sábado, outubro 31, 2015
sexta-feira, outubro 30, 2015
Perda de si (final)
Corri
e todos corriam mais até que o sol correu um terço do céu. Ninguém se aguentava
e da mesma forma o vazio mental não permitia uma explicação para a correria. Olhavam
para seus reflexos no lago onde agora estavam antes mesmo de matarem a sede. Não
ventava. A água límpida refletia o céu de brigadeiro. O espelho natural de
narciso nada significava para eles, pude perceber de imediato.
Começaram
a medir os rostos uns dos outros e aqui estamos nós a maior multidão de anônimos
que já existiu. – O que foi que
aconteceu? Foi a primeira sentença dita por todos eles ao mesmo tempo. Depois
riram incontrolavelmente. Risadas nervosas, finalmente revelando uma situação
assustadora. Mas, eles não estavam assustados de verdade e nem eu...!
Os
relatos e as buscas minuciosas apontam a ausência de qualquer tipo de documentos
de identificação. Nem sequer menção de qualquer fato capaz de nos dar uma pista
aparecia nas buscas virtuais e, o mais estranho, não existiam mídias digitais. Se
bem... Bem eu não conhecia nenhuma, mas tenho certeza... A humanidade confundia
quem era, entre outras coisas... Será uma lembrança?
Estamos
nós aqui. Um amontoado de alguém pensando ser ninguém. Sem sequer uma alma
para mandar em nós, com vontade de nos moldar... Não há nada somado com coisa
nenhuma, zero de informações, só animais... Retomando o mundo. Seria algo entre eles e nós? Qual ano estamos? Quem somos nós?
O medo
se foi com a identidade de cada um e os animais também pareciam não o ter mais,
aliás estavam nos ignorando dolorosamente.... Olhando bem eram realmente belos
milagres de Deus. Deus? Uma oração de agradecimento surgiu em minha mente,
fechei os olhos um instante e no seguinte o abri. Por que todos me imitavam? Fechei
os olhos novamente e segui pensando que nem sempre perder a si é ruim.
quinta-feira, outubro 29, 2015
espremendo
Mudam muitas murchas nuvens
no horizonte
adentram meus olhos ao
hesitante defronte
onde sorrisos se espalham
perdidos em instantes
trovejando ecos no peito na
névoa da vazão
cobrindo o labirinto da
razão com corado coração
materializando milagres movidos
a manifestação
mareando
navegantes caminhando sobre as próprias águas
marejando o lacrimejante
olhar viajante
chorando chuva concomitante
coexistindo
paralelamente com outros
indivisíveis simultâneos
na lágrima caída acordada
com a chuva escorrida
das nuvens apertadas em
minhas mãos que sonham.
(Às 22h01, Rafael Belo, quarta, 28 de outubro de 2015)
quarta-feira, outubro 28, 2015
Perda de si (parte 2)
Bati
em uma superfície que fez som de passagem, fui me escorando até encontrar algo
gelado, forcei para baixo e me apoiando a parede senti um lugar mais amplo...
Agora me olhava no espelho. Não sabia meu próprio nome ou onde estava. Por algum
motivo não me importava nem precisaria... Reinventar-me?
Acabara
de nascer. (Antigamente se diria algo como milagre).
Sai
às ruas e não havia ninguém. Estava tudo aberto, porém vazio. Nada de nomes. Nada
era nomeado mais. Foi um dia? Acreditava ser sim a resposta. Vi milhares de
animais... – Eles já estavam ali? Pareciam todos colocando algo na boca e senti
como se por dentro eu imitasse aquele gesto e um rugido(?) surgiu. – Estou com fome?
Aos
poucos percebi: os nomes próprios tinham sido varridos de toda parte. Não existiam
fachadas, placas ou números nem em ruas nem em estátuas. Sem qualquer tipo de
identificação ou localização... Teria acontecido, qual a palavra mesmo? Co...
co... Colapso. Social ou total? Estava cansado
de andar. Senti, uma comoção nos animais. Algo estava prestes a acontecer.
Como
se fosse sincronizado, ou melhor, combinado incontáveis pessoas começaram a surgir
olhando para todos os lados. Típicas características dos perdidos. Não é? Senti
um buraco me sugar para dentro de mim. Estava frio e tenso assim que percebi para onde
eles iam com pressa. Todos vinham em minha direção. Ouvi um grito. Você tem que correr e mesmo cansado corri e corri e...
(Continua... última parte na sexta-feira)
.
terça-feira, outubro 27, 2015
pousada
A todo momento bebemos águas
diferentes
sem sabores sutis somente a
intensidade da vida
transbordando sons e silêncios
suavemente exigentes
posturas prontas prometendo delicadas
descidas
dedicadas às passadas formas
evidentes de ser vidente
voando várias visões em
pensamentos de partidas
nas chegadas interrompidas pelas
palavras em correntes
sopradas suavemente sob a
pele adormecida
aquecida arrepiada na eterna
alvorada permanente
onde revoadas de milagres pousam
na gente.
