quinta-feira, abril 30, 2015

círculos esquecidos


amanheceram sombras e se conheceram
imitações de contornos tremulantes
paradas forçadas a balançar ao vento prenderam
seus olhares zumbis delirantes

esperam cambaleantes chegar ao que esqueceram
suas formas tão tão distantes são invisíveis ao pegar

todos os vazios possíveis prosperam pragas pelo ar

os Amores impossíveis não existem se formos parar para pensar
conteúdos indizíveis são nuvens no sol da imaginação

sem querer amanheceu em todas nossas esquizofrênicas multidões
somos os dias esquecidos dos sonhos [ciclos da maturação].


(às 06h56, Rafael Belo, 29 de abril de 2015, quarta-feira).

quarta-feira, abril 29, 2015

Caricaturas


por Rafael Belo

Seus sombrios segmentos selam o dia. Sedutores olhos se sujeitam aos jogos dos olhares. Não vê luz e cede à sede bebe qualquer bebida social, quer lubrificar suas expectativas frustradas. Confunde liberdade e igualdade com cópia e degradação. Não lembra nada no outro dia. Nem sabem quantos destes se passaram. Tem bom cargo, mas salário ruim. As veladas formas de ser mulher, pensa Patrícia.

As cores do dia se confundem ao reflexo e à luz que caem pela manhã. Não tiveram a delicadeza de aparecer aos poucos e Patrícia não sabe se as cores que vê estão lá... Olha para tantos adolescentes de várias idades acumulando experiências e disfarçando sonhos para quando tiverem “bem-sucedidos” e assim cheguei até aqui, lembra ela.

Característico charme colegial... Uma caricatura das potencialidades ofuscadas pela “necessidade”. Como tudo na vida passa, vou passando... recita Patrícia com amargura. O mundo gira diante do seu hálito quente e alcoólico. Vê tantos corpos cambaleantes a caídos babando inconscientes de propósito... tantas sombras passam por ela a ponto de Patrícia tentar enxergar a luz.


Mas se confunde às sombras da mesma forma da confusão feita entre paciência e ficar parada... Foi preciso anos de embriaguez social para me encontrar misturada às sombras das possibilidades. Minha vontade é... Respira fundo, se acalma e tenta não pensar em nada. Fecha os olhos. Gritar e é isso, pensa enquanto grita e sente alívio naquele caminho respirando fundo com ela caminhando ambos em direção do amanhecer.

terça-feira, abril 28, 2015

interiores


manhã noturna retarda revigorosamente restos de ontem
sombrios olhos do horizonte
roxo branqueado azulando cinzento celeste
chovem invisíveis mãos juntas em prece

prestes a raiar rigorosos refúgios nascem outras horas
preste atenção aos ralados joelhos da devoção empenhora
empreste as alterações às sombras encare as nuvens

passageiras de passagem nas passagens estrangeiras
estrangeiro bloqueando os mensageiros que surgem

no amanhecer paciente ausente de nós e mesmo assim aqui dentro.


(às 07h05, terça-feira, Rafael Belo, 28 de abril de 2015). 

segunda-feira, abril 27, 2015

Em movimento

por Rafael Belo

Hoje o dia não veio como viria. Se tivesse vindo não teria este céu arroxeado com bordas alaranjadas. Mas mais para frente fica cinza e amarelo. Amanhã está aqui, mas a manhã não chegou. Chegaram às horas. Tudo está como devia... Há luz e por isso existe sombra, uma onda a apagar alguns acesos olhos e encobrir o Amor que está lá.

Uma cidade possui muitas camadas de sombras e quando o dia clarear elas vão aparecer. À noite ou quando a luz está em outra parte e apenas seu reflexo está lá livre ou parcialmente bloqueado, não podemos ver. As pessoas são cidades e muitas esquecem serem mais, sóis. Não um sol, mas muitos e é preciso muitas nuvens para disfarçar esta quantidade de sóis em nós.

Quando sozinhos é fácil enxergar só sombras, esquecer quem somos ou poderíamos ser, mas só enxergamos as sombras porque há luz. Se há luz, existe a esperança de sair deste algo a nos encobrir. Nossa alma é maior que nosso corpo por mais que a apequenemos, por mais sombras sermos capazes de espalhar, há sempre mais e muitas vezes menos é mais. Ao percebemos vemos a multidão que somos e seremos ainda mais junto com outras pessoas.


