quarta-feira, janeiro 31, 2018

Qual o seu nome (miniconto)






por Rafael Belo

Não sei quantos macacos eu matei. Eu fiquei descontrolada quando toda minha família caiu. Era febre amarela. Morreram todos.  Nós vivíamos escondidos nos parques e um medo revestido de desespero e loucura tomou a frente da minha mente. Eu parecia uma passageira do meu corpo, uma hospedeira de um lar de raiva, mas não me dava conta disso. Eu… Eu… Eu estava gostando daquela violência, daquele poder afrodisíaco, era sexual sim e mexia com cada parte do meu corpo. Então, como eu poderia parar?!

É assim o sentimento dos assassinos? Mesmo quando fiquei horrorizada com aquelas cabeças que eu tinha cortado… Fiquei mais surpresa com a força para arrancá-las. Eu era tão forte assim? O que eu sou afinal? Eu despertei um pouco daquele torpor homicida quando encarei os olhos mortos daquelas cabeças nas minhas mãos. Foi assustador, mas só por um momento. Não havia vida ali. Não tinha volta. Eu precisava terminar com o que eu tinha começado. Mas comecei a em questionar se aquilo tinha algo a ver com consciência…

Há algo a ver? Com ética? Com moral? Há defesa para isso ou só um ponto de vista divergente? A gente pensa na hora da violência… Mas, não fica raciocinando sobre o momento, só quer acabar como aquilo tudo sem culpa. É possível viver sem culpa. Isso é ser psicopata? Nós temos o direito de tirar uma vida se for para poupar a nossa? É preciso esperar ter certeza para agir ou agir sem esperar com no mínimo 50% de chance de estar comentando o maior erro da vida? Às vezes eu queria simplesmente a impunidade dividida igualmente...

Tenho que analisar se vou ser presa ou morta? Será que os bandidos temem isso? Espera! Não sou bandida, sou?! Eu sou uma justiceira! Sou uma defensora! Sou uma heroína! Quem não percebe isso só pode errado, certo!? Quer dizer… É claro que eu estou certa! Não é a vontade de todos?! Eliminar o que faz mal?! Sou só representante daquilo que ninguém quer admitir. Talvez eu esteja louca mesma, mas aí eu não diria isso, né?! Loucos são os outros!!! Loucos são vocês! Com certeza é bem normal conversar com as vítimas antes de decapitá-las. Pelo menos não estou conversando com as cabeças que arranco. Não é? Ei! Macaquinha, qual o seu nome?  Fala comigo!! AGORA!!!

terça-feira, janeiro 30, 2018

mais nova






na estrada a calçada não existe
as lágrimas são alpiste para alimentar os pensamentos
bagunçados pela massa misturada
assada pelo extremo calor descontrolado lá fora

manobra elaborada que ninguém quer entender
passam vidas como as horas
o vento de tão quente chora

pelo povo ser mera anedota de mais um dia na tevê
onde a violência brota feito chacota e terapia gourmet

febre célebre intérprete da mais nova onda manipulada real histeria divulgada a nos cometer.


+às 20h25, Rafael Belo, segunda-feira, 29 de janeiro de 2018+

segunda-feira, janeiro 29, 2018

massa de manobra






por Rafael Belo
As notícias podem nem ser tão novas assim e certamente não são boas. A abordagem é a mesma e a forma de desenvolver o conteúdo também. O medo se espalha e nos torna pessoas irracionais, delirantes e capazes de qualquer coisa. Os bons selvagens sempre retornam. Aprendemos a nos dar tanta importância que qualquer comportamento diferente do nosso não só nos desagrada, mas nos torna violentos e queremos eliminar o acontecido, a pessoa… Imagina?! Ainda nos dizemos seres racionais.