(às 19h21, Rafael Belo, segunda, 26 de outubro de 2015)
segunda-feira, outubro 26, 2015
A todo momento
Os
fins de semana nunca são comuns. Ao menos é a nossa esperança. Nem que seja
necessário apenas para repor as energias, ter um tempo para nós mesmos e para
quem amamos ou simplesmente já ser clichê desejar a sua vinda e seu
prolongamento. Segunda-feira só é maltratada por isso, mas quero falar de sábado
à noite.
Já
canta Toni Garrido (Cidade Negra) e Lulu (Santos) que “todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, bem no fundo todo
mundo quer zoar, todo mundo sonha em ter uma vida boa, sábado à noite tudo pode
mudar”. Tinha planos de casal em ação. Olhei para todos os lados e não
havia ninguém, quando antes de atravessar a via um morador de rua me parou.
Encarava-me
com seus olhos límpidos e azuis. É bom lembrar que a sensação térmica estava
entre 13º e 14º, mas ele não tremia. Contava sua vida, do preconceito das
pessoas com moradores de ruas e da sina terrível que é morar na rua – sina esta
pesando também sob o filho dele. Enfatizou muito que não bebia. Várias vezes o
disse e ele não fedia nem a ausência de banho.
Barbado,
sincero e sorridente – vestindo um boné, roupas limpas, porém puídas e um
mochila pequena de pano mostarda envelhecido - apenas me pediu para comprar
algo para ele comer. Pedi para esperar, atravessei a rua e enquanto comprava
uma pizza olhei novamente para toda parte e não o vi. Desatravessei a rua ainda
o procurando só o vi depois de o escutar. “Não me viu é?”, perguntou rindo de
mim. Não, não o tinha visto...
Não
sei se fui eu quem o alimentou ou ao contrário, mas ele me agradeceu, apertou
enfaticamente minha mão, perguntou meu nome (mas não disse o dele, mesmo eu me sentido familiarizado e que realmente o conhecia), o que eu estudava, me desejou coisas
boas em diversas áreas, além de falar do poder de Deus em minha vida e depois
foi embora fisicamente sem sair até agora dos meus pensamentos, afinal milagres
acontecem a todo momento sem percebermos.
domingo, outubro 25, 2015
Desenterrando o gigante (resenha)
Uma
década de vida faz de uvas vinho do melhor quando se trata de um grande
escritor, Kazuo Ishiguro acordou o Gigante Enterrado com uma antiga árvore sem
folhas na linda capa azul espalhando esta cor para as laterais das páginas que
nos encanta do início ao fim de seu belo romance fazendo com que Axl, Beatrice,
Horácio, Sir Gawain, Edwin e Wistan façam parte instantaneamente das nossas
vidas.
Já
é um dos melhores livros que li na vida penetrando nas sua mente nas primeiras
frases: “Você teria que procurar por muito tempo para encontrar algo parecido
com as veredas sinuosas ou os prados tranquilos pelos quais a Inglaterra mais
tarde se tornaria célebre.” Kazuo pega nas nossas mãos como um amigo querido nos
levando a acompanhar a saga do casal de idosos e a importância do esquecimento.
Uma
terra pós Rei Arthur onde seu sobrinho, Sir Gawain, é um velho cavaleiro de
armadura cavalgando em Horácio seu fiel amigo. Vamos nos embrenhando nesta
névoa magnífica levando as lembranças desta era medieval onde o agora é vivido
aos tropeços em uma trama escrita como histórica (e vai ficar para a história)
onde a dragoa Querig é temida e crucial neste enredo.
Qual
o verdadeiro papel do cavaleiro e do estrangeiro guerreiro Wistan? Este fantástico
romance quase nos torna o barqueiro e sua função de atravessar o rio e o mar
recheado de amor, amizade e valores. Uma coisa é certa, sobre esta obra-prima:
é impossível tirar narrativa e personagens da cabeça e igualmente improvável
querer terminar a leitura. A vontade é nunca parar de ler O Gigante Enterrado.
Se
fosse você daria um jeito de ler este livro agora porque tudo o que quero é lê-lo
novamente.
(*)
·
Autor: Kazuo Ishiguro
·
Livro: O gigante
enterrado
·
Copyright 2015
·
Título: original The Buried Giant
·
Capa: Pedro Kastro
·
Tradução: Sonia
Moreira
·
Ficção inglesa –
Escritores japoneses
·
Editora: Companhia
das Letras
·
396 páginas
(*)
sábado, outubro 24, 2015
sexta-feira, outubro 23, 2015
Não há retornos
Andar
em São Paulo não é fácil. Também não é difícil. Certo, certo é contraditório.
