sós e é saudável e é possível, mas eu só cresço de verdade quando compartilho, quando falo, quando converso, quando estou com outras pessoas. Não importa a quantidade de livros convertidos em conhecimento pessoal, os diplomas colecionados, as línguas faladas, o emprego, a empresa, o veículo, o quanto me divirto, as posses, as quantidades, se nada acontecer daí... 

Por isso, tento zerar todos os dias, respirar fundo e ir. Simples. Olhar o outro, sorrir e não fugir das possibilidades. Nós ainda não chegamos a atingir nossa capacidade de Amar. Estamos aqui, pequenos, querendo algum tipo de controle em uma relação quando, como na dança só precisamos ouvir, dar a intenção, expressá-la de forma a ser entendível e deixar o outro livre para criarmos juntos “A” conexão, a relação, então aos poucos nossa pequenez se agiganta.

sexta-feira, julho 27, 2018

Despertar (miniconto)






por Rafael Belo

Começamos com algumas. Éramos poucas, mas juntas chamamos atenção. Nossos pés sangram. Nossas vozes sangram... Ainda assim continuamos e gritamos! Nós não paramos. Há uma indignação em nós precisando ao menos sair do peito. Chamamo-nos Artes, nos chamam Mulheres. A gente só quer ser ouvida. Não! Não é só! A igualdade vem antes! Queremos criar... Então, nos trancaram em caixas, nos separaram... Tento entender o que fizeram... Foi um período de descrença, de ataques pessoais, de desunião. Parecíamos frágeis e submissas... Parecíamos...

As aparências sempre enganaram. Estávamos ali nos juntando, nos pintando, nos versando, sentindo novos passos surgindo, novas danças, novas canções... Estávamos apagando o invisível e quando subimos ao palco novamente não foi mais esporádico, não havia mais como nos roubarem, retirarem nossos créditos, sabotarem nossa força. Somos artes. Somos valorização. Começamos a revolução? Não, ela já vinha. Ela não parou. Estava sufocada pela mídia como as guerras intermináveis divulgadas como novidades.

Nosso grito de guerra sempre foi: artista não anda só. Estamos despertando todos os dons capazes de estapear a sociedade. Estamos onipresentes. Onde olhar verá algo da nossa responsabilidade e isso irá te tocar. É poesia! É dança! São olhos fechados! São as artes! Quem não esta compartilhando o espaço com a gente, infelizmente, está desaparecendo. Descobrimos a tempo, então te chamo para vir conosco. Temos a cura, mas quem quer o poder pelo poder, não quer a cura...

A cura está no coração, a cura está na alma... Vocês não escutam nem veem agora, mas Eles estão chegando para tentar tirar isto de nós. Eles começam destruindo sonhos, apertando às jornadas de trabalho, encarecendo tudo, roubando nosso tempo, nos induzindo a escravidão, nos desvalorizando, tirando nossa sobrevivência, mas dons e sonhos não morrem por mais que digam que sim. Eles chegaram, mas desta vez não resistiram ao nosso Templo de Cultura. Hoje não somos nós que choráramos de dor... São Eles que choram pelo Despertar!

quinta-feira, julho 26, 2018

artida






está paga reconhecida
toda a imaginação retribuída
fomentando a alma do mundo
a conhecer a fundo o filtro artista

no palco chão a apontar o coração ativista
batendo na razão para reflexão
na flexão da inspiração protagonista

curando dores criando pontes
na extrema valorização da vida

entregue sem descarte a toda nascida arte.

+Rafael Belo, às 12h02, quinta-feira, 26 de julho de 2018+

quarta-feira, julho 25, 2018

Vou só (miniconto)







por Rafael Belo

Caminhava eu sozinha em busca de mim mesma quando vi à frente muitas mesas. Havia esquecido completamente de mim. Foi minha entrega às artes que me trouxe a tona de minhas profundezas na primeira vez e, ali à frente, sobre a mesa eram outras coisas já possíveis revelando o fundo. Garrafas vazias, restos de comida e o silêncio afogado junto às mágoas... Era um espaço fantasma abandonado ali naquele ponto escuro da cidade. Havia todo tipo de arte exposta. Roupas, pinturas, desenhos, poesias, encenações teatrais, músicas, danças...