Não sabemos a real gravidade da febre amarela transmitida apenas pelo mosquito e não pelos macacos sendo dizimados. Este ano eleitoral vem com novas teorias da conspiração e é certo que quanto mais informações consideradas pelos poderes negativas forem dissimuladas, melhor. Esta é uma teoria da conspiração? Enfim, a violência se espalha gratuitamente e o medo é quem comanda. A desculpa perfeita para não ajudar o próximo porque ele pode estar mal intencionado.

Qual o resultado disso tudo? Ficamos extremamente feridos, ressentidos, encolhidos em nós mesmos, carentes e desaprendemos a Amar. Vivemos pra esquecer. Sobrevivemos mecanicamente insatisfeitos e ingratos. Vamos feito montanha russa em uma alteração de humor de minuto a minuto, diária… Só reconhecemos aquilo que queremos e desconhecemos o restante. Nós sabemos bem ser vítimas e negar… A febre amarela pode matar tanto mas não mais que nossa ignorância, nossa falta de afeto, de ter a capacidade de aceitar o outro e não falar da boca para fora o entender.


Somos violentos de tantas formas diferentes e sempre achamos uma desculpa para ser. Somos sensíveis e também delirantes. Imaginamos coisas mirabolantes quando tudo pode ser tão simples como o silêncio ou o início de uma conversa. Não sabemos o efeito que causamos, mas somos donos de apontar o efeito que os outros causam em nós. Aí volto a pensar na loucura instalada em São Paulo, nas consequências dos acontecimentos e o quanto é fácil fazer o foco das coisas mudarem para moldar a massa de manobra que somos. O pior disso tudo é quando achamos estarmos pensando e agindo livremente nos tornando ainda mais perigosos.

sexta-feira, janeiro 26, 2018

Só fico pensando (miniconto)






por Rafael Belo

Não sei quantos dias durou a última batalha, mas se estou aqui é porque venci. Não há isso de não haver vencedores em guerras... Já faz algum tempo que vejo os corpos dos meus sentimentos espalhados e vê-los solitários e isolados me deixam em dúvida: foi legítima defesa mesmo, apenas auto-preservação ou prevenção? Mas, além deles não poderem mais aparecer – mesmo em outras formas – a Solidão já não vive mais comigo. Eu entendi o alerta e ingrata que sou a expulsei de casa. Sei quem acordo agora.

Sou todas. Não há separação nem motivo para isso. Já nem me dou o trabalho de responder algumas coisas e outras nem tenho vontade. Quando estou nos rolês... Sim, eu voltei! Tenho mais vida quando vivo e se sinto alguém querendo sugá-la de mim eu rio. Gargalho e a sensação passa. Ainda tenho muita raiva aqui e estou trabalhando minha impaciência, mas não quero ser boazinha nem desinteressada. Dá trabalho, sabe?! Não quero outra temporada com a solidão e não vou pedir perdão por quem eu sou...

Só de ver a interação acontecer, eu interajo. Mas... Conversar de verdade com alguém é quase emocionante. Porém, não ouse pensar que deixei de ser uma serial killer profissional de sentimentos. Isso não aconteceu. Eu só fiquei melhor. E apenas não ligo. Não há frieza e silêncios matadores mais.  Ao contrário de há um tempo, eu me sinto eterna. Talvez eu seja mesmo imortal, mas não estou a fim de testar não. Há sim um sentimento de invencibilidade, apesar da imbecilidade do mundo e de muita gente nele...


Estou contente e me vejo brilhar. Acima de tudo tenho um brilho no olhar. Não perco mais tempo surtando, explodindo com alguém... Simplesmente me desligo e, quando não, deixo tal alguém falando sozinho. O que mais mudou... Eu presto atenção em todo mundo e consigo ver e sentir se a Solidão foi morar por ali levando junto o isolamento. Quando meu sensor dispara eu fico encarando discretamente para garantir ser isso mesmo. Aí me aproximo e, normalmente, a gente se conhece... Mesmo se somente das redes sociais. Já pensou?! Depois eu só fico pensando: “que tiro foi esse?”