Se você se informar bem, planejar seus roteiros, confirmar as informações
levantadas e não confiar em qualquer rota do Waze (que aliás não tem culpa da
nossa “inocência”) você chega em qualquer lugar. Mas, é interessante perguntar
as direções e receber inúmeras respostas.
Elas
vão do local exato até o básico medo de responder e aquela balançada de cabeça
leste/oeste perturbada, desconfiada e com um leve “me deixe em paz”. Sem
segurança alguma você segue pelo labirinto paulistano. Se hoje poucos
jornalistas cumprem seu papel de consultar diversas fontes, imagine quem tem
piso salarial?
Já
me perdi tanto e perguntei em dobro em São Paulo. Entendi que as pessoas só
conhecem a própria rota e olhe lá, um desvio pode custar horas sem um retorno
porque se há um lugar onde seguir é obrigatório ser em frente é aqui. Tirando a
Avenida Paulista não há muitas linhas retas por aí, então em frente é sinônimo
de muitos desvios.
Mas
não retornos... Porque querendo ou não, não há volta e para não ficarmos dando
voltas até tontearmos em nós mesmo... Só há o adiante, a próxima chance e se
não soubermos conquistar precisamos aprender urgente mesmo sendo herdeiros,
coisas materiais tem prazo de validade, nós também e as respostas que obtemos
fazem nossas direções.
quinta-feira, outubro 22, 2015
Tombam
Olho pela primavera para a janela
onde estão as flores? O que fizemos com o amanhã dos
senhores? a idade não caminha tranquila pela manhã
a cidade pede retornos e recebe em silêncio manha
pode ser esquecida a atrocidade que nos apanha?
outubro está em outra estação
não há como nada ser normal
o calor pode chover pode florir esfriar e cair seco como
o desprezo pelas árvores que tombam sem produzir som
não há nada igual mas queremos olhar a situação pela
primavera e ver a idade voltar pulando a janela com flores nas mãos.
(às 15h54, quarta, 21 de outubro de
2015, Rafael Belo)
quarta-feira, outubro 21, 2015
Perda de si (parte 1)
Se
pudesse ao menos enxergar... Caso houvesse grau para definir a densidade da
escuridão esta seria a máxima, mas o pior é a sensação de perda e vazio gritando.
Nada era conhecido... Diversas palavras levemente vagas rodavam na mente, porém
não se fixavam a definição a qual pertenciam fosse vivo ou não. Não parecia
haver retorno algum e não sentia vontade de retornar.
Chegando
ao local de tirar o desaperto havia algo repetindo tudo o que fazia, mas não
havia o estranhamento de nada, não era desconhecimento era... Falta de
identificação. Fora desconectado de tudo... Inclusive... Daquela... – Desta imagem...
– Este sou eu?, se perguntava, ou perguntava ao espelho, trocando o peso do
corpo de uma perna para outra.
-
Quem sou eu? Foi minha segunda pergunta depois viria onde estou... Enquanto
passava pelo próprio interrogatório me distanciava para tentar compreender como
poderia pensar e o máximo que consegui recordar foi de alguns instantes. Quando
abri os olhos não havia nada, zero... Ouvia apenas a respiração... Se não fosse
involuntária estaria respirando?
Os
batimentos cardíacos ecoavam em meus ouvidos. Não havia pensamentos, palavras
nem necessidade deles. Aos poucos teto-parede-janela-escuridão-maciez-cama se
formavam na mente palavra e imagem, mas... Mas se apontassem uma cadeira e dissessem
“é uma cortina”, cortina seria.
Sentando
com a cabeça pesada fazendo um oito no ar a procura de equilíbrio, caiu de
joelhos, se arrastou começou a engatinhar. (c0ntinua...)
terça-feira, outubro 20, 2015
companhia
acompanham-me as manhãs em
um tempo que não sei definir
elas podem ser noite de
repente e às vezes tanto resistir
parecendo uma ausência em
mim embaralhando o dia
com cartadas de diferentes
baralhos em mãos a sorrir
depois a meteorologia prevê a
chuva no sol e a pele na brisa arrepia
não é mais inverno e na
primavera as flores não querem cair
mas caem e forram o chão com
emoção na ventania
outubro já chama novembro e
corre o risco de se repetir
e se repetir fosse trazer um
encontro de quem fomos e quem seremos o que a gente hoje faria?
como sou um só na
coletividade acabaria começando a surgir viraria cinzas e renasceria
sem procurar retornos para
frente é companhia
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