Mas, as pessoas estavam todas no chão. Não sabia se era ilusão, loucura ou morte súbita por problemas internos. Se esta fosse a causa da suposta morte eu... Comecei ali mesmo contar qualquer coisa capaz de me matar e contei vários corpos de meus eu’s na mente. Sobrevive das migalhas, dos favores daquela caridade de quem detesta Cazuza, daqueles juízes, júris, vizinhos, colegas colocando pedras em cada morte que me ajudavam a morrer...

Estava internada no hospício proibido do mundo. Levava choques da hipocrisia diária ao vivo. Meu nome já foi Valorização Silva, acreditem... Filha de artistas tem nomes insensatos ou sensatos demais dependendo o que for a sensatez... Pensando bem, se é que ainda sei fazer isso, esta história pode nem ser minha. Já pensou se tudo que você sabe sobre você fosse sobre outra pessoa ou pior fosse a história de todas as pessoas capazes de mostrar outros caminhos para ver os detalhes da vida e o todo dela?

Há vozes por aí dizendo de alguma forma o que queremos dizer não tem? Até hoje eu não entendo como oferecem dinheiro de somas impensáveis pelo meu corpo, por sexo e não querem pagar um real pelo que almas e corações revelam, expõem criam do nada, esculpem da inexistência... Compramos coisas caríssimas e nos endividamos, mas pagar para ver, ouvir, refletir, dançar é um absurdo... Tem algo me chamando para este templo apagado cheio de luzes... Será suicídio seminal? Estendo minha mão e pergunto para o Nada: quem vem comigo?E vou só!

terça-feira, julho 24, 2018

enviver




não há nada de graça
existe um tipo de custo até para a garça
voando depois de um Rivotril na mata
porque até perder o sossego mata

imagina o artista entrando na guerra atômica com faca
só sobrevive sincero com a própria arte na maca
armado não com pincéis canetas grafite voz tinta lata

vai nu com a imaginação em prática
colorindo sem medo tanta vida pálida

ninguém quer pagar para ver valorizar o que nos faz viver.

+às 13h21, Rafael Belo, terça-feira, 24 de julho de 2018+

segunda-feira, julho 23, 2018

Pagar para ver






Por Rafael Belo

Reunir a cultura em um mesmo espaço é algo de elevar a alma quando a reação do público é de surpresa e imersão. Mas, também é um “desego”. É se despir do orgulho e mesclar a individualidade ao coletivo, a doação de si e da própria arte. Não há espaço para a solidão. Artista não anda sozinho. Todas as áreas das artes precisam se juntar para que o respeito a todo artista seja restaurado. Artistas locais, artistas familiares, artistas sem a projeção nacional tanto reverenciada por toda parte.

Existe a campanha valorize o comércio local, compre do pequeno. Que tal promovermos: “valorize o artista local, incentive esta profissão. Pague para ver”. Nós precisamos desta cultura. A arte salva vida, mostra aquilo que no cotidiano não vemos, alimenta nossa alma... Afinal, de que vale se matar de trabalhar e não aproveitar, nutrir o corpo e deixar morrer a alma? A arte pode até ser hobby para algumas pessoas, mas só o é por falta de valorização, pela depredação diária, pelo vandalismo constante a quem tenta sobreviver de música, dança, artes plásticas, teatro, literatura e tantas outras áreas artísticas... É esgotado pelo mercado que se aproveita da situação do artista.

Quem nunca ouviu ou disse alguma vez que tal show é caro, que tal apresentação é cara, que tal artista está ganhando muito, não sabe ou soube o que diz/disse. É tanta negociação, despesas para quitar e o problema da maioria dos brasileiros que mal sobra para investir no próprio crescimento e todo convite para apresentar a arte é aceito consumindo de maneira ingrata e violenta o profissional. Cultura não é gratuita. O artista de profissão vive disso e como viver se não querem pagar, só consumir e abusar do dom desse ser humano?