quinta-feira, janeiro 25, 2018

O quanto eu quiser




a solidão me deixou levou o isolamento
entre os tempos sinto falta mesmo em alta
ainda me vejo enfermo mas basta lavar o rosto olhar o espelho
e alcanço minhas multidões e dos outros em rota

notas cantam meu silêncio
sorrio todo sou rio um pouco em cada parte
de repente já não me calo

saio a procura de envolvimento sem sequer saber sobre solidão e isolamento
descosturo toda apatia sou noite e dia

tudo é prolongado pela sensação na sinestesia das lembranças e nestes odores tátil degustativo auditivo visual o infinito dura o quanto eu quiser.

+Rafael Belo, às 10h36, quinta-feira, 26 de janeiro de 2018+

quarta-feira, janeiro 24, 2018

Agora desconfio (miniconto)



por Rafael Belo

Há tantas outras dentro de mim que é normal eu me perder. Acordar sem saber quem acordou… Não me reconhecer quando o espelho me acusa me remedando e os reflexos me mostra por aí destacada no meio de tanta mistura. Eu nunca tive censura e nem minhas outras em mim. Filtro pra mim é o silêncio. Da mesma forma que me aproximo, me afasto e aí se quiser procurar por mim: faça, procure. Não vou tratar ninguém mal nesta vida, desgasta. E até aquilo que não passa não permanece no mesmo lugar. Mas, não venha com a gente se acostuma, eu não vou me acostumar com o que não quero.

Eu fico aqui olhando as outras pessoas e meu potencial, meu eu total parecem definhar. Sinto-me atrofiada… Olho para o mundo em que estou e só consigo pensar em agir. Mas, acabo só me mudando.  Até quando faço algo bom, me recriminando e eu tenho que revisar. Isso me atordoa por um tempo depois, sim, passa. A cada dia eu perco um dia de vida. Ando com a insônia, mas é o isolamento meu assassino particular. Eu nem contratei nem nada. Ele.faz questão de me matar, mas quando a solidão bate e me bate… Bem, eu fico inconsciente,inconsistente e indiferente...

A indiferença só mata  os outros. Aí a assassina sou eu. Atualmente, me considero uma serial killer profissional. Mas, veja bem, eu nem escolho o alvo. Acontece. Depois algo morre, mas não pense que algo não morre em mim também. Porém, não passam três dias e até isso ressuscita. Muita coisa em mim grita e quando vejo estou explodindo de impaciência com alguém. Sou orgulhosa demais para errar, então não se engane, eu não erro. Se você está morto, mereceu.

Eu isolei por não conseguir ser plena, ser todas, ser uma… Eu vivo com a Solidão e nunca sei interpretar direito os silêncios e a frieza dela. Isolei cada parte de mim e depois, enfim, me isolei. Não há delicadeza em mim. Fico contando quantos dias faltam para eu fisicamente morrer porque desconfio do falecimento precoce do meu coração e do abandono da minha alma em algum momento recente. Li em algum lugar que a solidão mata, depois assisti uma reportagem sobre o assunto… Agora desconfio realmente… Ela resolveu morar comigo para me alertar. Ei! Vem cá! Mudei de ideia. Você quer ficar sozinho?
… Continua...

terça-feira, janeiro 23, 2018

e é só





a solidão e o isolamento de mãos dadas
se vêem por um momento confinados na desolação
olham para as pessoas deslocadas jogadas por aí
há uma imensidão infinita da sacada onde estão

Ilusão social de temporária conexão
com sensação de abandono sozinha nas veias
correndo pálida sem qualquer cálida circulação

acumulando substituição por todas partes plásticas tudo chateia
nada mais é durável na nossa liquidez

quando o looping do momento acaba toda sensação começa outra vez e é só.

