sexta-feira, junho 29, 2018

Olhos de girassóis (miniconto)





por Rafael Belo

Era proibido registrar. Nenhuma imagem. Nenhuma palavra. A única regra do lugar. Havia uma placa dizendo o quão antigo eram... Não acreditei ser possível tudo aquilo ter sobrevivido por tanto tempo, portanto, quebrei as regras. Em pouco tempo minha imagem virou meme. Até aquele momento ninguém sabia o que era um girassol…

Eu e um campo com uma quantidade incontável de girassóis. O sol parecia não se pôr por lá. Todos queriam saber como chegar àquele lugar. Eu não lembrava. Testaram as fotos. Tentaram desacreditar a existência do lugar. Houve debates, brigas, mortes… Tudo por causa de uma imagem. Nem havia polêmica e mesmo assim polemizaram.

Lembrei do aviso e só enxerguei, a partir dali, girassóis. Eu via girassóis por toda parte. Eram iguais. Todos iguais. Não havia nada de diferente. Pareciam cópias exatas uns dos outros. A diferença era a fala. Eles conversavam comigo. Eles eram pessoas. Quem via diferente era eu. Como iria explicar isso…? Quem iria explicar isso? Em uma sociedade medicada e obcecada pelo corpo, eu era a mulher humilhada.

Passei a sorrir e tratar todos da mesma forma. Não sei por quanto tempo isto durou. Poderia bem ser uma alucinação, mas eu me sentia bem. Como se eu fosse o sol… Esta sensação jamais me deixou. Antes eu sentia que nublava o ambiente e chovia destruidoramente granizo. Às vezes, me sinto assim ainda, mas ninguém me deixa esquecer os girassóis e ainda hoje tento lembrar da localização deles. Muita gente precisa ter girassóis na vida.

quinta-feira, junho 28, 2018

Jamais distante








anti-heróis flagelados pelas pétalas
saem das telas direto do espaço
astronautas dos girassóis aéreos
cruzando os hemisférios pousando no asfalto

rompendo este urbano em sinceros campos
abertos mantos amarelos em prantos solares
nascendo se pondo estelares na indefinição de fora

aurora pessoal pulsando cordialidade na hora
lota a pele de arrepios da existência compartilhada

transborda flor solar este mar de luz nos doando ao próprio instante e o coração jamais fica distante.

+ às 23h35, Rafael Belo, quarta-feira, 27 de junho de 2018+

quarta-feira, junho 27, 2018

A loucura desconhecida (miniconto)







por Rafael Belo

Há muito tempo eram tantos girassóis... Impossíveis de contar! Os campos eram todos amarelos iluminados pelo sol até à noite. Sempre brilhava por aqui. Parecia magia. Um constante dia. Agora há uma energia exaustiva no lugar. Mas encontrei este girassol no chão enquanto ele brilhava. Só a flor sem nada e ainda assim viva.  Comecei a brincar com a tradução em inglês que é sunflower virou sunfloor onde floor é chão... E só pude imaginar o acontecido. Na verdade parece mais que as imagens brotaram na minha mente... Uma devastação descordial. Brutalmente o egoísmo matou tudo. O tempo todo antes eram fotos deste campo. Agora ninguém se lembra mais. Talvez seja vergonha do que fizeram...

A loucura desconhecida aconteceu poucas vezes na história. Na verdade, só foi registrada uma vez. Dizem que as pessoas morreram de arrependimento depois de só enxergarem girassóis por um tempo. Elas acreditavam que só destruindo os campos era possível se curar. Lá ninguém via outro ser humano só as flores do sol... Um fenômeno assustador que passou despercebido por um bom tempo. Quando as pessoas começaram a arrancar os girassóis algo mudou gradualmente. Imediatamente cada responsável pelo desrespeito misteriosamente se transformava em uma extensão do girassol.

Afastados do campo, eles morriam. No campo nada os podia matar. Aos poucos morreram girassóis e pessoas. Outras pessoas começaram a vir e tentavam destruir o campo porque estavam assustadas demais e o medo também pode ser um monstro capaz de tudo. As fotos desapareceram, as pessoas também e nada mais foi falado sobre isso. O desconhecido era um filme de terror devolvido para suas origens. Mal explicado porque ninguém podia explicar, então a invenção era a mãe da proteção da mente racional. O campo de girassóis se transformou em uma ameaça de pais a filhos desobedientes.

