sexta-feira, abril 17, 2015

À procura de


por Rafael Belo
Dedos frenéticos me cercam absorvidos na silenciosa conversa das mãos com o celular e outras mãos distantes, vendo a si mesmas em um frágil reflexo pálido. Sou o único a ler um livro. Em pé no ônibus em silêncio, consigo me distrair da reflexão da leitura a todo o momento, mas especialmente quando a janela empoeirada e cheia de digitais me reflete e me coloca entre onde estou e no tumulto barulhento das ruas já a esta hora.

Este era a imagem do primeiro ônibus antes da 6h, no segundo algumas línguas já estavam despertas e serpenteavam o leve bafo da manhã lançando perdigotos e uma tagarelice respeitável para o horário. Já era próximo da 7h e o joelho doía, reflexo de tanto tempo em pé e na dúvida da imagem representada em um verdadeiro espelho. Distraia-me com aquele vocabulário peculiar querendo o retrato de si na opinião do outro, ao invés de me concentrar na leitura e no impacto da imagem das freadas bruscas do ônibus em meus joelhos.

Correndo para não perder o terceiro ônibus, já estava acordado há três horas e o trabalho em si ainda não começara. Cansado, insisti na leitura durante o encaixe a me esperar no fundo deste coletivo. Bem debaixo do meu livro havia uma matraquear silencioso de uma reflexão sem espelho, apenas projeção de pensamentos.


A mão do senhor espalmava para cima repentinamente ao mesmo tempo em que sua cabeça inclinava levemente para a direita, pontuava aquele diálogo consigo mesmo e só eu percebia. Quase podia ver o que ele via e mais uma vez me perdia no autorretrato do outro, imaginava onde estaria o meu. Saquei, então, meu celular para registrar o autorretrato que procurava.

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