+Às 09h18, Rafael Belo, terça-feira, 23 de Janeiro de 2018+

segunda-feira, janeiro 22, 2018

A epidemia oculta






por Rafael Belo
Você já ouviram falar da Ministra da solidão? Não, Não é mais uma readequação da base, uma acomodação para os aliados ou uma campanha governamental para angariar votos para aprovação de alguma medida impopular. Nem sequer é no Brasil. Bem que podia ser outra piada pronta para rirmos ao invés de chorar. É bem real. O Reino Unido acaba de criar este cargo político. Lá reina o cinza e um comportamento completamente diferente daqui, mas quantas solidões também colecionamos?

Tudo indica que as conexões atuais não vêm com atualizações de abraços, presença e atenção real, mas com uma memória assombrosa ocupada por uma carência extrema. Esse Black Mirror da vida real reforça o que a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, apontou como “a triste realidade da vida moderna”. Esta tristeza afeta por lá mais de nove milhões de pessoas. A imaginação corre diante das possibilidades da nomeada na pasta, Tracey Crouch, têm. Como resolver a solidão? A presença de outra pessoa não é o bastante nem de uma multidão.

Esta situação está marcada como “epidemia oculta” e vai gerar uma estatística britânica de isolamento social. Dá pra imaginar muitas formas destas medidas abrirem precedentes pelo mundo. Há alguém que não se sentiu solitário e isolado? Se formos verificar os adolescentes e jovens abrangemos uma faixa-etária de 12 a 30 anos… Como estamos entre os países em estado de envelhecimento a situação piora se contarmos os detalhes e responsabilidades de adultos e idosos…

A epidemia do isolamento e da solidão está publicada a todo instante nas redes sociais pelo mundo adentro como um alerta, mas vem com a explicação de ser “indireta”, “brincadeira” ou “nem tudo que eu publico é o que penso e sinto”. Oi?! Enfim, estamos conectados o tempo todo e até isso deturpamos. A conexão acaba sendo sinônimo de isolamento e basta levantar a cabeça para vermos o quanto as pessoas não estão lá. Quando a chamamos de volta, toda vez, fica algo perdido neste retorno. Parece uma experiência fora do corpo mal sucedida aonde aos poucos vamos nos perdendo no caminho. Já pensou o que é e quem seria a Ministra da Solidão brasileira?

sexta-feira, janeiro 19, 2018

Sombras por toda parte II - Eu sou presente (miniconto)





por Rafael Belo
O desespero não vai tomar conta nunca mais! Quero alívios na minha vida e vou conquistar um a um. Não sou mulher de silêncios, constrangimento e cabeça baixa… Não mais! Não vou ser escrava dos meus medos. Ajo do meu jeito e haja tempo para me permitir ser eu mesma. Se não houver permissão serei eu mesmo assim. Chega de tensões me dando dores de cabeça, lapsos de memória, dores nas costas e tremedeiras.

Sou a mais nova versão turbo plus 18K de mim. Eu sinto a verdade, a vejo, a cheiro, a toco, o gosto dela surge na boca e nem sempre é diferente do gosto de chumbo ou morte… mas veneno e o fim são reversíveis pela dosagem, pelo tom. Sou meu recomeço. Só desconheço como vou parar com o orgulho, com esta queimadura na língua… Esta manipulação, esta imposição dos meus quereres… Quando vamos aprender a não julgar e a não nos sentir superiores quando achamos o outro estar errado?