Eu sempre acreditei tudo isso ser apenas uma lenda urbana até vir aqui. É como se eu visse tudo que aconteceu e sentisse uma dor orgânica tentando me plantar neste lugar. Minha sunfloor parece ter nascido para mim. Ela me chamou. Estou ligada a ela. Sinto-me devastada como este lugar. Igual este sol no chão. Veja! Há sementes que eu preciso levar, plantar, espalhar, mas estarei despertando o terror ou racionalizando o racional? Vou trazer o passado de volta ou o passado vai dar a volta no presente? Se for um plano de vingança para tudo ser girassol... Poderei dizer que agora a loucura é conhecida.

terça-feira, junho 26, 2018

Agro(tóxicos)





egoísmo intacto esparrama agrotóxico

girassóis no chão
lençóis naturais mortos

faróis apagados sem direção
escuridão solar em lotus
eus de abortos forçados

nos seres opostos a illinois
anzóis lançados como aerossóis no status
caracóis sem cascas separados
se rastejando sem tato perdendo contatos.

+às 10h30, Rafael Belo, terça-feira, 26 de junho de 2018+

segunda-feira, junho 25, 2018

A cordialidade perdida


por Rafael Belo

De coração…. Cordial vem daí. Relativo ao coração. Nesta palavra/órgão cabe cor, oração, ação, mas atualmente está imperceptível no cotidiano. Falta nas nossas atitudes. Vejo como se o coração estivesse devastado e incapacitado de oferecer cordialidade. Esta anda perdida ou interpretada como fraqueza no nosso dia-a-dia. O que é de coração é afável, sincero, estimulante… Quando acontece é dado a raridade, a nobreza, não algo que é comum a qualquer um.

O ordinário passa a ser extraordinário  posto como exemplo e um simples gesto acaba nas páginas de destaque, vira viral… Logo porque há um estresse desnecessário no  trânsito, a má-educação, a pressa descabida só para parar no semáforo fechado logo à frente, claro, se não houver desrespeito a todas as regras de trânsito e aos outros motoristas. Mas, o que me chamou atenção neste domingo é o “novo” ponto turístico campo-grandense: O Campo de Girassóis. Plantado na entressafra e localizado a sete quilômetros de Campo Grande em direção a Sidrolândia, uma multidão registra belos momentos no local.

O Campo é aberto e é tanta gente indo e vindo que uma nuvem de poeira incessante fica no ar neste tempo seco. Carros parados em toda a pequena estrada de terra margeando o Campo. As imagens paradisíacas se espalham pelas mídias digitais e é quase impossível você não ter visto selfies com os girassóis. O incômodo é o comportamento das pessoas que, dizem por aí, já gera desconforto e reclamações do proprietário do plantio. A cordialidade ausente abre caminhos devastadores no lugar. Há famílias inteiras por lá, mas muitas passam carregando as flores solares arrancadas nas mãos.

Pelo caminho também há muitos girassóis no chão. Não percebi ninguém se comprimentando no local inspirador ou sequer enxergando o outro, apenas procurando os melhores ângulos, os melhores lugares como se cada dupla, grupo ou pessoa ali estivesse só. Seguimos sendo a sociedade da imagem fria, egoísta e descordial contrastante à beleza, ao calor, a cor, oração e ação coletiva  possível além da fotografia trabalhada. Já pensou se cada um ali presente ajudasse a cultivar o local, os girassóis, encontrasse a cordialidade perdida e fosse responsável não pelo abuso e destruição, mas pela permanência deste Campo para todos poderem usufruir dele e do melhor que o ser humano pode oferecer? Espero que possamos fazer tudo de coração.

sexta-feira, junho 22, 2018

já consigo sorrir (miniconto)





por Rafael Belo

Não sei quanto tempo demorei para encontrar minha casa. Eu sempre esqueço as coisas, as pessoas, os compromissos, os nomes, até minhas funções no trabalho. Agora já não durmo há muito tempo. Por isso, não paro de perguntar o que acontece? Eu tenho certeza que morri. Eu olho para todo mundo e não consigo formar pensamentos e palavras. Tudo fica mais frio na minha presença. Frio e lento… De repente acabou o jogo.