Achamos que o amanhecer vem no mesmo horário, mas o tempo é diferente mesmo quando o amanhã se torna hoje e hoje já se foi. Há densas sombras que pensam ser escuridão, mas haverá o tempo de aos poucos elas clarearem porque como o céu tem sua intensidade na metade do dia, há momentos de ficarmos nas sombras, mas elas são nuvens e passam, enquanto isso o Amor está lá, aí, aqui dentro de nós... Paciente e paciência não é estar parado.

sexta-feira, abril 24, 2015

Nota de falsidade



por Rafael Belo

Será isto que todos pensavam ou não pensavam nada antes de pular? Perguntava-se Piegas Eça enquanto se equilibrava na beirada do terraço com uma sensação de vastidão do mundo, pequenez e ao mesmo tempo posse. Havia uma angústia lhe mastigando vorazmente de fora para dentro, diante dos olhos dele. Doía e aliviava ao mesmo tempo como se o ar respirado lhe inspirasse e poluído, ácido, o corroesse.

Era a intolerância e a tolerância. Piegas era as duas coisas... Será possível ser duas coisas mesmo? Não! Conversava consigo se torturando com sua aflição diante das considerações próprias sobre as “erradas” escolhas e pensamentos dos outros. Queria ele ser profundo pensador como Voltaire, mas não. Piegas era apenas mais uma nota de falsidade no mundo.

Uma infeliz nota consonante diante da necessidade de dissonância e desequilibrado trocava as pernas olhando um mundo agora neblinando. De repente tudo ficou branco e gelado... As coisas mudam de lugar como o clima caindo com categoria desconhecida. Piegas tremia pensando na coragem das pessoas e ao olhar para baixo as procurando percebeu sua queda...

Estava tão alto a ponto de minutos passarem antes dele se dar conta de ter parado no ar. Bem, sua mão encontrara um apoio e agora Piegas olhava para os poucos centímetros o separando do fim do abismo naquele desafio de quem piscar primeiro perde... Havia luz e as sombras da luz naquele encarar triplo.


Os três assim ficaram até Piegas desviar o olhar e pisar no chão fascinado com uma vaca leiteira na favela alimentando um cão e um gato e apesar das óbvias diferenças, não havia diferença alguma. Ele sentiu algo se rasgar dentro dele como consequência de uma série de infinitos e tocou sua derrota sem estar preparado para admiti-la. 

quinta-feira, abril 23, 2015

pasmos




cai a estrela em risco no universo
céu caído calmo colisão

ruidosa rima rindo desequilibrada
desejando delirar desnorteada

entre o apagar do nada intolerante da tolerância
vingança em reflexo no anexo do preciosismo
[achismo ligado ao desligar]
piloto automático dominando a reação de passar

raciocínio branco constelações pasmas
egoísmo luminoso [rejeição] esferas de plasma.



(Rafael Belo, às 07h24, quarta-feira, 04 de abril de 2015)

quarta-feira, abril 22, 2015

Estrela caída


Por Rafael Belo
A estrela cadente cai como a mais brilhante do universo. Poucos a viam. No contraponto contraditório entre tolerância e intolerância se perdiam nos paraísos artificiais. Algo entre Orfeu e Morfeu na onda de Dionísio ou Baco, grego ou romano, tanto faz, mas a psicodelia estava ali tentando respeitar o direito de discordar, o cair e levantar de cada um. A realidade deixava dúvidas duradouras em quem a observava. Paulo Portas se abria neste limite entre o fim e o abismo.

Poeta, médico, moldador de sonhos esta grega mitologia se atrelava a Paulo Portas, o intoxicador. Nenhum tóxico lícito ou ilícito... Não mais. Causava terrores noturnos e uma cisão atemporal fechando Portas na rua. Ele e o abismo se encaravam, no entanto o fim também os encarava em desafio àquela forma artificial de empurrar a vida adiante, distante o suficiente para não alcança-la para puxar de volta.

Enquanto isso, a estrela caia e aos poucos muitos a viam. Mas, era um horário da noite onde ninguém sabia mais onde estava. Estavam entregues as formas de sobreviver a mais um dia no inferno natural cheio de paraísos artificiais, cada um com o seu, ou os seus...  Não havia limite entre superfície e profundidade a realidade alternativa invadia a mente intoxicada de todos.