É da minha natureza muita coisa, mas se isso não for bom eu preciso saber. Se eu posso mudar para melhor, mudarei. É muito carma acumulado naquele vazio misturado pairando sobre mim feito nuvens carregadas… Isso já foi! Meus olhos doem e eu estou chorando agora sem controle. Não é desespero nem descontrole. Minhas vistas estão cansadas… Além disso, meu corpo tomba precisando descansar…

É importante dormir bem, comer bem, viver bem… Não preciso de mais pressão… Só não entendo como me fiz tão mal, espera! Nada de me deixar culpar. Por que os cachorros estão latindo tanto hoje… Cães ladram, né?! Há ladrões por aqui…?! Paranoia. Caraca. Cara! Este monte de silêncios enfeitando meu pescoço como um colar, estes adornos chiques de outrora… Pronto! Rompi! Eles que se espalhem… Há luz por todas parte. Até quando se apagam… Estaria eu amaldiçoada bem agora?! Estou muito no futuro para viver no passado! Meus olhos brilham… ?!?! O quê!?!? Tudo se apagou menos eu… Então, porquê não há mais escuridão ou pesadelos? Estou no ataque sem defensiva, sem desculpas e sem esconderijos. Reparo na maioria das coisas e das pessoas e faço reparos no que precisa de reparos. Não falta sons em mim. Nada mais aqui é ausente.

quinta-feira, janeiro 18, 2018

até quem não vem



Eu moro em mim e aonde quer que eu vá
sou um Estado um lugar cheio de silêncios repletos de nadas com um pouco de tudo e um outro tipo de som
estou em muitos quereres e covarde sou comigo às vezes

pouso distante de mim para observar azul
onde poderia estar no meu tempo preenchido de movimentos
não há incompletude por aqui só desconstruções
entrega lúcida às sensações em um fechar de olhos

sigo direto sem me importar com as paradas
descubro outros eus em próprias jornadas

não há desculpas nem esconderijos sou o que digo e faço não tenho embaraços só sigo meu ritmo e passo levando até quem não vem.

+Rafael Belo, às 11h53, quarta-feira, 17 de janeiro de 2018+

quarta-feira, janeiro 17, 2018

Sombras por toda parte (miniconto)





por Rafael Belo
Estou cercada de sombras. Elas parecem vivas. Sinto um mal me espreitando. Que angústia. Dói até respirar... Pareço possuída e ainda com uma legião pulando no meu peito... Estou sozinha no meu quarto. Era um pesadelo e mesmo assim vejo movimento nas sombras. Esta voz na minha cabeça fica repetindo para eu não tirar os pés da cama. Qual o sentido disso? Este medo? Esta solidão? Não poderia ser mais direto Sr. Universo? Eu preciso tanto dormir e agora minha preocupação é que algo aconteça se meus pés não couberem na cama.

É tanto tempo acumulado sem calendário, sem horas para marcar... Estou perdida. Sei... Estava me escondendo... Estou me escondendo. Minha memória falha. Não consigo confiar em ninguém. Há uma sensação estranha. Já não sei mais diferenciar realidade de delírio. Não consigo confiar em ninguém. Serei solipsista? Não. Eu nego. Não existe além de mim só experiências. Ainda existem seres humanos, certo? Este não é mais um fim do mundo prestes a acabar de novo, ou é?

Nem sei mais se tenho dormido. Só tenho tido pesadelos e delírios. Será reflexo de me esconder, de tentar me manter acordada, de não me permitir quaisquer relacionamentos porque sinto que tudo é invasivo, manipulador e violento? Este silêncio me mata aos poucos. Estou confundindo tudo, por isso falta ar. É como se eu fosse uma super-heroína largada no espaço sideral e de repente perdesse os poderes e todo tipo de racionalidade...

Eu preciso da verdade. Esta vontade de impor o meu querer como se fosse único precisa mudar. Este não era meu mundo e agora... Agora eu sinto uma tristeza profunda querendo entrar. Minha cama é fria. Minha casa está congelando e lá fora está 40 graus na sombra... Sombra... Sombras por toda parte. Estou enlouquecendo. Preciso acordar ou preciso dormir? É possível pegar insolação sem sol ou agora sou uma assombração? Que o desespero não venha tomar conta de mim! QUE O DESESPERO NÃO TOME CONTA! ... Continua...

terça-feira, janeiro 16, 2018

Indigestos





o silêncio não foi suficiente na ausência de palavras
todo o imensurável deixou de ser imenso apequenou
séries sistemáticas sorrisos tensos comportamentos de liquidificador

faltou som e esta quantidade de ausências não preencheu o vazio
nem um arrepio causou só viralizou a coleira da solidão
institucionalizou o medo e a acomodação
trouxe de volta o fantasma de nós mesmos que nunca nos abandonou

o desespero parou pensou por momentos nos reparou
e cada reparo necessitava de atenção pelo mal feito

às pressas apenas o nosso querer sonhou diretas estava nocauteado pelos esconderijos dos disfarces das desculpas indiretas.


