domingo, junho 30, 2019

Vaga (miniconto)







por Rafael Belo

Eu não tinha mais cor. Apesar de ser vista era invisível. Não tinha a cor preta porque eu não sou ausente de cor. Não tinha a cor branca porque eu não sou concentração de cores. Vagava atropelada pelo tempo sem qualquer entendimento de mim mesma. Minha consciência ainda vaga e parece que tudo de ruim tenta ocupar o espaço dela. Eu confundo passado, presente e futuro.

Nem sou idosa, ou nem tão idosa assim ou sou? Ninguém me reconhece mais. Eu não sou meu lar e, portanto, não tenho lar nenhum… Estou sem voz também. Lá fora venta tão forte, mas a chuva é fraca. É possível um desejo ser material? Digo pessoal? Quer dizer uma pessoa como eu? Por que eu sou uma pessoa. Agora a indefinição continua… Qual pessoa eu sou?

Às vezes me lembro das coisas… Aí esqueço logo sem nem tempo de entender. Estou vestida de Tristeza… Quando começo a me despir toda... Nua, é exatamente onde as pessoas trombam em mim. Batidas distraídas movidas pelo silêncio e o celular. Aliás, eu tinha um. Tinha uma vida digital ou eu destinha? Eu era alguém ou ninguém consegue ser alguém e todo mundo é sempre ninguém?! Uma multidão de rostos desconfigurados…

Afetados por alguma raiva guardada tingida de algum rancor alimentado em cárcere privado. Um cativeiro que só o sequestrador pode saber a localização real. Agora percebi que talvez eu seja apenas mais uma inteligência artificial aprendendo toda vez que me ligam como se fosse recém-nascida… Se for assim, eu consigo descobrir a maneira de me desligar ou só seria reiniciada? Já tentei isso antes?

quarta-feira, junho 26, 2019

Continua







Na janela do impulso uma barreira
o vento sopra ao contrário forçando para dentro
Nenhum movimento faltam batimentos
talvez tristeza seja uma veste encharcada

Secando ali ao invés de olhar para baixo
chama o horizonte os olhos
para por princípios o pôr-do-sol

toda luz descolorida embranquece
aquece com cor contraste

ali na beira do empate entre morte e vida o dia termina e mais uma pessoa continua.

+às 13h14, Rafael Belo, terça-feira, 25 de junho de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, junho 24, 2019

Descontrole diário






por Rafael Belo
O ar está seco, o clima está desértico e nós não escutamos nossos instintos. Os sinais são evidentes. Os acidentes acontecem mesmo com a maior prevenção do mundo. Não controlamos tudo. Aliás, não controlamos nada. No máximo damos nosso melhor e seguimos confiantes e positivos. Não adianta tentar imaginar o pensamento nem o sentimento do outro. Temos um código muito bom para isso… Conversa, diálogo, ouvir… Enfim, se relacionar. Para nosso bem-estar sorrir é preciso que o do outro sorria também.

Sem sorrir a vida descolore e abre portas para pensamentos ruins, para sentimentos ruins… O orgulho mata. A infelicidade infecciona e leva a alma antes de levar o corpo. Depois se espalha deteriorando os sentidos próprios e construídos até apodrecer e nos abandonar em um quarto sem luz, ar, nem nenhuma janela e porta… Seria assim uma vida sem alma? Talvez seja a morte na carne mesmo… Nós morremos de tantas formas por confundir desejar com dialogar, por misturar vontade com obrigação… Nem levamos em conta a dor do outro e isso é crônico porque não admitimos nossos erros, só queremos justificar.

É um suicídio constante, uma dor lancinante, sabe? Aquela que lateja e nos empurra para um abismo que na verdade é um buraco negro no peito. Queima. É triste. A ordem natural das coisas está perdida. Ordem e natural viraram termos caros e pejorativos… E até ofensa. Como a velha história de não se meter na vida alheia. Se meta sim. Se for para salvar um vida e a sanidade mental de todos, se meta. É praticamente uma obrigação se meter nestes casos. Nosso bem mais precioso é a vida, mas jamais devemos julgar a dor do outro ou ainda a distração de amigos e familiares. Estes tempos são distorcidos. As atenções estão gastas e indiferentes. Só há exigências...