Intoxicadas de informações de mais, toques de menos, distâncias demais, maus pensamentos sobre a insônia babando nas ruas até lembrar do desejo concedido pela estrela caída vista, à vista no prazo perdido da sanidade carregando sua placa com os dizeres “o fim já chegou! Vamos recomeçar?”  Então, Paulo Portas abria a próxima oportunidade e defendia o direito de sonhar.

terça-feira, abril 21, 2015

Aprisionados



Matam-se os dias mastigando o dissabor das horas e não dá tempo
ruminar faz parte da história de irmos para o brejo sem consentimento
tolerar a intolerância auto anulação
viver na extravagância de querer que o outro concorde
dar suporte a única unânime opinião

sutil estratégia manada histérica em movimentação

comportamento da extinção do pensamento
suicídio coletivo do aprisionamento do pranto
portas estão em todo canto
mata-se e ponto.


(às 11h02, Rafael Belo, 20 de abril de 2015, segunda-feira)

segunda-feira, abril 20, 2015

Até a morte


por Rafael Belo

O dito nem sempre é importante, como dizê-lo é essencial. A escolha de palavras e o tom a ser usado muda completamente para quem ouve, mas se tirarmos de contexto uma fala insossa sem pontuações, ela caberá em qualquer conversa ou, então, o silêncio continua sendo de ouro porque nos tornamos tolos e antipáticos ao nos mal interpretarmos.

Sem prática, busca de melhoria e a aceitação de que por mais que saibamos nada sabemos... Não evoluímos. Ficamos tão estáticos a véspera de feriado prolongado na capital paulista. Prestar atenção no outro e em si é primordial para não parecermos arrogantes, pretensiosos e passarmos os sinais errados. Caso não nos observarmos daremos o tom professoral e paternalista incabíveis em toda situação.

Diálogo, no entanto, não é a solução para tudo. Como dar opinião para quem não quer ouvi-la e, pior, deseja apenas um aval desnecessário do outro para confirmar o próprio pensamento? Um rompante de uma ideia original e considerada por si genial querendo simplesmente aceitação... São os monólogos disfarçados por toda parte contaminando a capacidade de raciocinar e transformando democracia em comportamento de manada.

Esta preguiça mental instiga apenas a projeção de si no mundo impedindo a própria rotação enquanto tudo não para de girar. Parece conversa de bêbado, mas talvez seja apenas o desejo de estourar tantas bolhas de antipatia tentando nos englobar por aí tagarelando sobre tolerância sem se ater da pouca diferença de seu suposto antônimo: intolerância.

Um tolera e outro não. Mas, se formos analisar não são realmente opostos porque tolerar esta a uma vírgula de “por obrigação o faço” e “intolerar” não faz nada por obrigação... Não nos cabe tolerar ou apontar o dedo, seríamos mais felizes se respeitássemos e defendêssemos o direito de todos independente de nossa opinião e de concordamos com o assunto. Por isso, chamo o filósofo iluminista francês, Voltaire que há 227 anos nos ensinava: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.

sexta-feira, abril 17, 2015

À procura de


por Rafael Belo
Dedos frenéticos me cercam absorvidos na silenciosa conversa das mãos com o celular e outras mãos distantes, vendo a si mesmas em um frágil reflexo pálido. Sou o único a ler um livro. Em pé no ônibus em silêncio, consigo me distrair da reflexão da leitura a todo o momento, mas especialmente quando a janela empoeirada e cheia de digitais me reflete e me coloca entre onde estou e no tumulto barulhento das ruas já a esta hora.

Este era a imagem do primeiro ônibus antes da 6h, no segundo algumas línguas já estavam despertas e serpenteavam o leve bafo da manhã lançando perdigotos e uma tagarelice respeitável para o horário. Já era próximo da 7h e o joelho doía, reflexo de tanto tempo em pé e na dúvida da imagem representada em um verdadeiro espelho. Distraia-me com aquele vocabulário peculiar querendo o retrato de si na opinião do outro, ao invés de me concentrar na leitura e no impacto da imagem das freadas bruscas do ônibus em meus joelhos.

Correndo para não perder o terceiro ônibus, já estava acordado há três horas e o trabalho em si ainda não começara. Cansado, insisti na leitura durante o encaixe a me esperar no fundo deste coletivo. Bem debaixo do meu livro havia uma matraquear silencioso de uma reflexão sem espelho, apenas projeção de pensamentos.