+às 11h20, Rafael Belo, terça-feira, 16 de janeiro de 2018+

segunda-feira, janeiro 15, 2018

A ausência de som





por Rafael Belo

Vocês já repararam? Ou melhor, já se reconheceram fazendo? Temos a cotidiana prática hipócrita de dizer estarmos bem sozinhos, mas estamos sempre pensando em alguém, avaliando as possibilidades e com o estúpido medo de nós machucarmos… Olhamos ao nosso redor, para nós mesmos e temos aquela leve crise existencial: o que eu estou fazendo?! Sabemos a resposta independente da quantidade de desculpas.

Se parássemos de comparar, analisar, encher um saco infinito de expectativas, imaginarmos coisas ao invés de conversar e ir direto ao assunto sem nos preocuparmos com tantos porquês estaríamos bem melhor, mas não! Não somos masoquistas, sadomasoquistas ou qualquer coisa assim - a não ser egoístas - mas vamos levando como está (ou não está)... Eu confesso o quanto é sensacional encontrar alguém surpreendente para mim e mesmo assim as coisas não serem sim ou não.

Nada é apenas o nosso querer. Há muitos fatores, muitas histórias, diversos caminhos… seria muito mais agradável ouvir um não sincero, um sim espontâneo a se deixar sofrer com os silêncios. Estamos perdidos lutando contra o vazio cultivado e bem nutrido por nós. Somos todos estranhos com este animal de estimação tão coletivo e solitário passeando com a gente sem saber quem está na coleira… Disfarçar e focar em outras demandas, outras necessidades, outras vontades não faz desaparecer nenhuma das anteriores.


Sério. O que estamos fazendo de nós?! Precisamos nos libertar. Eu confesso viver nesta tentativa diária começando por esvaziar minha mente ao conversar com alguém. Só escuto e estou presente. Dialogar é uma arte explicada pelo próprio nome dado: é preciso de mais uma pessoa e é fatal confundir o espaço que damos, o espaço que precisamos e o espaço sideral… A vida são séries sequenciais de tentativas e dar atenção demasiada para dúvidas e para os vácuos da vida é realmente chegar ao espaço onde é congelante e há um silêncio totalmente desesperador: a ausência de som.

sexta-feira, janeiro 05, 2018

Sinto saudades (miniconto)







por Rafael Belo

Olhe bem no espelho e repita consigo mesma: não seja volúvel, seja solúvel! Misture-se e mesmo assim vai se destacar. Respire fundo agora pare de falar consigo mesma... Pera! Quem anda com espelho? Câmera de selfie... Isso! Pronto! Agora sim! Não seja volúvel! Não seja volúvel! Seja solúvel! Seja solúvel! Misture-se e vai se destacar! Até parece. Só preciso parar de sentir falta de tudo... Não! Sentir falta é pouco eu sinto saudade. Sinto saudades de todo mundo e, às vezes, até de mim mesma.

Eu sou intensa sabe? Não me compare. Pare já com isso! Eu o-de-io! Enfim, como eu ia dizendo... Como sou intensa, não me escondo... Abraço mesmo, beijo mesmo e segue o baile. O rolê é esse. Mas, de vez em quando, eu sinto uma dor no peito e as lágrimas escorrendo, mas estou sorrindo. É. É sim! Sorrindo. Sor-ri-ndo! É que tive tantos momentos bons, tantas pessoas boas que é emocionante... Dá uma saudade, né?! Você não sente?