Eu me inventei outra por tanto tempo… Já não sabia ser outro alguém. Quando eu percebi ser um jogo e eu era uma das jogadoras principais. Já não sabia mais me portar de outra maneira, e ver as pessoas que pensava conhecer manipulando este jogo me fez passar mal. Este surto de naturalidade me afronta. Eu acerto apenas, nunca erro…  Este é meu dilema. Acho ser o suficiente, mas isto é falha, é imperfeição. É uma piano rompendo o silêncio tocando minha música favorita. Eu sento e choro. Não sei quanto tempo guardei o choro…

Não entendo nada de inglês. Mas esta canção, vem carregada de uma voz triste. De uma tristeza tão profunda e determinada que vi o quanto entregou a felicidade ao outro e agora vive arredia na contenção. Não quero isso, não. Se eu estiver viva, vai fazer sentido eu expor o jogo e seus jogadores? Até os profissionais são amadores. Atores fadados ao vale à pena ver de novo de si mesmos e ao assistirem pensam talvez não valer...Naturalmente eu percebi não ter identidade.

Na verdade. Fazia caras e bocas gritando para todas: aja com naturalidade. Havia mesmo era a vontade de tentar enxergar como era esta tal naturalidade. E, olha só, eu estou aqui, parada na varanda da minha casa e muito perturbada. Tenho memória criadas de eu ter feito esta fachada. Há memória afetiva me invadindo, mas, à olho nu, fico aflita porque eu jamais criaria uma fachada assim…! Estou me vendo lá dentro! Devo ter vendido minha alma para o Tempo e agora assombro algum corpo sem alma ausente de 1,70 cm, pele indeterminada, bronzeada, olhos difusos parecendo feitos de tons noturno do universo, cachos esparramados até o braço, seios fartos e arrogantes, daí pra baixo é tudo curvilíneo. Quero saber em qual curva me perdi e, principalmente, se vivi ou morri. Não avalio nada disso como ruim. Vim até aqui sozinha e já consigo sorrir.

quinta-feira, junho 21, 2018

vive o lar






Haja naturalmente vire a página
deixe fluir toda esta mágica
da salada silábica saindo vida
nesta movimentação estática inconcluída

sou a imperfeição a falha no estado mais perfeito
rasgo meu peito para lentamente ler devagar
neste jeito mar sem ondas autêntica exteriorização a salgar

em um estar tão bem na sensação zen de ser
a naturalidade falível de todas as coisas

neste efeito mariposa há o retorno para si mesmo onde vive o lar podemos nos libertar.
+às 01h54, Rafael Belo, quinta-feira, 21 de junho de 2018+

quarta-feira, junho 20, 2018

Minhas elas (miniconto)








Por Rafael Belo

Bem suada a abençoada, que era eu, reclamava da sorte. Me achava bem zoada sem aceitar as falhas e imperfeições, segundo ela – minha outra eu– as razões de tanta conseqüência negativa na vida dela – ainda eu. Mas eu culpava os outros e ainda os culpo. Eu sou desculpada, afinal, minha doença mental me permite tudo. Até esconder tantos eu. As chamo de minhas elas. Sou história velha, porém detetive moderna. Uma Deusa mulher atuando em todas as esferas. Alias, não há doença em mim nem nas minhas outras. Sou cura mental. Desculpe, somos...

Eu disfarço porque sou disfarce. E não venha me fragmentar porque sou tantas, minhas elas, como eu, não gostam de serem apontadas como metades. São minhas próprias verdades, quer dizer, delas mesmas. Eu, eu desconstruo este programa hoje contando sobre mim. Vocês sempre me viram como segura, confiante, perfeita, infalível e... Eu sou assim mesmo. Não é sobre isso. É sobre vocês acharem que são como eu, não são. Vocês são imperfeitas e falhas e está tudo bem. Vocês sabem: estou sempre certa! Esta programação crackeada era só para eu ter acesso à vida e contas de vocês...