E exigir é muito desgastante. Arrumar desculpas é muito desgastantes. Justificativas são muito desgastantes... Não estamos saudáveis! Não importa nossos exercícios, nossas insónias nem nossa alimentação. Está tudo na nossa mente. Assim, mais uma vez muitas coisas morrem dentro da gente, inclusive alguns eus atordoados pelos acontecimentos. Mas todo este cemitério adubando o peito, transformando o coração, acelerando a mente é necessário. O porquê pode ser simples: Quando não vamos passo a passo, tudo acontece de uma vez. Não atropele seu tempo, você pode ser atropelado e ficar sem tempo algum.

quinta-feira, junho 13, 2019

desdons







Há obstáculos no caminho
nossos corpos estendidos
nossas mentes desentendidas
fugas consecutivas em martírio

somos nosso próprio inimigo
em busca da razão perdida
aturdida metida pelos atos dos pés pelas mãos

as boas intenções são insuficientes
quando vejo uma luz apagada e sigo

ambíguo entre carne e espírito visto um ninguém que não sou
fugindo de escuridão em escuridão enquanto a Luz própria eu sou .

+às 10h36, Rafael Belo, 13 de junho de 2019, quinta-feira, Campo Grande-MS.+

terça-feira, junho 11, 2019

Não fuja







por Rafael Belo
Ser forte o tempo todo é a maior fakenews já criada. Não chorar escondido ou, aparentemente, sem motivo é ignorar totalmente as crises vividas ao redor. Há muitas dores para serem choradas, inclusive, a própria. Não somos deuses ou semideuses para carregar o mundo nas costas nem outras vidas. Também não somos escolhidos, fazemos nossas escolhas e ponto. Afinal, tudo tem consequências e para enxergar o bom mesmo é se afastar … Não! Não fuja! Afaste-se. Olhe bem. Tome distância. Tome fôlego. Respire fundo. Prepare-se.

Nós não somos o centro do universo. Somos muitos diversos e há muito de divino nesta nossa humanidade perdida, mas, desiludidos como estamos, esbravejamos, brigamos com todas as telas: cinema, notebooks, PCs, celulares… É um apagão de inconsciência neste mundo palpável onde a gente apela por qualquer coisa. Agride, bate, sequela, mata… Empata a vida do outro ou, por muito, quer dizer, por pouco, acaba com ela. Somos portas, janelas, passagem para algo melhor, no entanto reclamamos, criamos pedras, pintamos muros, cultivamos obstáculos.

Neste nosso espetáculo, queremos ser protagonistas mesmo atuando como coadjuvantes. Fingimos saber sobre a vida, que ela vai adiante, mas não. Sabemos mesmo de nós - mesmo escondidos em um canto na própria cabeça… Há quem enlouqueça e há quem empobreça. Não só materialmente. Mas a mente, o coração… Ficamos pobres daquilo a mais nos enriquecer. Olhe aí ao teu redor. Prestes atenção ao que doeria se perder. Deixe de se limitar aos olhos, falo mesmo daquilo que está neste coração acelerado. Vale à pena?

Procure caminhar em silêncio. A gente nos deve a paz, mas como exigir algo despossuído em nós? Quer dizer, como exigir algo do universo ou de alguém que não temos? Aliás, só podemos exigir algo de nós mesmos, não é? Não sei qual a sua crença. Eu creio em Deus e, bem além de saber, sinto ser amparado e direcionado para o meu caminho. Sinto em uma profundidade inexplicável que não cabe em mim. Tento me acalmar e sorrir. Hoje entendo perfeitamente todo o passado até aqui. Foi um preparo para saber que todo o amargo já não será o mesmo nem terá o mesmo sabor.

sábado, junho 08, 2019

Como acreditar?! (Miniconto)







por Rafael Belo
A Verdade estava descalça, nua… Mas nunca crua. Caminhava forte. Forte em seu gênero. Era mulher sem vergonha alheia, sem vergonha de si. Era tão alta… Quer dizer é tão alta nunca diminui. A Verdade nunca morre. Ao contrário da mentira. Esta cresce, fica evidente, porém é sempre pequena. Suas medidas várias são em proporção, mas nunca vertical nem na diagonal sempre horizontal. A mentira covarde foge…

Até ficar encurralada. Até a Verdade a pegar em todos os pontos e elas precisarem conversar porque no fim são só as duas. É o que acontece agora. Olha está Verdade se sentindo absoluta e eu nem consigo a olhar nos olhos. Eu sempre fui abusada, agora sou envergonhada. Será que vou precisar morrer pra mudar. Dói morrer? Heim, Verdade? Dói morrer?