Alguém precisa pagar. Artista não vive de ego, afagos, promessas, elogios, visibilidade... Ele passa horas sujeito a dezenas, centenas e, se tiver muito treino, suor e sorte, milhares de pessoas o cobrando, o avaliando, o julgando de uma forma até desonesta. Quem aqui não tem uma música que marca, marcou? Um filme? Uma fotografia? Ou gostaria de aprender a dançar? Isto é fruto de muito gasto, treino, tempo, insônia de um ser humano com o dom da arte. Claro que gostamos do consagrado, dos monstros das artes por aí, mas que tal valorizar aquele amigo, aquele artista do seu bairro, da sua cidade, do seu Estado e não só ir aos shows e apresentações, mas pagar para ver literalmente?

sexta-feira, julho 20, 2018

Impagável (miniconto)





por Rafael Belo
Quando olhei ao redor me senti em algum filme ruim. Todas nós estávamos sofrendo o mesmo bizarro clichê. Era a mesmíssima cena. A intimidação e eu tive que gritar. Éramos um grupo de 50 mulheres de todas as idades. Todas com idade para responderem por si mesmas. Todas já haviam sofrido assédio antes e sofreriam depois… Todas ainda sofreremos. Mas, nunca em silêncio. Não mais!

Andávamos juntas para nunca mais nenhuma de nós passar pela intimidação, pelo assédio, pela agressão, esta violência diária que nos assola… Somos o “Ninguém é Obrigada". Chega de violência. Estamos em sintonia. Esta sincronicidade mostra nossa unidade. Eu me via em cada uma delas e elas viam o mesmo. Éramos perspectivas diferentes de um sentimento de indignação, imposição e a antiga ordem da sofreguidão…

Elis Regina nos representa! Tão sofrida, tão talentosa e até hoje inigualável. Clarice também que reconheceu a visceral Carolina Maria de Jesus… Que Mulher!! Nesta escravidão moderna o amor vira carne e a sociedade pensa em nos mastigar em um ruminar dominante nos comprando com estética, status, promessas… Sai dessa! Não há fragilidade por aqui! Eu só me acho agora e não me perco mais!

Mas não sou só! Jamais! Somos um explorado campo de girassóis sem fim... Largue meu braço sociedade Neanderthal! Solte minha língua, não controle meus passos, não me obrigue a me multiplicar mais, quando descubro minha força não há caverna que me prenda, que me esconda, não há excesso nosso que chegue diante toda esta dívida impagável à nossa igualdade, aos nossos direitos, aos nossos valores, ao respeito pelo ser humano que somos. Mulheres, só vamos!  Nada de assistir nem ser coadjuvante de filme ruim, porque sempre fomos protagonistas!

quinta-feira, julho 19, 2018

não obrigada



saiu nua na tua própria rua
indefinida forma feminina
física alma independente
dona de si efervescente

oceano concentrado em derramar ondas
descamar peles sair de carnes tantas
tontas desta montanha-russa vida

envolvida com quedas livres
pela própria liberdade mulher

quer ser o ser incrível capaz de nada ser obrigada.

+às 15h43, Rafael Belo, quinta-feira, 19 de julho de 2018+

quarta-feira, julho 18, 2018

de novo (miniconto)





por Rafael Belo

Mais uma insistência em tão pouco tempo. Não, não é sim. Esqueça está história se eu nem te.conheço. Respeita meu espaço, olha meus olhos, meu rosto. O prazer do corpo, de suprir uma talvez carência não vale à pena apenas por ser. Só causa mais vazios. Que homem vai ouvir isso? Amiga, presta atenção. Homem espera até um certo tempo, mas só vai conduzindo conforme nós, mulheres, nos mostramos.

Seguem em busca do nosso corpo, da nossa dependência, da nossa carência… Não adianta dizer que não são todos. Felizmente não são. Mas, achar alguém que realmente soma e divida… Só venho acumulado vazios desses que tentaram só manipular. É difícil ver o todo quando focamos só nos detalhes porque mesmo o todo não sendo os detalhes, os detalhes são o todo…

Sem os detalhes acabamos assim, mas sem o todos nós acabamos. Eles fingem não querem nada sério e quando isso acontece eles se afastam e usam este argumento, aí quando o ego de macho alfa é ferido voltam e ficam tentando nos prender neste ciclo da carência deles, que não conseguem ficarem só com eles mesmos e vem perturbar nossa sanidade.