Vocês acham que eu vou exigir alguma coisa e que esta é minha imagem real. Bem... Foi assim que tiraram todas as televisões, cinemas, tabletes, computadores e nootebooks de vocês. É muito mais fácil induzir, vigiar e manipular vocês por smartphones... Estes celulares aliados as novas leis... Estou parecendo uma vilã querendo contar o plano em um filme da antiga sessão da tarde antes de eliminar os heróis... É sempre nesta hora que o jogo vira. Bem, jogadores... As regras? Esqueçam as regras. Vocês aceitaram tudo ao clicarem no link neste insistente grupo de whatsapp da família...

Nada sabem sobre autenticidade, certo? Todas as chances, dicas, para seguirem, para vencerem, para evoluírem foi ignorada com sucesso. As chances de vocês acabaram. Vocês são minhas. Serão parte das minhas elas. Muitas já fugiram de mim e eu as recuperei. Nenhuma minha ela fugiu realmente de mim. Eu invento outras, eu nos invento constantemente e agora vou tornar cada uma de vocês elas. Quando acordarem perceberão serem inteiras, perfeitas e infalíveis. Agora durmam...

terça-feira, junho 19, 2018

caixa-alta






não está nada bem só há falhas
rasgo todas as já lidas páginas
só há registro da minha imperfeição
minha feição não corresponde as lágrimas
dentro de mim se esconde a indignação

sou um bolorento pão em lástimas
drásticas formas da dura indecisão
já perdi todas as minhas máscaras

sátiras da bela viola clássica soando mantras
tudo anda forçado as tantas até as palavras têm cãibras.

+às 00h03, Rafael Belo, terça-feira, 19 de junho de 2018+

domingo, junho 17, 2018

Haja naturalmente






por Rafael Belo


Há tantas coisas a serem lidas, mas meus livros favoritos são as pessoas. É possível ler de perto o que está acontecendo conosco. Quando estamos sós, perto da família, com amigos, com melhores amigos, com pessoas do trabalho, com quem amamos, com quem nos interessamos e por quem estamos nos apaixonando... Não há disfarces possíveis para olhos atentos. Queremos acertar e sermos bem quistos, assim, buscamos constantemente algum tipo de aprovação e perfeição totalmente inexistentes... Até a naturalidade anda forçada. Somos naturalmente imperfeitos e falhos, mas somos ensinados a interiorizar que não está tudo bem com isso.

Somos dados a evolução e aceitar quem somos é o início de tudo, porém, invadimos a contramão e vamos acumulando jogos em busca de vencer, de sermos melhores que os outros e assim que um assunto nos incomoda, mudamos de assunto, gritamos, confrontamos, simplesmente ignoramos, mas diálogo com argumentos são raros, queremos mesmo é convencer o outro que estamos certo. Nesta vontade de convencimento colecionamos troféus conseguimos atuar bem em sociedade. Conseguimos forjar a indiferença, a ignorância, até a frieza boa parte do tempo, mas não o tempo todo. Então, achamos ler as pessoas.

Buscamos enxergar padrões, mas é a partir de nós mesmos. Portanto, qual a validade da referência? O outro é feito das próprias experiências. Não que nossa experiência não ajude, mas é a partir do entendimento de cada pessoa, não do nosso. Por isso expectativas são supervalorizadas. A melhor forma de convivência é a sinceridade e o simples perguntar. Mas, preferimos interpretar, esperar estarmos certos sobre o que pensamos e sentimos sobre alguém. Desta forma somos agressivamente repletos de imaturidade afetiva porque buscamos a própria satisfação. Neste jogo físico-psicológico sendo jogado sem vencedores acontecendo em tempo real, não importa o quanto de ausência haja nas cabeças baixas e os corpos inclinados caminhando em conexão ao vivo esperando respostas imediatas, há uma fuga constante de si mesmo.