Poucos coisas minhas doem. Então, te digo que a morte é sua. Uma mentira. Vai o corpo, vai a dor e a Alma infinita continua. De onde veio está coragem de falar comigo? Você nunca nem me olha e está se forçando agora a isso? Você acha que sua alma fica infinita se você a sacrificá-la por dor, pelo domínio do Vazio e do Nada? Você está cometendo suicídio?

Não! Não estou! Você sabe ser da minha natureza ser pequena, não te encarar, mas agora o faço. A dor é insuportável!!!! Eu me desfaço agora sem a mínima intenção de me suicidar, apesar das minhas palavras não terem valor, apesar de não ser possível acreditar em mim. Isto não é um sacrifício em vão… Meu propósito e seguir seu caminho quando eu voltar em outro reino… E… Foi isso! A mentira se desfez e a Verdade,  sem hesitar, seguiu seu caminho.

quinta-feira, junho 06, 2019

desfazendo






Saliva a Verdade depois da mordida de Raiva
da Mentira
Sem medidas só a lei da gravidade
sorri para dizer enquanto vê a queda
da dor escolhida da conformidade

Salva só por ser si
liberta por se expressar
e na hora H do dia D sente seu oposto se render

rima em semântica e som uma brutalidade inexistente
digere gente por gente sem comparação

até chegar a Razão coloquial se fazendo entendimento.

+às 09h55, Rafael Belo, quinta-feira, 06 de junho de 2019, Campo Grande-MS+

terça-feira, junho 04, 2019

A verdade só dói quando nos acostumamos a mentir








por Rafael Belo
Nada supera a verdade. Se ela fere, se ela dói é porque estamos tão acostumados com mentiras, acomodados na rede da vaidade e do orgulho, que quando a verdade vem à tona, afundamos. Seria - como é - inevitável afundar, se afogar no oceano de autoengano feito das lágrimas preenchendo os abismos que criamos dentro de nós. Evitamos assumir erros, culpas e amenizamos com tanto esforço e determinação tudo isso que se alguma vez tivéssemos simplesmente assumido tudo e encarado as circunstâncias… Teríamos ao menos crescido. Saídos de tanta posse, pose, pompa, lamentaçõe e reclamações saberíamos quem somos.

Quem é você, afinal? Quem o eu é? Somos escolhas. Nossas escolhas. Escolhas de ninguém - a não ser nós mesmos - nos trouxeram até aqui. Precisamos admitir o quanto de mentiras contamos, quanta enrolação tomamos ao acordar e antes de dormir. Por isso, a verdade dói. Não somos verdadeiros. Não somos autênticos. Não somos originais. Foi nossa escolha se espelhar em alguém, copiar o outro, não contar algo, desviar de assuntos incômodos, falar do outro, dos problemas do outro, negar o inegável, se arrastar até um canto e ser pego chorando e mesmo assim dizer: “está tudo bem, não estou chorando”.  Seria mesmo autopreservação ou um estímulo social para parecer sempre bem e legal?