Amiga. Eu estou misturando tudo. Já nem sei em quantos shots foram, quantas garrafas virei… Isto é o que eu acho que estou dizendo né?! Porque amanhã você vai me dizer que não foi… Estas relações que me meti são assim… Só estão na minha mente, só eu enxergo… Aí o primeiro que demonstrar carinho eu desmonto, dou corda, não demonstrou e lá vou eu achar estar apaixonada de novo. Você vem me salvar ou não?! Estou quase fazendo merda de novo!!

terça-feira, julho 17, 2018

não recomendada





não se sabe quantas voltas foram dadas
nesta disléxica palavra profana didática
sintomática do medo da mecânica sistemática
do destrato do poder do homem ruminante

minúsculo querendo dominar maiúsculo
todo o crepúsculo independente Mulher
sob os velados hematomas da ofensa

dizendo forçando gritando por aí em mal-me-quer
na maquiagem pesada da aparência

em uma existência emprestada não recomendada para a igualdade.

+às 01h02, Rafael Belo, terça-feira, 17 de julho de 2018+

segunda-feira, julho 16, 2018

Disseminando o ódio







por Rafael Belo

Todo mundo quer ser livre. Mas, ninguém quer arcar com as consequências da liberdade nem com os contraditórios limites, mas se houvesse o mínimo de bom-senso, ao menos o que não gostaríamos que fizessem conosco não faríamos com ninguém. No entanto, somos ensinados a vencer, a conquistar, a ser o melhor independente do outro e acabamos focando apenas nos nossos direitos. Avançamos atropelando corações, corpos e individualidades.

O ser humano desrespeita particularidades e reforça a diferença dos gêneros, ao invés de reforçar a igualdade. Neste mundo patriarcal, machista, egoísta e ignorante os preconceitos estão em toda parte assolando a todos, principalmente, o sexo mais forte. Disseminando o ódio e o desamor. Assediadas o tempo todo, as mulheres não têm paz. Não há respeito. É uma perturbação constante já somando a luta diária por salário justo, tratamento por igual, reconhecimento geral onde não deveria haver qualquer diferença relacionada ao sexo oposto que incentivado se tornar chulamente mais idiota, babaca e nojento.

Homens pensam ser machos e querem tratar as mulheres como fêmeas e seguem agindo como animais... Poucos têm consciência da falta de obrigação com qualquer coisa que elas possuem. Elas podem tudo. São maioria, nós somos minoria. Vejo e vivo isso minha vida toda. Minhas avós, minha mãe, minhas irmãs, minhas sobrinhas, minhas primas, minhas tias, minhas ex e todo tratamento injusto permeado em piadas e em séculos de opressão... Nossa sociedade separou homens e mulheres em coisas que um deve e outro não deve, que um pode e outro não pode... Tornando “normal” algo que nem deveria existir...

Se somos todos iguais perante a lei, tudo deveria ser revisto para naturalmente nos tratarmos todos como seres humanos. Ao menos ensinado, reforçado porque sem isso, ao invés de nos fortalecermos, nos enfraquecemos com atitudes e atos assassinos alimentados por uma cultura falsa colocando as verdadeiras provedoras do mundo como submissas, as estigmatizando, as quebrando, as estuprando, as matando, e a maioria das vezes vêm de pessoas próximas e de laços familiares. Como confiar sequer em um abraço desta forma?

sexta-feira, julho 13, 2018

Veja! (miniconto)





por Rafael Belo

Eu respirei fundo tantas vezes naquele momento que me afogava no ar ao mesmo tempo que me asfixiava. Eu não acreditava que as pessoas eram capazes de fazer de um abraço real algo repleto de outras intenções. Duvidei de mim, me senti mal e me retirei. Fui caminhando para fora dali. Logo me sentia bem novamente…

Era necessário motivação para sair daquele lugar. Eram tantas pessoas perdidas, me perdi também. No meu caminho havia um rumo impensado, mas impresso em outro plano. Uma missão me convocava. Possíveis acidentes apareciam por toda parte. Um cachorro que chamei antes de ser atropelado, havia tanta gente que sofreria ao redor…

Uma conversa atenciosa com uma pessoa desiludida na ponte sobre a Antônio Maria Coelho, uma chamada no motorista distraído chegando ao semáforo no vermelho, um me acompanhe por favor para a senhorinha perdida pouco antes de um “cacho” de cocos cair no lugar… Eu não pensava em nada, só sentia um turbilhão de indefinições e descolamento.