A mão do senhor espalmava para cima repentinamente ao mesmo tempo em que sua cabeça inclinava levemente para a direita, pontuava aquele diálogo consigo mesmo e só eu percebia. Quase podia ver o que ele via e mais uma vez me perdia no autorretrato do outro, imaginava onde estaria o meu. Saquei, então, meu celular para registrar o autorretrato que procurava.

quinta-feira, abril 16, 2015

No canto da reflexão


No canto do espelho uma bota no rosto e depois um joelho
para virar cara na próxima situação
objeto que reflete mostra a ditadura da representação

há tantos pedaços aparentes a insistir não sermos inteiros
nos tornando dependentes de uma busca sem razão
quanta aparência esconde o autorretrato da manipulação?

a mente projeta nossa imagem mas basta um banho ligeiro
para o chuveiro nos conter na falta de imaginação
flexiona os joelhos se perde nos espelho reflexão

sabe só seu passarinho sair do ninho sozinho sem superfície reflexiva na flexão de estar todo ali flexível de olho na imensidão.


(às 06h38, Rafael Belo, quarta-feira, 15 de abril de 2015)

quarta-feira, abril 15, 2015

(Re)apresentação


por Rafael Belo

Todos parados. Prado conseguiu este último registro, esta última imagem antes de parar também. Mas, enquanto todos estavam se movimentando lentamente em frente a espelhos, televisões desligadas, telas de computador sem funcionar, celulares sem bateria e qualquer superfície reflexiva, Prado observava a própria sombra. Claro, se você não estivesse prestando muita atenção não saberia de nenhum movimento naquela parada.

Em comum àquela suposta paradeira havia a luz. Sem luz não há sombra... Prado passou a perseguir a própria sombra, mas demorou anos em outros espelhos e contornos atrapalhando a projeção de lâmpadas e do sol, para ir atrás da própria. Então, era comum andar de costas dependendo do horário do dia e da direção a caminhar.

Mas sombras passageiras o despertaram e Prado passou a parar em outra perseguição... Perseguia sombras de nuvens. Talvez (não!) a vontade e a fé não sejam o suficiente para quem foi tão fundo na superfície do espelho porque não deve haver maior façanha... Lá vai Prado correndo atrás de sombras de nuvens... São tantos Prados correndo...


Nem parece mais um parado. “Olha só os dos celulares ergueram as cabeças”, pensou Prado, “Como conseguiram bateria...?. Mas era só para mais um autorretrato tão antigo quanto à pedra lascada... Antes de partir Prado pensou: “Se todos estes autorreflexos se partirem nem dará tempo para reflexão... Quem sabe não seja esta a ideia”, foi tudo feito balançando lentamente a cabeça antes de parar de vez sem se encarar diante da imagem da sua representação.

terça-feira, abril 14, 2015

Antirreflexo


não há reflexo que nos prenda se não for reflexão
se renda para morrer sorrindo ao embelezar a inanição

autorretrato a nos soltar em qualquer objeto certo a nos refletir
incertos a repetir nossas juntas para poder juntar uma imagem
a espelhagem pode se partir

a forma das nossas aparências
não é nada reflexivo
são adjacências, nossa síndrome de Narciso

nos torna fúteis e imprecisos na nossa nefasta negação

qualquer superfície lisa pode ser nossa prisão.


(às 16h48, quarta-feira, 08 de abril de 2015, Rafael Belo).

segunda-feira, abril 13, 2015

Narcisistas sem reflexos


por Rafael Belo

Refletimos em qualquer superfície captando nossa luz, mas mesmo com olhos saudáveis, àqueles não expostos diretamente ao sol, à leitura em iluminação ruim, à televisão em ambientes escuros, não coçados e esfregados, nos procuramos por toda parte e não estamos por aí. Esta vontade de nos ver, principalmente por alheios, olhos nos faz enxergar através atravessando a visão pelas superfícies das pessoas e do mundo.

Qualquer objeto que nos mostre chama nossa atenção, prende nosso olhar e leva ao bizarro ensaio dos ângulos e perfis em busca de nós mesmos e gostamos cada vez mais da nossa aparência, não acha? As selfies e os go-pro (os vulgares pau de selfie), estão postando e compartilhando este nosso vício em nós mesmos. Este “eu”, esta “a própria pessoa” é a extensão da nossa desapropriação, da nossa insegurança.

