sexta-feira, setembro 27, 2019

Outro Tempo (miniconto)







por Rafael Belo

Meu Deus! Protege minha coluna e minha cabeça. Depois dor. Muita dor! Mas vida! Vida em abundância! Minha vida estava ali. Dentro de mim além do pouco de tempo que vivi. Foram instantes para mim. Mas em Outro Tempo foram anos. Tenho outra chance, outra vida na mesma vida.  Vivi por lá uma eternidade. Um instante aqui…

Em Outro Tempo, as almas estão restauradas.  Há o infinito e o Único Absoluto. Lá Ele nos trabalha aqui para evoluirmos. Tive a permissão para enxergar e vi que não há apego algum. Há a existência. Um rio correndo sem pressa, sem represado ser. Estar ali era fazer parte do Todo, era perceber que apenas o sentimento de Outro Tempo, a sensação de Unidade e Paz voltaria comigo sem nenhuma lembrança.

De volta a Este Tempo, chorei como renascida. Era de novo um recém-nascido rasgando espaço e consciência. Questionava o motivo do acidente, mas tinha medo de saber o propósito, de entender a extensão dos meus erros… Foquei na dor. Estava sozinha e tudo me pedia um pouco mais de calma. Estava confusa entre pensar que tudo terminava ali e tudo começava ali…

Era vida. Era dom. É vida. É dom. Aquele cuidado, aquela proteção… Sempre esteve dentro de mim. Voltei a escutar. Minha missão vai aperfeiçoando meu espírito. Só preciso de coragem para entender qual é. Faço parte da harmonia universal para reparar angústias, incentivar o Bem e expiar as faltas… Mas antes preciso expiar minhas próprias.

quarta-feira, setembro 25, 2019

Maiores










a melanina distribuiu os tons de Negro
pegos no meio da palpitação disparada no ar
a dor se estendeu no asfalto
do Alto a vida voltou

tudo se dobrou contendo as lágrimas
o Ébano frio continuou na estrada
sem um fim espiritual

o físico retorcido na desigualdade
foi obrigado a desacelerar enquanto o mundo corria

só para quem entende a pequenez de nossos desejos diante de planos bem maiores.
+Rafael Belo, às 10h59, segunda-feira, 23 de setembro, Campo Grande-MS+

segunda-feira, setembro 23, 2019

Se não conhecer ninguém







por Rafael Belo

A sensação de sobrevivência é estranha. É boa. É um frescor e um peso no estômago ainda mais quando não se trata de você e ainda assim se trata. Quando as desigualdades, o desânimo, a revolta, a raiva, o medo, os maus-tratos surgem antes do cuidado, da gentileza, do bem-estar, dos direitos e deveres, sentimos o valor da vida humana. Um acidente sofrido por quem mora no seu coração te leva a realidade da ausência de leitos e do abandono das pessoas.

São detalhes que definem toda a linha inicial desfiando o tecido bem costurado de alguns segundos atrás. Um tempo desperdiçado cuidando de bens materiais enquanto a vida importante está em um local frio de dor e sofrimento. Os prontos socorros, clínicas, hospitais e unidades de saúde públicos seguem da mesma forma desumana. É desespero o que lá habita, é desesperança depositada em macas… Há pouco mais de uma semana se não fosse a fé, família e amigos talvez agora a conversa fosse sobre mais números e estatísticas.

O impossível realmente não existe. Analisando o acidente o que fica é o milagre, a mão de Deus… Na parte humana ficamos na burocracia, principalmente se não se conhece ninguém. Quando não há ninguém para intervir, agilizar, fazer os direitos valerem ou o conhecimento dos próprios direitos para advogar por si… É o abandono, o para depois, o esperar, o velório… Há justificativas para todos, para tudo, mas e as ações? A efetividade? A iniciativa? A proatividade e o profissionalismo?

Apesar de mal pago e sem reconhecimento, ser jornalista tem para os outros um peso e um glamour raro para o profissional. Depois de reclamar com todos e poucas horas abandonada no PS da Santa Casa com muita dor devido a fratura exposta causada pela imprudência de uma motorista sem habilitação na BR 163, que atingiu a moto pilotada pelo meu amor, foi preciso algumas ligações para alguém da saúde amenizar a dor e encaminhar para o raio-x. O acidente aconteceu 17h40 e já eram quase 20h daquela quinta-feira.