Mas não me sentia mal, me sentia útil. Renovada! Restaurada! Um propósito ou muitos… Comecei a pensar que se fosse de outro gênero haveria desconfiança… Tão iguais, tão diferentes… Eu vejo a alma das pessoas vivas! Não é premonição, leitura de mentes, são sentidos, conexões de almas, atenção e tudo diz o que está para acontecer, mas há tantas outras possibilidades. Todo mundo pode ver!

quinta-feira, julho 12, 2018

restaurado



eu sou o inesperado
respiro fungo retrato
acidente do sistema retardado
sem esperar o amanhã

disposto a levantar mesmo se a vida arranha
espanca em uma direta mensagem subliminar
tomo um fôlego solar sem hora para terminar

dois comprimidos inteiros de intensidade
está tudo claro em verdade

não há choro nem vela só o desafio de ser luz nos vidros quebrados estou restaurado.

+Às 15h07, quarta-feira, 12 de julho de 2018, Rafael Belo+

quarta-feira, julho 11, 2018

catalisadora (miniconto)







por Rafael Belo

Havia algo atrás de mim. Eu juro! Eu sentia. Mas, ver… Ver mesmo só vultos. Eu me sentia mal. Disseram uma vez eu ter uma mediunidade única. Nunca acreditei. Na verdade eu sabia, mas me escondia. Tinha medo. Tenho medo. Não quero ter nada a ver com essas coisas. Mas, mulher em casa de maioria masculina tem que brigar o dobro e era só eu e meus irmãos. Todos mais velhos. Todos ligados a Igreja. Ninguém se aproximava de mim. Sempre achei que afastavam as pessoas ou eram inconvenientes com quem me visitava…

A verdade era outra. Só descobri hoje e há pouco me aceitei. Eu sentia a alma das pessoas quando me aproximava delas afetivamente. Demorou para eu entender não serem meus sentimentos sempre. Eu sou catalisadora empática, dizem. Não era necessário estar próximo para eu entender sem pensar a necessidade de resolução e fechamento de quem era próximo. Até por WhatsApp rolava. Se fosse no século passado eu seria carne de churrasco dos opressores…

Mas fizeram algo com minha alma logo que me afastei de tudo ligado a alma. Eu definhei, enfraquecimento. Estava aborrecida por ninguém contar o que houve com meus pais. Não sei o que fiz! Porém, sei que fiz.  Há uma pressão terrível no meu peito. Nunca mais frequentei nada capaz de aliviar as angústias da minha alma. Porém, o tal dom seguia… Doía. Imagens terríveis invadiam e invadem minha mente. Eu só consigo pensar como alguém pode desejar o mal. É muito tempo para esquecer de si e viver outras pessoas.

Só corpo, sangue e fome poluíram minha alma. Ela estava cega, voraz, sedenta, faminta e minhas quedas não  pararam mais. Já não sei qual a profundidade que atingi. Mas todo mal desejado a mim gratuitamente não são só palavras e não é grátis para ninguém. Eu voltei a alimentar minha alma, mas ela estava quase vendida para quem quer que tenha cuidado dela na minha ausência… Este retorno. Este retomar meu espaço… Gera um conflito grandioso demais. E eu achava que dormir mal era o motivo da minha energia estar sendo sugada. Agora eu corro desta sombra que tenta de novo me tirar da minha missão. Já houveram vítimas demais, talvez até fatais… E tudo foi omitido de mim. Agora eu sei o que fazer e já comecei a fazer! Não vou parar mais!

terça-feira, julho 10, 2018

estilhaços





o inesperado bate no meu rosto
deixa marcas cheiro gosto
um momento indisposto
alterando qualquer esperado adiante

diante de um susto um corpo
controlado pelo descontrole
um copo de loucura antes de dormir

ao sair no meio forma-se devaneio
meio comprimido de ausência lágrimas de banheiro

sobe um denso nevoeiro vidros inteiros estilhaçados.
+Às 15h40, Rafael Belo, terça-feira, 10 de julho de 2018+

segunda-feira, julho 09, 2018

Somos tão frágeis





por Rafael Belo
De uma hora para outra tudo pode mudar. Um milímetro, um milésimo de segundo, uma mudança de trajeto, um pouco mais rápido, um pouco mais lento... São tantas possibilidades a ponto das probabilidades de acontecer um acidente deixam de ser metade das chances e aumentam de forma desproporcional, mas isto é apenas mais uma possibilidade. Das infinitas vividas diariamente. Viver é arriscado e não há garantias de absolutamente nada. Há poucos dias me vi envolvido em um acidente bizarro. Até ontem minhas mãos tremiam e parecia que parte de mim ficou por lá, no local do acidente.