Precisamos dos autoelogios, dos elogios alheios, da aprovação de terceiros, do nosso constante autorretrato da reafirmação de quem somos, somos mesmo? Somos quem, afinal? Um reflexo surreal, a representação do entendimento da luz nos atingindo? Somos apenas estes montes de poses e apelos acumulando pó no canto no centro do espelho?

Nossa imagem trabalhada de autoadmiração procura todos os cantos escuros para repreendê-los e tapá-los para nos tapear profundos quando Narciso somos. Superfícies de superfícies, nosso inferno de vaidades e insensibilidades definha no leito do nosso próprio rio. Somos nosso narcótico, aprofundados apenas de ego sem querer jamais apagar a luz para não nos confrontarmos com nossa escuridão e real reflexo aprisionado sem espelhos para escapar.

Desencavando (resenha de Ordem)



por Rafael Belo

Cavar sempre abre um buraco onde tudo se revela porque nada fica enterrado para sempre. Segredos são surrados por aqueles que sabem... Estes jamais deixam de existir. Mas abrir espaço debaixo para cima pode ser desestimulado e será a ignorância uma benção ou uma maldição? A histeria não seria a ordem da vez se o medo contagiasse?

Este é o enredo de Ordem a continuação da contagiante trilogia Silo de Hugh Howey. Com uma escrita magnética e apreensiva, mais uma vez vamos as profundezas de uma distopia nos cercando dos limites da guerra e paz tanto nos conflitos éticos internos com a razão e os sentimentos quanto dos mundos exteriores em confronto.

Troy, Donald, Ana, Mick, Helen, Degelo e tantas sombras de sombras fazendo do tempo e da rotina um acúmulo de repetições e pretensões do eterno pharmacon que dependendo da dose pode ser veneno ou remédio... O tédio e a loucura estão no mesmo par de olhos condensados nessa narrativa de descobertas na constante vontade de sair da alegoria da caverna.

Uma apaixonante platônica aventura dramática das escolhas feitas e as formas de lidar com elas desencavando a vontade histérica do Legado chegar o quanto antes para descobrirmos como termina está fantástica história nos envolvendo nas profundezas do que podemos nos tornar.

sexta-feira, abril 10, 2015

Injustificável


por Rafael Belo

Clara cerrava calmamente as vistas para o dia clareando subitamente. Bastou um minuto de distração e o trânsito transitava traumaticamente lento porque parado... Bem, fica. Mas, ainda não era tão tarde para quem madruga e apesar de tão cedo as buzinas vazavam frenéticas principalmente das motos sem ética e sem faixa, apenas o bel prazer da liberdade demasiada.

Foi assim que no canto esquerdo da via, praticamente colado à mureta divisora de mãos, que Clara foi claramente presenteada por um motoqueiro porque motociclistas estavam em falta. Apressado e com lotação total, o motoqueiro bateu inusitadamente duas vezes no retrovisor direito do carro precisando lavar de Clara. Tudo, então que clareava, escureceu.

Sem ver e sem ter qualquer motivo, Clara ganhou um prejuízo a poucos metros de uma via expressa. Escureceu o já clareado dia. Clara não via mais nada e olhava impaciente para todo lado. Enlouquecida acelerava, freava e acelerava, girava o volante para ambos os lados, trocava a marcha de primeira para segunda e ponto morto... Inconscientemente ou preventivamente os motoristas abriam caminho indo aos extremos da própria faixa.

Clara não sabia o tamanho do estrago no retrovisor do seu carro, mas estava tão indignada com a atitude do motoqueiro, que nem motoboy era... Bufava, já estava de outra coloração sua branca pele e apesar de raiar mais forte a manhã, voltava a ser escuro para Clara e ela invadiu o espaço aberto para ser touro enfurecido perto da sua vingança, mas sem esperança de capturar ninguém, apenas raiva de não poder fazer nada. Mas, os policiais de trânsito a fizeram encostar logo à frente -enquanto ela pensava onde estavam quando eu precisava - ela foi multada pelo retrovisor quebrado e também seria pelo atrasado injustificável no trabalho.

quinta-feira, abril 09, 2015

frieiras da friagem




Altas temperaturas se abaixam
e deitam expectativas de vidas
ventos fortes arrasam arrastam
param cada coisa significativa

não há partida pelas pulsações que passam
é gelada a manhã sozinha sem saída na falta de espaço

linhas emaranhadas perdem medidas enrolam não traçam
a partida parece primitiva misturada entre sair e partir por pedaços

abraço no vazio do vácuo engarrafado de boas intenções corridas
feridas na despedida delicada dedicada ao despedaço.