Mais tarde, quase meia-noite, ainda consegui entrar para vê-la e a quantidade de acidentados se acumulava por toda parte. A toda hora uma nova ambulância trazia uma nova história de dor. Resumindo idas e vindas com suspeitas e exames, quando a vi novamente, ela estava entre duas salas em um ambiente de 80cm por 1,80 cm com uma pia. No dia seguinte ainda estava no mesmo local. Mais revoltas e ligações… Contatos… Depois do almoço da sexta-feira 13, foi levada mais adiante para o Hospital do Trauma. Entre promessas de cirurgia, dor e contatos do SAC da Santa Casa, a cirurgia só aconteceu no sábado depois das 05h30 da manhã. 

Eram 14h de um nervoso sábado quando meu amor saiu do pós-operatório. O milagre ficou com três placas e 15 parafusos no braço esquerdo. As visitas do SAC também eram físicas…  O quarto sempre tinha alguém nas primeiras noites e tirando a idosa de 96 anos ao lado. As outras duas jovens que foram internadas ao lado sofreram acidentes de moto. A senhorinha quebrou o fêmur e devido a uma longa dieta de cálcio e uma saudável vida rural já estava se recuperando bem. Mas a mente distante tentava confeccionar um bordado ou tecido lá da infância. Costurava e buscava agulhas invisíveis enquanto falava com quem já se foi ou simplesmente não estava ali. A outra, a segunda paciente, estava com fome e contando a saga de precisar ameaçar chamar a assistente social para ser atendida já estava de alta, mas nada da família buscá-la.

Também houve a última que compartilhou o quarto com a gente. Uma interna com tornozeleira, aos 19 anos com três filhos e relegada ao medo, ao preconceito, ao julgamento e ao desinteresse dos outros. O olho direito com sangue, corpo ralado, a fala era a conhecida dos MCs. Afrontosa para se impor e conseguir o que quer, se virava como podia com a perna. Disse ter sido presa por estar na casa de amigos quando a polícia chegou. Enfim… a perna estava toda costurada, parecia começar a apodrecer e ela só queria ir pra casa. Não comia até a convencemos que comendo teria a recuperação mais rápida. Quando tivemos alta, ela ainda ficou… 

Lá, ao lado, e aqui, fora, pedimos a Deus por quem necessita, agradecemos o milagre da vida, da oportunidade não perdida de estudar, continuar, recomeçar e aprender o que Deus quer para nós.

segunda-feira, setembro 09, 2019

Rindo a vida







por Rafael Belo
Uma redação é quase idêntica a uma aula da saudade da graduação ou, para quem nasceu mais recentemente, uma sala de aula onde seus melhores amigos também estão. É um falatório profissional, no entanto não importa a situação, o clima pesado logo fica leve com brincadeiras, piadas e uma diversão com a tensão alheia. Parece tipicamente brasileiro tirar o famoso sarro, fazer a falada zueira, mas este aliviar o ambiente é natural do ser humano.

Mário Quintana já dizia: "O sorriso enriquece os recebedores sem empobrecer os doadores". Mas não precisamos ficar no poeta, o próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tem um levantamento apontando que sorrir relaxa as tensões do corpo e faz trabalhar aproximadamente 17 músculos. Além disso, um estudo divulgado há 13 anos pela Escola de Medicina Lona Linda, Califórnia (EUA), provaram que o riso não só aumenta como faz mais ativas nossas células conhecidas como "Assassinas Naturais", as NK (Natural Killers). Chamadas assim porque destroem vírus e tumores. Rir traz melhora na imunidade e bem-estar.

Naturalmente sabemos disso porque nos sentimos menos estressados, com menos dor, relaxados e um monte de benefícios grátis por aí. Mas parece que achamos ser fácil demais sorrir, rir e brincar e vamos levando tudo a sério. Perdemos a graça e me parece ser desta maneira que nos afastamos da Graça também. Nos distanciamos e questionamos tudo com um gosto de rancor na língua ou o tão vial ranço. Parece trouxa e idiota dizer sobre a vida ser curta e uma só…

Porém, precisamos ouvir e ver o óbvio. Vivemos com pouca fé na vida, no outro e principalmente em nós mesmos. Por isso, fomentamos a inveja, a inexistente inveja branca, ódio, o desamor e as fofocas. Nossa preocupação com o pensamento e o julgamento alheios nos aprisiona, nos impede de sorrir. Somos nossa própria prisão ambulante ficando distante de quem realmente somos e porquê não podemos sorrir e rir antes, durante e todo o processo de ser nós mesmos?

sexta-feira, setembro 06, 2019

Ruínas (miniconto)







por Rafael Belo
Cai de rosto no chão. Desviei da minha própria fala. É hipócrita, certo? Reclamei no fogo da minha língua. Já não sei a mulher que sou. Me chamaram demônio… Eu sempre me achei um anjo. Um anjo insuportável, claro. Mas, um anjo. Todos estão loucos! Agora estou caída sem saber porquê. Meu peito dói. Meu estômago não me deixar comer nem beber. Devo estar viva só pela força do ódio. 