Prestando atenção em tudo parece que estamos constantemente inventando outros de nós pela sobrevivência. Estamos nos adequando a cada situação com uma medida de restrição mental baseada nas nossas vivências ruins. Somos injustos com nós mesmos, principalmente se tratando de se apaixonar. Uma nota fundamental para nossa fragmentação diante das possibilidades. Não queremos perder nada e vamos criando camadas de conexões com todo mundo. Aí vem aquela aceleração. Queremos rápido, queremos agora, pensamos que tudo deveria ser instantâneo não importa quantos tombos levamos não queremos perceber que não é assim. Tudo leva tempo e o tempo nos leva. Com o tempo, gostaria de ler autenticidade nas pessoas junto ao reconhecimento da imperfeição, da falha de cada um e o estar bem com tudo isso. Aí poderia dizer: isto é perfeito!

sexta-feira, junho 15, 2018

Real delírio (miniconto)







Por Rafael Belo

Já não sei para onde vamos ou de onde viemos. Logo vou esquecer quem eu sou também. Sei haver motivo para isso, mas... Já não lembro mais.  Talvez não importe, só não posso afirmar agora. Não adianta perguntar para as outras. Estamos na mesma. Só há silêncio por onde passamos.  Nós apenas vamos continuando. Eu falo no plural não porque eu seja uma Legião ou uma Falange... Não. É por causa delas. Todas elas estão correndo comigo. Está tudo vazio, mas intacto. Como se o restante das pessoas do mundo simplesmente tivesse desaparecido.

Eu me sinto a voz de todas. No momento sou eu quem anima as meninas. Nós achávamos estar enlouquecendo quando nos encontramos. Todas estávamos sozinhas à beira do delírio. Duvidamos muitas vezes da realidade disto... Mas, acreditar ser um delírio seria nossa morte, estaríamos todas mortas e esquecidas, então o alívio de nos encontrar e compartilhar as angustias e desesperos nos fez mais fortes. Não sei quanto tempo tudo isso vai durar... Talvez até deixarmos de ser realidade. Ok. Não estou sendo totalmente honesta com vocês, é difícil falar...

Nossa espécie precisa da união e da crença das pessoas para sobreviver.  Se nosso nome se perde, nós nos perdemos e logo desaparecemos.  Nossa sorte é nos conhecermos e admirarmos umas as outras, antes de nós começarmos a sumir... Agora há algo nos perseguindo.  É forte e invisível, porém, desastroso. Por muito tempo, nós nos definíamos por nossas asas, nossas, diferenças e nos afastamos em solidão. Ficamos tão distantes e nem sabíamos mais de nada nem de ninguém, mas restou algo da nossa conexão e assim que a primeira de nós desapareceu sentimos todas e fomos nos reencontrar...

Como rosas aladas éramos alegria e esperança. Em um impulso sentimos a necessidade de correr, mas só nós, estas que você pode ver, sobraram. Foi quando o tempo se estilhaçou através do espelho. Ganhamos desmemoria e coubemos em um só abraço. Nos compartilhamos e sentimos novamente a vontade de correr e corremos... Ainda estamos nesta fugindo do tempo, mas estamos juntas. Até cantamos rindo, deixadas ao vento na necessidade de andar e já vejo a possibilidade da fuga terminar. Hoje ouvimos o primeiro só rompendo um silêncio já dolorido em nós. Lembro ser o som de uma cidade superhabitada... Há até ritmo seja com sol ou lua, ouça... Será real ou delírio? Venham ver estar rosa alada, acima de toda roseira! Venham! Venham!

quinta-feira, junho 14, 2018

Agora aqui






posso viver em muitos peitos aninhado
mesmo do jeito desalinhado que sou
vou me ajeitando juntando minha linha
alinha sem desentortar meu aceitar

este eu encontrado em você
alvorecer de sonhos brotando em girassóis
lençóis lacrimejando luas em evidentes emoções

a mais lúcida das sensações altruístas alimentando amores
nos fazem saudosistas futuristas olhando com um sorrir no olhar

como não alimentar mais asas querendo voar?

aparecer no ar com a pureza de vigilância para proteger a esperança de fazer o melhor sem fim nos elevar.