(Rafael Belo, às 06h50, quarta-feira, 08 de abril de 2015)

quarta-feira, abril 08, 2015

Sono Bom

por Rafael Belo

O dia estava em sua primeira fase, fim de madrugada. Preto básico rareando, clareando azul alto-mar. Mar aberto chegando, raiando um claro azul logo adiante contrastando com o empoçar do escuro que logo esclarecerá. Escorre ainda o dia anterior empoçando na garoa a se acumular no meio-fio inundando acostamentos como os veículos pela cidade. Luzes brancas, amarelas, azuis, vermelhas incomodando o amanhecer e Lícia não aguentava.

Falava, falava e falava por todo o silêncio disfarçado ao seu redor. Faltava muito ainda para seis horas da manhã e o muito de Lícia eram 15 minutos. Mas era um filme diário exaustivo a fazendo madrugar. Acordar antes de um galo inexistente na tumultuada capital das engrenagens financeiras do Brasil e para quê? Para engarrafar e chegar cedo demais...

Como em um dia de fúria, abandonou o carro ligado em ponto morto e saiu. Não havia calma, ela corria. Corria, corria e corria sem sentir o repuxar dos músculos estressados das pernas, o vai e vem preocupante dos seios, a dor de cabeça aumentando e os carros fechando janelas e abrindo espaços. “Havia espaço então...?!”, ela pensou pouco antes de tropeçar em si mesma e cair...

Caiu, caiu e caiu novamente a mesma queda. O dia não seria nenhum tom de azul. Estava cinzento, nublado sujeito a alagamentos e mais caos na cidade e mais paradeira e empoçamentos... Era frio como friamente foi calculada a manifestação dos caminhoneiros que entregavam colchões Sono Bom... Ao sentir a maciez da queda percebeu quanto sono ruim tinha acumulado e dormiu.

terça-feira, abril 07, 2015

De nós


Não está parado o céu

nublado e abrindo chovendo e sorrindo
ensolarando os resquícios mais sombrios do mar de nuvens
nos esvaindo engarrafados no líquido da impaciência
evaporando a “subexistência” para o fundo da insignificância

nossa tolerância não nos tolera
enumera nossos atos sem significados
festejados ao chegar celebrando o estar
para nos embebedar à sós
e matar a sede inútil de nós


(Rafael Belo, às 17h40, segunda-feira, 06 de abril de 2015).

segunda-feira, abril 06, 2015

Festa de chegar


por Rafael Belo

Não há espaço para pedestres e nem para veículos. Mesmo assim seguimos em direção à individualização dos transportes. Não é evolução cada uma ter um ou mais carros próprios é retrocesso. Estamos no caminho inverso e caminhar passa cada vez mais a ser um risco. Tudo está parado e ao invés de pensar no fluxo, de planejar o próximo passo... Estuda-se a facilidade das pessoas comprarem mais carros e motos.

Para pensar no futuro, no presente precisamos diminuir a quantidade de carro/dia nas ruas. É fundamental melhorar a qualidade do transporte público. Metrôs, trens, ônibus, aliás, nossa malha ferroviária já foi até satisfatória e agora... Bem se não fosse à escassez poderíamos citar a hidroviárias, mas é melhor não... Vamos pensar na poluição sonora. Nas incontáveis vezes em que as agudas buzinas dos motociclistas e motoqueiros pedem passagem.

Também no buzinaço promovido da inutilidade e impaciência iniciada sempre por um e então tudo se transforma e um coro infernal. O som da cidade é uma mistura constante de buzinas, freadas, acelerações e batidas... Os pedestres estão sempre se virando e sempre nos esquecemos que os somos também quando não armados de um veículo qualquer.

Imagine Londres ou Nova York, cidades também intensamente populosas, mas o transporte coletivo funciona e olha só até os representantes do povo inglês e norte-americano utilizam tal condução pela agilidade e qualidade. Se abolíssemos os ônibus e investíssemos o dinheiro, de cada nova frota parada no semáforo, em uma nova linha férrea ou metroviária teríamos qualidade de sono, de alimentação, de tempo e, portanto de vida, ainda mais na era da insignificância onde nossa festa é chegar, “não importa” o caminho.

sexta-feira, abril 03, 2015

Próprio só


por Rafael Belo

A confiança jazia em cacos como vidro de figuração em cena de quebradeira. Um desabafo sem fim de 15 anos de lixo acumulado por ele. Porém, este lixo era ele mesmo. Várias versões vazadas balzaquianas canalizadas pelos detritos que consumia. Severino não reciclava, reutilizava aqueles mesmos realities shows roteirizados anuais e não havia maior aterro sanitário indevido... Bem quase todos os canais de televisão abertos e fechados também era um disfarçado lixão à céu aberto.