Uma pessoa transtornada com bebida alcoólica em uma das mãos corria ensandecidamente próxima a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Entre um ponto de ônibus e o semáforo. Avenida praticamente sem iluminação, muita escura. Agradeci por estar em baixa velocidade. Ele correu, sem camiseta, só de bermuda, descalço e com uma bebida alcoólica na mão direta... Freneticamente ele veio na direção do carro pelo lado do passageiro, desviei entre tenso e aliviado... Mas, infelizmente ele voltou e se jogou de cabeça no pára-brisa do lado do motorista bem rente ao fim deste. Não encostou na lataria do carro. Não era o que importava também.

Parei. Tudo parecia irreal. Pareceu realmente uma eternidade. Quando desci dezenas de pessoas estavam lá fora falando comigo sobre tudo que o rapaz estava fazendo e que ele se jogou, que se não fosse eu seria outro. Ele estava respirando, mas inconsciente metade do corpo na grama, metade na calçada. Todos os mototaxistas do outro lado da avenida estavam ali, universitários que aguardavam o ônibus e funcionários de uma empresa. Era noite faltava menos de 20 minutos para as 20h.  não consegui ligar para ninguém, mas percebi que um dos motociclista encerrava uma ligação.

Em quatro minutos uma viatura do Samu chegou seguida de um caminhão do Corpo de Bombeiros. Fizeram o primeiro atendimento, enfaixaram a cabeça dele e o levaram na maca. Ele respirava normalmente, mas seguiu inconsciente. Tudo isso durou alguns minutos. Eu tentava saber da saúde dele e respondia aos bombeiros que fizeram a análise do local, retiveram meus documentos e lamentaram a minha infelicidade enquanto eu fazia mentalmente o mesmo, mas mais da pessoa acidentada... Bem mais de uma hora depois a Polícia de Trânsito chegou, aparentemente temos pouquíssimas viaturas, o oficial responsável explicou o ocorrido e o que tinha avaliado. Depois puderam seguir para o próximo acidente... Respondi a cada pergunta aos policiais tentando detalhar. Ele era conhecido dos policiais por outras dessas. Respirei tantas vezes fundo e balançava lentamente a cabeça em negativa tentando me livrar daquela péssima sensação. Todas repetiam sem parar o quanto podia ser pior e vários e “ses”. E se tivesse vindo por outro caminho, e se tivesse correndo e se...

Depois de descrever o ocorrido à caneta em um papel oficial, fui liberado. Faltavam dez minutos para as 22h. Eu olhava para o vidro trincado e não conseguia evitar a repetição da cena independente de tudo que havia vivido, aquilo era tristemente inédito para mim, a fragilidade contrastante da vida, mais uma vez gritou comigo e resolveu subir nas minhas costas por alguns dias.

sexta-feira, julho 06, 2018

Um lugar, um estado (miniconto)





por Rafael Belo

Ela havia perambulado pela noite toda. Não bem perambulado... A Palavra seria outra. Ela é sonâmbula, então supostamente não teve consciência de nada. Tempo e espaço também se perderam nos significados. Nada significam mais. Toda uma vida de ansiedade e depressão não ficaram no caminho, mas parecem ter tido finalmente uma absorção e um absolvição definitiva. Quando finalmente ela acordou, demorou para perceber. Principalmente, demorou para entender... Ela nunca acreditou ser sonâmbula, mas agora... bem...

Não tem como eu contestar mais. Agora eu... Que sentimento é esse? Alguém me explica esta sensação? Nunca me senti leve na minha vida...! Só pode ser isso porque é totalmente ao contrário de como sempre me senti. Quanto tempo eu levei para chegar até aqui? Onde é aqui? Este lugar é um pedaço da paz em um mar de luz... Que casa é esta? É normal se sentir assim nesta tranquilidade? Tudo isso existe, mesmo? Sempre achei ser uma forma das pessoas tentarem em vão me deixar melhor. Por incrível que parece, adoro ser contrariada...