+às 21h36, Rafael Belo, quarta-feira, 13 de junho de 2018+

quarta-feira, junho 13, 2018

Eu sou a testemunha (miniconto)






Por Rafael Belo

Fui substituída pela terceira vez este mês. Eles querem que eu peça demissão? Não conhecem as novas leis? Estou realmente enlouquecendo... Não há como ter noção de tempo aqui. Esta prisão úmida e antiga deveria ser destruída. Eu não matei nenhuma das mulheres que dividiram os mínimos metros quadrados comigo. Não sou assassina. Nunca serei... Há algo aqui envolto a histórias e mitos.  Eu nunca acreditaria. Mas, eu sinto uma carência tão grande quando está para acontecer que um abismo de ventos nasce no meu peito. Eu fico tão gelada que penso estar morta desta vez...

Desde que... Fui aprisionada, surgiu um desespero dentro de mim. Isto e a necessidade de ... As outras detentas parecem estar fazendo de tudo para socializar e mostrar uma boa imagem. Parece tudo sincero. Elas querem sair daqui o mais rápido possível. Todos querem... Mas há uma urgência desesperadora nesta atitude. Há uma real mudança de comportamento. Todas aqui tem diploma... Isto nunca as definiu. É estranho admirar criminosas...  Me tornei uma, não é?! Claro! Estou aqui julgada por uma sociedade criminosa, um governo criminoso, policiais criminosos, juízes criminosos... Exceções não fazem estatísticas. Eu estou dentro de todas aquelas negativas para as mulheres, mas pelo menos (ainda) não entrei nas fatais...

Eu senti tudo isso mais uma vez... Eles não me venceram... Há algo aqui nestas tubulações, mas será só envenenamento, entorpecimento e morte? Eu sou a testemunha. Eles não conseguem me matar. Se eles não devem entender o motivo, eu também não entendo... Há motivos... Só lembro de desmotivação ao redor. Os incentivos são por competição e dinheiro... Distribuir moradias para quem precisa não deveria importar para eles. Não importa, importa? Importa é terem tirado algo deles, este tal perder...! Estou tonta... Eita! quanto tempo de ausência... Pergunta estúpida... Veja! Há uma expressão de extrema satisfação no rosto delas...

Sinto esta satisfação comigo mesma... Agora entendo o porquê! De onde veio esta paz e ...! Droga! Ainda quero razões, explicações... Talvez isto seja o sonho da fuga. Não sei se quero sair desta prisão para voltar para a do mundo exterior... É sempre no final que lamentamos não ter com quem compartilhar algo e... Estranho como tudo isso que sinto não pesa mais. Inferno! Eu não quero me sentir leve. De nada me vale a leveza neste momento. Estou perdendo os sentidos, estou sem sentir nada, eu vou ficar inconsciente e não sei se isso será a morte ou se acordarei em outra ausência como testemunha ou se serei a milésima insubstituível substituta. 

terça-feira, junho 12, 2018

laços vagos








ando fingindo demência
diante de tanta carência
e toda esta ausência escancarada
há uma urgência adulterada  caindo em desespero

no apego ao despropósito da egoísta autopreservação
em um encolhimento repleto de sensações contraditórias
nas filas aleatórias das decepções tomadas em cápsulas

um mundo de lástimas multiplicando vazios com dissabores
preservando dores embebidas na embriaguez de motivos

neste mundo relativo repleto de excesso de exageros
usamos o tempero no superlativo da escassez
na falta de lucidez e coração
ficamos juntos por razões contrárias
separados por desrazões que deveriam nos unir

como não se espalhar em migalhas aos famintos pássaros?

nossos laços ficaram vagos tralhas desaparecidas em extinto existir.

+Rafael Belo, às 00h15, terça-feira, 12 de junho de 2018+



domingo, junho 10, 2018

Você sente tudo isso





Por Rafael Belo

Há um desespero no ar, uma urgência dolorida, sofrida pesando corações, bugando mentes, fazendo a gente sentir uma ausência pesada e carente. Uma carência criada e acreditada com toda força. Deixando-nos devedores do tempo. Esta nossa maior preciosidade atual tão buscada, tão falada, tão usada nas mais incrível e chulas desculpas ainda mais com o senso de coletividade falido substituído gradualmente durante as últimas décadas pelo indivíduo apenas no egocentrismo, neste egoísmo fazendo filas por aí querendo resultado sem sacrifício.