Mas, Severino tinha feito uma promessa de Quaresma e, claro, a havia quebrado com um jeitinho “não quebrei não foi só...” bem brasileiro. Não desistia de manter as aparências nem quando corpo da confiança já entrava em decomposição e exalava o odor da morte misturado com as fragrâncias da vida deixando mais impossível respirar. Assim, se equilibrava no limite entra a melhor visão da cidade e a pior, temia por si mesmo.

Se o misturassem a um bambuzal no meio do vendaval mais veloz e tenebroso, da mesma fora não se aproximaria um milímetro sequer desta tremedeira no temor de Severino. Era o contrário da abstinência. Seria uma overdose por falta de palavra mais forte. A impressão não era de vida em Severino. Ele não aparentava uma forma de vida no momento, mas uma intensa vibração até um som de zumbido vinha dele.

Mesmo não sendo invisível parecia ser. Talvez vibrasse em uma emissão de frequência tão veloz no momento que era difícil sintonizar. Centenas de pessoas só faltavam passar por dentro dele sem o perceber, sem o notar de fato. Era uma intuição, um obstáculo apenas. Tonturas o afetavam agora e ele agachado precisava encontrar o verdadeiro chão. Mas nada assombrava a multidão dele. Se ele atirasse feito um norte-americano no colegial seria outra história... Amanhecia preguiçosamente. O sol não queria chegar deste lado. Fantasiado de nuvens e noite bocejava seus raios e cores enquanto Severino pedia a volta da escuridão.

Como confiar comatosamente em alguém? Se juntasse o esquartejado estilhaçado cadáver da autoconfiança, ainda assim faltariam pedaços e a confiança jamais seria completa. Severino olhava as pessoas que não o viam e elas eram extensão dele, eram ele. Seus cacos despedaçados de confiança. Na verdade ali tudo o era. Ele estava só no próprio mundo.

quinta-feira, abril 02, 2015

Crueza



realidades rasgam ritmos
revelam ruídos ricos
ritos retorcidos reascendendo

roupas rudes rangem cruas
porque não serviam mais

a nudez das coisas e das pessoas nuas
estão nas ruas enfrentando o rebelde medo
e as chuvas nem importam mais [sem segredo]

como acreditar nos roxos jornais?
A confiança foi um véu coxo deixado para trás.


(Rafael Belo, às 07h15, quarta-feira, 1º de abril de 2015).

quarta-feira, abril 01, 2015

Planejamento


por Rafael Belo

Ela estava no terraço há tempos. Ninguém a via lá nem a estimulava ou desestimulava a pular. Antes ela olhava da sacada para cima pensando quão alto poderia chegar. Como um felino acuado ela media o espaço caminhando impaciente para um lado e depois voltava. Aliás, quem a via achava ser impaciência, mas não. Genuína enfrentava seu medo.

Não era de altura e Genuína não era suicida. Nem sequer chegará um dia a passar pelos pensamentos dela tal impulso. Ela sabia que a aglomeração de gente gritando gasturamente seu nome era ilusão. Quem prestava atenção? O medo a desafiava e ela aceitava o desafio. Acordou quando todos ainda tentavam esticar a última hora de sono, desligou o celular, passou pelos pontos cegos das câmeras... Já tinha planejado há muito tempo...

A fobia dela já a paralisou outras vezes, aquele pânico e não tinha ninguém lá, justamente isto a fazia ofegante e quase histérica. Não confiava nas companhias. Veja, não é que não confiava nas pessoas... Ela sabia ser incompreendida porque ninguém admitia todo mundo ter o mesmo medo: de estar só. Ficar então era inimaginável.


Popular como era Genuína nunca podia ficar só, mas sempre estava. Não sabia como havia sido empurrada para aquela enxurrada de gente a sugando, bem... Sabia vai... Ali no ponto mais alto do Estado, além da solidão de um paulistano, ela via tudo parado e ela também permaneceria assim agora até as buscas por ela a darem como morta... Do jeitinho que havia planejado, para poder viver e encontrar outros medos.