Não sou sociólogo nem psicólogo, sou um observador ou estou voltando a ser. Foi observando minhas reações que comecei a escrever e preservar meus sentimentos ao mesmo tempo que ficavam totalmente exposto na vitrine do mundo. Mas, somos somente nós, este eu e suas derivações, que decidimos o que nos afeta, o que nos importa… Então, temos maus pensamentos, dúvidas, desânimo, tropeços, quedas, vontade de desistir, e, acima de tudo, nossa verdade. De nenhuma forma esta é superior a do próximo ou distante porque somos uma transição, uma constante troca de experiências, um ouvir e falar…

Ainda assim nossa terra é de surdos e eu me envergonho por muitas vezes também não escutar. Há vergonha porque há culpa. Real ou inventada, se nos envergonhamos é porque acreditamos termos feito algo errado. Queremos preservar uma imagem que não existe. É algo entre o que os outros acham que somos, nossa família acha que somos e quem pensamos ser. Temos um senso de autopreservação criado como uma defesa constante. Palavras elaboradas, vidas passadas, um monte de blablabla revestido de autoafirmação, orgulho e vaidade. Trocas e mais trocas. Coisas e desejos ao invés de sonhos e pessoas...

Relutamos em viver de fato o agora e vivemos fantasias esbarrando em comparações cheias de razões surdas a se pôr no lugar do outro. Aliás, se de fato copiássemos o sol e ao fim do dia também fôssemos o pôr-do-sol, no dia seguinte seríamos ainda mais brilhantes e renovados, renascidos e não ressentidos. Seríamos autênticos, originais, verdadeiros… A Verdade salva e se a gente quer se salvar temos que parar de medir as mentiras e, simplesmente, parar de contá-las.

sábado, junho 01, 2019

Um degrau por vez (miniconto)






por Rafael Belo

Talvez este seja o ponto mais alto onde já estive na vida. Estou aqui olhando toda esta cidade dita grande mas tão pequena… Devem ser nossos desejos e objetivos expressivos oprimindo nossas almas em alguns comprimidos reprimindo nossas dores guardadas. Precisava que minha mente fosse arejada, mas ela só polui ou eu só poluo ela.  Talvez a gente seja a verdadeira poluição do mundo ou adeptos do mais fácil porque quando tudo fica difícil a gente deseja facilidades e toda a semente do amor cultivada vira outra coisa dentro da gente… É muito talvez e ou… Seria tão interessante se unir sem interesses… Mas estou aqui lidando com minha solidão ouvindo a Legião e olha é tão Urbana quanto estes sentimentos de esquina tentando sobreviver. Como não ser depressão?

Testei subir para ver se saia tão de baixo. Estão todos unidos na objetivo de compartilhar ideias, indignações e ódios… Mas cada um no próprio isolamento da tela do celular que se diz esperto. Debaixo de tudo isso há o que? É quando viajo e penso o nada. Não sobre o Nada. Penso o nada. Seríamos isso sem tantos biomecanismo unindo nosso corpo… Nada. Sozinha me sinto assim também, mas não totalmente. Sinto-me praticamente nada mesmo sabendo ser ao contrário. Mas não é tudo que acontece em nossa cidade e sim o nada. O nada nos invadiu… Não. O nada nos espreitou e quando chegamos ao nosso limite, o convidamos para entrar. Neste vazio, cheguei aqui sem ninguém me notar.

Vejo toda a cidade. Tanto movimento, tanta velocidade… Qual o sentido? O que estamos (des)construindo? Este vento muda de direção com tanta facilidade seguindo o mesmo ímpeto mesmo quando me sopra brisa. Quando abro a boca para me gritar o vento me sufoca e quando sinto que vou cair a vontade de viver em mim ressuscita e todas as mulheres que sou gritam. Há esperança em toda parte. É só observar e agir ao invés de esperar, mas somos fatalistas e piegas e cheios de razão não é? O que estou dizendo? Pareço um homem forçando o mundo a própria imagem…

A gente ouve, lê, assiste e no fim só reclama... Já posso descer. Olha eu falando do mundo e sendo o mundo. Nem erguer a cabeço ergo ou teria visto desde o início que acabei sendo a distração de todos por aqui. Enquanto olhava longe me identificaram, me marcaram e olha só: eu virei meme.  Até os ventos pararam e já oscilo para o meu sentimento anterior. Vai cair a conexão e talvez eu caia também de novo. Será que estar aqui é cair para cima? Preciso inventar outra invenção já que estou em uma queda livre infinita. As outras de mim falam comigo, já que as despertei. Elas ainda gritam com as mãos erguidas exigindo união. Mas exigências não terminam bem quando não aprendemos, quando não conquistamos. Quanto tempo vou demorar descendo um degrau por vez?