segunda-feira, novembro 23, 2020

Covidado do isolamento

 








por Rafael Belo


Hoje deve ser o décimo dia. Ou os dias se embaralharam tanto que não sei mais qual é, qual foi nem qual será... Quando será que virei Covidado? Talvez em algum momento antes de sexta-feira 13 ou no sábado 14 ou até no domingo de eleições 15, o fato é que detesto dor de garganta. Aos poucos ela veio, virou o que pareceu uma sinusite, atrás do olhos doía. Fui aos médicos CRS, UBS, UBSF, UPA e nada. Oxigenação do pulmão boa, boa pressão, bons batimentos, possível dengue, inflamação da garganta e bactéria da "inflamação ainda sem pus" no estômago. Abre bem a boca. Enfia o instrumento quase na garganta. Usa o estetoscópio em todos os pontos do pulmão…


Peço novamente exame de COVID, mesmo com outro diagnóstico. "A enfermeira já foi embora. Marquei seu teste para terça". Outro médico outro posto. Sentado distante. Receita amoxicilina por cinco dias junto com dexametasona 5 ml e o mesmo de maleato de dexclorfeniramina. Mas e o teste? "Não adianta fazer agora vai dar falso negativo". Saio desnorteado. Volto peço encaminhamento para o teste. Mesma orientação. Vou em outro posto que atende até 18h30. São 17h. "Não atende mais hoje. Não tem ninguém. Volta na terça".  Antes liga para o Disk COVID. Ocupado por horas. Atende. " Você é o número 50". Quase 30 minutos depois. "Tenente fulano de tal, Como posso ajudar senhor". Tusso muito. Várias vezes. Explico. "Só dia 28 senhor". "Não, não tem jeito antes, posso marcar?"


Sábado, 21 de novembro. Teste pago na farmácia. R$ 99,00. Depois de 45 minutos na fila para o exame, a farmacêutica manda para outra fila pagar o teste nasal que eu seria o próximo. "Chegou o paciente de antes senhor. Logo depois é o senhor". Mais 15 minutos de espera. Entro. Ouço os procedimentos. Tapo a boca com um papel. Inclino a cabeça. Lágrimas escorrem enquanto por dois minutos o cotonete específico é girado pela farmacêutica primeiro em um narina, depois em outra. "Deu positivo". Mas nem dá pra ver a marca preta direito. "É o suficiente. Quer dizer que já passou de sete dias". É só.


Ir ao CRS novamente. Consulta para pegar atestado. Pedido de remédio para tirar na farmácia o kit COVID. Faltando Azitromicina em toda o sistema público, mas sobrando nas farmácias particulares. O pior - tirando grande parte do isolamento - é a ausência de olfato. Mesmo sentido o paladar, nada de cheiro. Sempre tive sensibilidade olfativa. Na sexta 20. Esfreguei um desodorante roll on de forte odor nas narinas. Sujou todo o nariz e nada. Foi quando mais me preocupei ainda mais com meu amor grávida de seis meses. Mas a gente é otimista demais, acredita demais nas pessoas e eu ainda não acreditava assim como os médicos que me atenderam… Minha voz também quase se foi. Doía. Se esmagava para se formar na boca. Mas o silêncio do isolamento a descansou para ela não me deixar totalmente. Desde o início da pandemia este é o terceiro ou quarto teste que faço. Todos negativos, menos o último. Quantas pessoas eu não poderia contaminar e até matar se não usasse máscara, distanciamento e álcool em gel? Graças a Deus não infectei ninguém ou infectei? Talvez tenha infectado... Que Deus cure e ela tome as medicações. Não é possível um momento de descuido.  Mas quantas pessoas estão infectadas sem saber? Oremos e não nos descuidemos.

quinta-feira, novembro 19, 2020

Não houve tempo de piscar os olhos (miniconto)

 







por Rafael Belo


Foi como se céu fosse rasgado com um força brutal em um instante sem fim. Tudo ruiu. Todos caíram. Muitos sumiram. Pelo menos um membro de cada família. Mas isso, só foi descoberto dias depois. Era tanto caos quando as pessoas despertaram da queda que pensar doía e só se foi perceber as faltas no momento da reorganização da mente e dos sentimentos. Até lá se perdeu tempo e nada se sentia ou pensava.