Força destruidora. Só planta discórdia e se autoalimenta. Aí estas guerras nunca acabam. São só pausas para continuar exatamente de onde pararam. Este é o segredo do mal escondido em nós. Ele distorce as coisas, espreita até agir. Só faz mal a nós. Ao outro só há mal se ele permitir cair nesta energia… Eu fui responsável Por Isso no mundo todo… Como eu sinto é repartido com todas as almas mundanas e não somos todos do mundo?

Não. Nenhum de nós é. Mas me ajude a levantar aqui. Me dê a mão sem qualquer intenção. Chega de reclamar. Pare de clamar coisas ruins ao universo duas vezes. Falar em voz alta ajuda. Isto é ruína. Se tem algo que eu desisto é de ser Ruína. Arruinei este lugar com minha queda, queridos. Vejam só. Só sobrou este buraco e esta dor sentida sem sentido algum. Ainda assim sigo escolhendo o dessentido. 

Eu sou muitas em uma só. Só vim conferir o lugar. Minha força negativa é este fim. Preciso parar de reclamar. De assumir outras personalidades por empatia. Só preciso de um minuto para me recompor e redizer a mulher que sou. Eu construo, não destruo. Mas todo mundo cansa, não é? Uma hora fingimos ser outra pessoa e é confortável ser alguém o qual julgamos não ter problemas… Abram espaço. Preciso de espaço para voar. Adeus.

quarta-feira, setembro 04, 2019

Impulsionado







morreu a voz antes do fim
em meio a próxima reclamação
suada na tremedeira do arrebentar dos batimentos
o sentir armazenado explodiu 

transbordou imediatamente em inveja
correndo nas salivas da fofoca
desafios de não se fazer mal

malfeito cotidiano ansioso 
desequilíbrio da exposição total

cansaço impulsionado nas redes digitais
navegando longe dos mares da solução.

+às 15h19, Rafael Belo, quinta-feira, 04 de setembro de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, setembro 02, 2019

Reclamar mata







por Rafael Belo

Há burburinhos, murmúrios e sussurros velozes como a negação na constante perseguição a quem somos. Nossa exposição diária abre julgamentos injustos e desnecessários na necessidade de guerra e divisão de seja lá quem for responsável por se alimentar da discórdia. A inveja e a fofoca andam de mãos dadas na relação abusiva mais antiga do mundo… Mas é a reclamação a coisa mais cansativa do planeta e parece ser nosso trabalho cumprir as metas de quantidade e qualidade de reclamações por dia… Quantas vezes você já reclamou hoje?

Para mim, a categoria mais irritante do chatômetro é reclamar. Mimimis são normais quando estamos putos, desde que não seja um hábito e não tenha te distanciado e isolado do mundo, é normal. Lembrando que ir atrás dos nossos direitos não é reclamar, é reivindicar algo que deveria estar sendo cumprindo e não está. É buscar resolver... No entanto, reclamar sempre é acumular tantos pesos dando massa e definição para problemas que sequer queriam ir para a academia, se alimentar e dormir… Só aconteceram para criarmos um solução ou nos movimentar. 

Reclamações pesam diretamente em nós. Nosso corpo e nossa mente respondem. Consequentemente doenças graves têm espaço para morar e dominar assim como o desânimo e a ausência de fome. A Medicina, a Psicologia e a Filosofia apontam um desequilíbrio nos expondo ainda mais ao hormônio cortisol levando a lapsos de memória, dificuldade de aprendizagem e cansaço. Criando tantos hipocondríacos armazenadores de raiva, frustrações e medo parados diante de qualquer impacto da vida.

Tudo isso gerado por nossas expectativas e atitudes das pessoas. Não somos parâmetro para o outro. Alguém pode até fazer algo muito parecido com o que fazemos, mas jamais farão exatamente igual e esperar que alguém faça como nós faríamos é se iludir, se frustrar e se machucar. Esta ansiedade crônica namorando o imediatismo moderno é solo infértil para coisas boas, porém fértil para mortes diárias. Nós somos capazes de sobreviver e viver cotidianamente. Somos capazes de buscar soluções e iniciar a meta diária de abolir a reclamação e por que estamos parados falando? Vamos agir. Nos desafio a não reclamar mais. Aceita o desafio?