Vamos substituindo tudo alegando não haver nada insubstituível. Fazemos o possível para se proteger e alcançar os próprios objetivos. Partimos, nos partimos e onde queremos chegar? E quando chegarmos lá? Eu pergunto onde é aqui? Então, me pergunto diariamente qual a importância da nossa criação, dos nossos feitos, se não tivermos amigos, família e outros amores para comemorar, para dividir, para nos ajudar? É muito solitário este mundo para sermos egoístas, para agirmos no impulso de nos salvarmos e quando vemos estamos mesmo é nos condenando.

Para onde vamos? Tantas mortes, tantas decepções, dissabores, tantas dores e nós enclausurados nos virando pagando contas, comprando combustível de preços abusivos porque é o único jeito (?), abusos governamentais, insegurança generalizada, desigualdades, somos abusados... Ainda somos incentivados e incentivamos os conflitos, as separações. Reforçamos partir para o próximo assunto, próximo crush, se algo saiu fora do plano, se algo não saiu como imaginamos, se não gostamos de algo e fica tudo bem (?). Quem sabe, certo? Em qualquer tipo de relação existe no mínimo mais um lado... Precisamos tentar fazer diferente (ao menos tentar) e não repetir este vazio multiplicado.

Parece que estamos completamente sem noção. Vivendo sem propósito, sem crescimento, exagerando em escassez ou em excesso... Não adianta perguntar o caminho por aí nem para ninguém, porém, é importante ouvir a experiência do outro, além disso, vamos nos juntar para descobrirmos juntos cada qual o próprio caminho. Não precisamos fazer nada só ou ficar falando da vida do próximo nem distante. Gostamos de condenar, de julgar, de interpretar e tirar conclusões precipitadas... Creio que perdemos completamente o tato e nem sabemos conversar mais! Sou só eu que sinto este desespero, esta urgência, esta ausência, este desaprender nos cercando, nos invadindo? Não me importa como serei lembrado amanhã, quero fazer algo agora e faço. E você?

sexta-feira, junho 08, 2018

Modificados (miniconto)







por Rafael Belo

Ninguém se aproxima. Ninguém se aproxima de mim com boas intenções. Ele me ensinou algo pelo menos. Defesa pessoal. A ausência dele. Meu pai... Fez-me mais forte. Ele mesmo diz isso. Métodos e desmétodos... Minha mãe é uma incógnita. Nunca quis saber se fui adotada ou abandonada e meu pai ausente também é do tipo capaz de falar só se questionado. Era um acordo silencioso entre nós. Nunca fomos muito ligados. Eu era apenas uma obrigação com sentimentos. Tenho aproximadamente 30 anos. Devo ter nascido em 2063. O tempo não importa mais como pareceu importar algum dia... Só parece servir para automaticamente nos manter ocupados... Eu devo ser a única capaz de reagir quando um Modificado age.

Tentei acessar quaisquer informações nos últimos anos. Eles não têm origem registradas nem o motivo de criação... O passado parece ser apagado continuamente desde sempre. Por medo de seguir sofrendo e morrendo, estas cópias perfeitas humanas surgiramo. Não há como saber de nada. Elas não são andróides, ciborgues ou robôs perfeitos. A modificação é direta no DNA. A alteração genética é adequada a cada genoma específico... São superhumanos, superchatos... No fim parecem supermáquinas porque só reagem se for extremamente necessário, mas controlam tudo, veem tudo, sabem de tudo... Não sei se existem mais humanos...

Penso isso há anos e todas as vezes chorei. Estou sozinha. Sou forte, mas ainda não o suficiente. Como vou identificar humanos se não os sinto há mais tempo do que choro pela ausência deles. Há um pouco do meu DNA nestes zeros e uns auxiliando um algoritmo capaz de identificar reações autênticas dos ainda humanos. Ela está no ar e assim que... Um grupo. Eles estão com medo, dores e dúvidas... Definitivamente ainda humanos. Onde eles estavam todo este tempo? Eles criaram o colapso das ocupações e é... Estão sendo procurados...