Não entendo essa de não poder chorar, de achar que existe coitadinho... Não contatinho, coitadinho... De ficar colada ao que faz mal, de ficar ressaltando as coisas ruins, dando espaços para pessoas perdidas... NÃO! Sai fora! Me deixa! Que isso! Até parece. Dessas eu nem lembro quanto mais sentir saudades. Ah, mas quantas saudades eu sinto de ficar à toa, das minhas amigas... Agora eu... Dói né?! Onde será que está todo mundo agora?


Sinto-me velha... kkkk... Tudo isso por causa do Balão Mágico e do Trem da Alegria. É isso! Caraca! Vou criar um evento agora com músicas infantis de 20 anos ou mais atrás. Olha quem apareceu... A Ju, a Dani, a Ta... Ah, meninas! Irmãs! Mais um grupo de whats, por favorzinho... vou explodir de saudades, de alegria e desta vez não vamos nos afastar. Eu estou um pouquinho e cada uma e vou matar as saudades de mim mesma também. Nunca mais vou dizer sozinha: não seja volúvel, seja solúvel... Vamos voltar a dar sabor a esta liquidez!

quinta-feira, janeiro 04, 2018

tão meu




saio suado suavemente sonhando acordado de repente
há serpentes com maçãs nos dentes ao invés de porcos
a saudade não envenena anda ou rasteja nem nos quer mortos
é culto curto cabendo aqueles traços tortos presentes

um culto curto talvez queira dar razão ao coração
é um insulto que trago pra longe enquanto trago ares do tempo
acabo em um contentamento de lembranças e nada em mim cai

flagro um lado meu tão meu pai
reparo não ficar triste porque ele não está ausente

constantemente ele ainda existe navegando na saudade aqui e quando dá vontade de chorar choro mas tudo em mim ainda ri.


+às 16h06, Rafael Belo, quinta-feira, 04 de janeiro de 2018+

quarta-feira, janeiro 03, 2018

Aproxime-se (miniconto)








por Rafael Belo

Não sei mais quanto tempo se passou. Não durmo desde que o ano virou. Começou comigo acordada sentindo saudades. Foi a primeira noite das meninas e de tantas só restaram eu e minha mais antiga amiga. Já se foi mais de uma década e meia... Não é destes anos que sinto falta. É deste tipo de amizade. Mas, antes das dez da manhã eu fui embora e por mais... Bom, prometemos não nos afastarmos e olha só. Quando foi que fiquei com medo da proximidade?

Quando foi que fiquei sozinha deste jeito? Eu sei a resposta, né!? Éramos três desde esta coisa rara de se conhecer criança, estudar junto, passar por muitas fases juntas e então... Sempre acontece algo marcante. É um roteiro de um filme que não vai passar para mais ninguém. Estes rolês, estes crushes... São tantas pessoas diferentes na nossa vida, mas sempre tem alguém da nossa família mais próxima e aqueles amigos que queremos mais perto... Eu choro quando lembro da distância que criamos...

Ela morreu. Eu nunca tinha sofrido a perda de ninguém. Tínhamos saído da adolescência tínhamos sonhos, planos, estávamos no mesmo curso, na mesma sala... Depois daquilo! Desculpe! Nunca falei disso, mas alguma promessa deste ano eu preciso cumprir. Preciso falar sobre ela. Ariva tinha perdido os pais em um acidente de carro. Fazia um ano. Eu não me perdoo por não perceber os sinais. Todo mundo seguiu em frente eu parei. Ela era minha irmã de coração. Nunca tive alguém tão próxima. Eu morri junto com ela.