Não se via o céu. Nada se enxergava à frente. Era uma coleção rara de esquecimento habitando nos restantes. Febre, mal-estar e dor inimaginável percorria os que restaram. Era assim que chamavam uns aos outros… Mas cada vez que pensavam em equilíbrio e em como ser justo mais fazia sentido a situação.


A mente clareava, o coração falava e tudo era possível ver. As conexões se estabeleciam. Havia reconhecimento e já não havia a pessoa ali no momento da aceitação. Mas, antes gritos incontroláveis cortavam tanta cegueira vindos de todas as partes. Eram aqueles que não aceitavam. Aqueles que falhavam no último processo. 


Só quem já não estava ali enxergava. Entendia não poder intervir. Cada um tinha seu momento de escolha. Havia lágrimas escuras da cor de um horrendo odor pairando denso, áspero e barulhento na dominação daquela terra já perdida. Era exatamente A Terra agora se abrindo com o som sangrento aos ouvidos repetindo o rasgar dos céus. Não houve tempo de piscar os olhos diante do fim iminente. 

quarta-feira, novembro 11, 2020

custeados

 





a Liberdade queimou a venda da Justiça

cruzando os braços da estátua do cristo carioca

trazendo o alto da crista

da onda afogando mágoas com palpites


despistes do desequilíbrio

queimando a vida no combustível gasto

incendiando pastos

anotado no pagar depois


apagado no estouro do gado

marcado onde ninguém notou


nota riscada da manada vendida


vencida na validade desta estrada não pavimentada

construída cheia de custos

destruída quando esquecem

cabe ao Eu ser Justo.

às 11h49, quinta, 11 de novembro de 2020, Campo Grande-MS.

+-Rafael Belo/*




segunda-feira, novembro 09, 2020

Somos injustos

 




por Rafael Belo


Eu olho ao redor e só vejo injustiças. Paro e reflito se é isso mesmo. Busco entender o que é ser justo. Leio o significado, procuro na Palavra e percebo o peso de carregar esta cruz. No mínimo ser justo é conceder igualdade a todos em tudo. Mas mais uma vez, humanos falhos que somos, não respeitamos o outro. Nem nas filas queremos ficar.


É justo você julgar alguém? É justo você não ouvir o outro? É justo não se pôr no lugar do outro? É justo cobrar algo de alguém (se esta pessoa não estiver te devendo)? Somos injustos porque tendemos, obviamente, a não enxergar o todo. Ficamos contidos na nossa visão se nem sequer querer entender as outras partes envolvidas. Seguimos cultivando rancor, raiva e frustração.


Não buscamos a Paz, buscamos a razão. Não buscamos a harmonia nem o equilíbrio, buscamos prolongar situações que até poderiam ser ignoradas. Somos criados desta forma. Poucos de nós cedem, ouvem, deixam pra lá quando necessário… Estamos desunidos. Preferimos falar causando constrangimento ou confusão a calar e esperar conversar no particular ou em outro momento. Há mais desconversa ou oportunidade de falar do que escutar e, se avaliarmos com Verdade, poucas vezes somos justos.


