por Rafael Belo
Dedos frenéticos me
cercam absorvidos na silenciosa conversa das mãos com o celular e outras mãos
distantes, vendo a si mesmas em um frágil reflexo pálido. Sou o único a ler um
livro. Em pé no ônibus em silêncio, consigo me distrair da reflexão da leitura a
todo o momento, mas especialmente quando a janela empoeirada e cheia de
digitais me reflete e me coloca entre onde estou e no tumulto barulhento das
ruas já a esta hora.
Este era a imagem do primeiro
ônibus antes da 6h, no segundo algumas línguas já estavam despertas e
serpenteavam o leve bafo da manhã lançando perdigotos e uma tagarelice
respeitável para o horário. Já era próximo da 7h e o joelho doía, reflexo de
tanto tempo em pé e na dúvida da imagem representada em um verdadeiro espelho.
Distraia-me com aquele vocabulário peculiar querendo o retrato de si na opinião
do outro, ao invés de me concentrar na leitura e no impacto da imagem das
freadas bruscas do ônibus em meus joelhos.
Correndo para não
perder o terceiro ônibus, já estava acordado há três horas e o trabalho em si
ainda não começara. Cansado, insisti na leitura durante o encaixe a me esperar
no fundo deste coletivo. Bem debaixo do meu livro havia uma matraquear silencioso
de uma reflexão sem espelho, apenas projeção de pensamentos.
A mão do senhor
espalmava para cima repentinamente ao mesmo tempo em que sua cabeça inclinava
levemente para a direita, pontuava aquele diálogo consigo mesmo e só eu
percebia. Quase podia ver o que ele via e mais uma vez me perdia no
autorretrato do outro, imaginava onde estaria o meu. Saquei, então, meu celular
para registrar o autorretrato que procurava.
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