Faz cinco anos. Foi na virada. Até hoje ninguém sabe como ela conseguiu a arma e a munição. Durante a queima de fogos e o sofrimento dos animais... Ariva se despediu da gente. Depois que a gente entendeu. Já falei muito. Hoje estou aqui evitando ter saudades, evitando proximidade, não sou fria, mas me tornei especialista em esfriar qualquer coisa em mim. Eu me derreto toda vez que vejo esta terceira parte de nós. Tento não pensar em quem é egoísta. Quem de nós três é mais? Meu celular? Achei que tinha desligado... É ela minha terceira parte! E agora!? Somos só duas... Alô?

terça-feira, janeiro 02, 2018

bandeirar





o tempo para e me olha direto do que fui do que serei
há uma saudade chovendo lá fora molhando uma saudade do que nunca tive
ela me abre me revela como uma trêmula chama eterna no declive
me molha e uma lágrima chora sem nada acontecer além do tamborilar

talvez eu me incline para tentar decifrar se é dor ou falta
neste sorriso triste que resiste até as quedas mais altas
 mas que algo decline para eu não trombar atrás de águas calmas

este mar nos meus olhos só vai se acalmar quando a alma falar
e o coração sujeito presente do indicativo a indicar o ritmo para o agora continuar

neste momento a emoção em ondas me pula sete vezes tremula em maresia as sensações no corpo volta a quem deixou saudade pela vida inteira e eu sou bandeira estiada até o topo.


+Às 16h43, Rafael Belo, terça-feira, 02 de janeiro de 2018+

segunda-feira, janeiro 01, 2018

Estamos errados







por Rafael Belo

Um olhar distante e um sorriso nostálgico. A saudade reclama seu espaço. Ela enche meus olhos de lágrimas, aperta o peito, deixa o coração diferente... Frio, quente e ele derrete. Eu choro sorrindo. Satisfação, gratidão, saudade... A gente segue em frente, mas há pessoas que sempre fazem falta. Ninguém pode imaginar esta ausência em cada um de nós, mas a presença é mais forte. Não importam os defeitos, os gestos e feitos são bem maiores. Sempre falo dos meus pais e da luta deles e eles não saem da minha memória. É um ano novo e somos feitos de velhas histórias que nos tornaram capazes de viver novas.

Eu choro ao lembrar do último momento do meu pai pelo sofrimento que ele passava e o que esperava por ele se ele continuasse aqui... Porém, fico feliz não só porque ele estava nos meus braços no último suspiro e minha mãe ao meu lado, mas pelo que ele representava. Meu pai era alegria e eu aprendi alegria com ele. Meu pai era desimportar e eu aprendi a desimportar com ele. Por isso, não faz sentido eu ficar triste. Para ele as preocupações eram bobagens e eu tento não me preocupar. Meu mantra é saber o que eu posso fazer e ponto.

Meu pai fica aqui permanente e pronto. Ele faz parte de mim, da minha mãe, das minhas irmãs, dos meus sobrinhos, das minhas tias, das minhas primas, primos e da minha saudade. Meus traços e passos continuam ele, assim como os das minhas irmãs... Não sei se vai existir alguma manhã onde vou acordar e não pensar nele. Sempre respeitei o jeito dele e as escolhas dele. Ele me ensinou isso e o Amor é eterno. Eu tenho muita semelhanças com ele e com minha mãe, como não ter? A gente tem mania de não querer parecer ninguém e realmente a gente não parece, mas muito lembramos quem são nossos pais.


A saudade nem sempre escorre nos olhos, mas fica rondando. Ela bate diariamente, mas não como algo ruim. Mostra o quanto uma pessoa é importante independente do que ela faz ou quem ela seja. Ninguém é de todo bom e ninguém é de todo ruim. Nunca tinha falado sobre esta saudade viva, mas só porque eu não estava pronto. Este ano eu estou pronto para tudo. Vírgulas, reticências, exclamações e pontos finais vão seguir com as interrogações sendo solucionadas ou aceitas porque se a gente quer dizer o que é certo e o que é errado, a única certeza é estarmos errados.