É justo passar no semáforo fechado sem qualquer fator que nos leve a pensar estarmos em risco de morte iminente? Ir em alta velocidade de carro vai fazer diferença no nosso atraso? Furar a fila no supermercado é justo com quem está esperando? Entrar na vaga de estacionamento que outra pessoa já estava entrando, é justo?  Ofender, gritar, agredir é justo? Só Deus é justo, nós, cristãos, assim somos considerados. Mas se não tentarmos agir com justiça sempre, quem somos? Quem seremos?

sexta-feira, novembro 06, 2020

Idiopatas

 







o silêncio não se omite

ele grita todas as intenções

nesta preguiça culposa

cheia de flores cheirosas

escondendo as plantas venenosas

se alimentando da alma das nações

deixando todo um povo sem noção pensar ter opinião

estuprando mentes e corações

parindo aberrações democrática fingindo demência ao não saber ter decência

na desigualdade e injustiça somos tão escuridão

no absurdo que mata frutos dos idiopatas. 

+-Rafael Belo/*

Às 08h36, Rafael Belo, sexta-feira, 06 de novembro de 2020, Campo Grande-MS.

quarta-feira, novembro 04, 2020

Estamos indo repetir nosso fim






por Rafael Belo


Estamos em uma sociedade culposa às avessas, ou seja, que tem intenção de fazer o que faz, mas finge demência. A injustiça reina nas brechas da lei, na imoralidade e até na amoralidade pregadas como liberdade de expressão. Os limites foram esquecidos em algum tapete perdido encostado em qualquer lugar varrido para baixo de outro esconderijo. A Justiça é minúscula e parcial diminuindo todos os que deveriam - por lei ou por consciência - serem iguais. A verdade é que tudo feito às escondidas antes, agora é exposto com orgulho.


É vergonhosa a desigualdade e a exclusão ensinada longe de quaisquer faces do Amor. O medo está mais forte na atuação dos nossos governantes, na imposição dos líderes ou simplesmente daqueles que falam enquanto outros calam. As conquistas da humanidade sempre chegaram atrasadas no Brasil, mas o retrocesso sempre chegou antes do entendimento dos acontecimentos. Assim, na hora das injustiças brilhamos em descaso, covardia e humilhação. Inventamos um crime. Estupro Culposo jamais será aceito. 


A legalização de tudo no Brasil depende de quem privilegia.  O voto feminino aconteceu em fevereiro de 1932, mas somente para as mulheres casadas e com autorização do marido, viúvas e solteiras com renda própria estavam previstas no Código Eleitoral, baseados no Estatuto da Mulher Casada, onde a mulher só podia fazer o que o marido permitia. Apenas em 1934 acabaram todas as restrições e em 1946 a obrigatoriedade do voto alcançou plenamente as mulheres. Nesta época já haviam passados 12 anos da única e primeira mulher eleita deputada federal, a médica, escritora e pedagoga Carlota Pereira de Queirós. Ela também foi a única mulher participante da Assembleia Nacional Constituinte (responsável pela Constituição de 1934).


Ainda assim, só na Constituição de 1988 os direitos das mulheres ficaram realmente garantidos. Esta repressão patriarcal machista voltou sem precedentes lembrando a filósofa existencialista, Simone de Beauvoir. No livro O segundo Sexo, Simone de Beauvoir diz:  Em verdade, a natureza, como a realidade histórica, não é um dado imutável. Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno. Os proletários dizem" nós ". Os negros também. Apresentando-se como sujeitos, eles transformam em" outros "os burgueses, os brancos. As mulheres - salvo em certos congressos que permanecem manifestações abstratas - não dizem" nós ". Os homens dizem" as mulheres "e elas usam essas palavras para designar a si mesmas: mas não se põem autenticamente como Sujeito.


Somos sujeitos aos desmandos e injustiças, mas a fé sim salva. Fé e esperança com atitude e posicionamento na realidade. Então, ainda há quem se escore pela diferenciação de tratamento entre gêneros na Bíblia. Basta lê-la para saber ser ao contrário. Em Deuteronômio 16:19 está escrito: "Não torcerás o juízo, não farás acepção de pessoas, nem tomarás suborno, porquanto o suborno cega os olhos dos sábios e perverte as palavras dos justos." Sabemos bem qual caminho tomamos e para onde tanta desigualdade e humilhação nós leva. Se não sabemos, já chegamos ao lugar onde todos estão se permitindo ir.