A casa está vazia. Só há janelas. Tudo é feito de janelas. Paredes, chão e teto... Tudo isso parece voar. Há sol e lua... O sol nascendo, a lua se pondo e nada parece se mexer além desta brisa. Eu me sinto flutuar, me sinto transparente como a água corrente saindo da nascente... Tudo isso me reflete... Uau! Eu sou maravilhosa! É tão bom dizer isso! LIVRE! FINALMENTE LIVRE! Todo este caminho de pedras me ajudou a construir o leito do meu próprio rio e eu fluo, eu corro, eu me adapto, eu mudo, não há nada raso por aqui, não há como molhar os pés, é tudo profundo, quem chega se afoga em mim.

Eu olho para mim. Talvez pela primeira vez depois de tantos desenganos eu me olho. Eu me importo comigo. Respiro tão aliviada. Todo lugar sou eu quando chego e deixa de existir quando me vou. Mas continua lá para outros, outras... Às vezes sou outras e agora vou me esforçar para não ser ninguém além de mim. Consegui me entender, me descobrir, claro, quase desisti, mas estou aqui. Meu corpo me trouxe até onde estou e posso sentir a conexão com alma, o relaxamento da mente. Não vou mais sair deste lugar. Nada mais vai perturbar minha paz! Veja! Beija-flores...

quinta-feira, julho 05, 2018

só importa



beija boca multicolores
beija-flores revoam um a um
direto da boca do estômago
aos leves olhos nada é comum

quando a felicidade plantada no solo
vem do âmago ao som do bum

no médio coração médium
não há proporção no seu incondicional jejum
o remédio é um sacrilégio oral na medida do tédio

no interminável passar do relâmpago somos tantos no assédio ao tempo não querendo deixar nada em branco acabamos clareando todo ranço sombra escuridão então enxergamos cada porta escolhemos só o que nos importa.

+Às 13h35, Rafael Belo, quinta-feira, 05 de julho de 2018+

quarta-feira, julho 04, 2018

Estendidas sombras (miniconto)




por Rafael Belo

Beija-flores enxameavam por toda parte. Eram do tamanho de abelhas. Pareciam vir de dentro de mim. Eu não sabia se dormia, sonâmbulava, sonhava, imaginava, mas havia pedaços meus em cada um deles. Eram pedaços de dores latejantes, pulsando passado, presente e futuro com tanta intensidade fazendo um vácuo exalando calor parecendo refletir todo minha dor sem explicação para tudo.

Eu olhava para cima, eu olhava para baixo, para os lados e não via medidas, começo nem fim… Eu era aquele abismo em sombras estendidas de escuridão. Meus cabelos flutuavam abandonados. Nem percebia que caia mais… Parecia um filme de terror muito ruim, forçado demais, clichê demais, mas ainda assim incômodo. Um tombo para onde eu voltava, creio que, como ainda volto a ele, é meu inferno particular.

Li em algum lugar fictício que todos tem seu céu e inferno privado. Um reviver sem fim do melhor ou pior momento da própria vida… Parece tudo inferno para mim. Como pode pensar doer? Só penso no que virá sem deixar de pensar no passado e ainda assim me estresso com tudo isso aqui. Eu não me entendo nem quero o entendimento ou aprovação de ninguém, mas é o que penso… Sinto-me totalmente ao avesso…

Há um desespero me apertando como se o ar tivesse as mais pesadas e ingratas mãos do universo… Qual o motivo de me esmagar assim? Ainda assim, estou solta envolta a esta angústia feita da ansiedade dos meus beija-flores ainda saindo como correnteza de dentro de mim ao mesmo tempo voando como abelhas furiosas e agora estes elefantes enfileirados sobre meus ombros tentando me afogar dentro da minha desolação, não sei como seria ter outra sensação. Este deserto que sou fazendo minha própria sombra solitária só tem areia movediça e não sei ficar parada. Só pode ser um sonho. Não posso estar caindo em um abismo sem fim e presa na areia movediça... Ainda assim, estou.