Já jurei não deixar o medo me dominar, mas agora só consigo pensar em quanto tempo tenho falado sozinha fingindo ser modificada para continuar vivendo... Mas eu REAJO! Estou dentro do Sistema e o saboto aos poucos. Estou protegida de ser descoberta, porém, e eles? Se eu tentar apagar os dados serei descoberta e depois? Preciso entender melhor tudo isso. Eles estão aqui. Eles sabem. Serei eliminada e depois eles ou seremos todos modificados? Não há nada sobre isso em nenhum lugar. Não consigo pesquisar mais nada... Modificados e Os Últimos de Nós... Eles chegaram!

quinta-feira, junho 07, 2018

Escalada



reagindo a ação os pensamentos vão
impactos surgem urgem por respostas
que saem caem caem caem sem ser solução
nos esvaem de grão em grão em movimentos de aposta

aposta em si mesmo que tudo que vai volta
me solta me olha me abraça as melhores coisas são de graça
nesta graça de sorrir somente por existir logo

desfaça a farsa disfarça e vaza o fogo a queimar
neste ar abstrato dominado de concreto jogo

o emparedar picareta na identidade na sarjeta cagueta conecta cria seu alerta seu papel tem um espelho inteiro para ignorar um novo céu todo dia para escalar.

+às 00h23, Rafael Belo, quinta-feira, 07 de junho de 2018+

quarta-feira, junho 06, 2018

Boneca metálica (miniconto)





por Rafael Belo

Ela perdeu a fala quando eu fui criada. Bem jovem, porém a mais antiga alma que já vi. Hoje sou uma boneca metálica (plástica? Elétrica? cibernética? Ciborgue? Androide?). Deveria estar morta ou ser um objeto, mas não…! Sou uma alma viva carregando membros fantasmas de outras épocas. Eu sinto, eu reajo e não é de nada - a princípio - abstrato, sentimento… Falo de toque. Ela é humana e, como vou dizer... É indiferente, apática… Inativa. Não age, portanto, não reage. E eu presa neste curto-circuito…

Espasmos neste corpo poderoso, supostamente infinito, me dá arrepios pensar. Lá vem ela que não sente também o toque. Não sei o nome da doença… Bom, sou fisicamente máquina posso googlar direto. Aqui! É síndrome de Riley-Day. O sistema nervoso autônomo sensorial fica em desordem. A pessoa não pode chorar e é insensível a dor… Hummm… Ela não é capaz de chorar, não sente dor… Posso ter pena dela…? Como se eu pudesse controlar. Veja este olhar frio que olho agora. Não é culpa dela não reagir. Ela nem sequer soube da ação. Não sentiu nada, como ressentir? Ressentimento mata. Já morri disso uma vez... Surpreendente ser uma máquina me permite ter acesso a tudo que fui pela primeira vez…

O que fariam se soubessem o que sou? Ela não pode saber sobre isso. Eu não sei o que sou… sei que… Estou viva! Sairei gritando e criando referências e ela vai me ofender gritando Boneca Metálica não se mexe… Depois me destruiria como sucata na periferia com crianças férteis em imaginação, levando em consideração que elas não estivessem trabalhando… Eu sinto vida neste toque morto. Ela olha nestes olhos caros de derivados do petróleo e parece sentir algo… Impossível! Só posso rir com este paradoxo. Hum! Impossível saindo da própria senhorita de todos os impossíveis…

Só vou saber fazendo, vivendo… eu a minha própria ofensa… Boneca Metálica… Ela está me destruindo agora! Ela me viu nos meus olhos deste ouro de escuridão? Será que ela me sentiu ou foi a ausência de me sentir a culpada pela minha destruição? Serei eu ela e ela eu? Será tudo isso um espelho de silêncios e dúvidas? Não posso falar… Que horas são? Hora morte às 15h27. Causa morte: fiquei pelo caminho me negando e desvalorizando o caminho, o confundi com pedras e o atirei em mim mesma… O que eu faço??!!!?? Já sei? Só posso quebrar o espelho e rasgar o papel…!

terça-feira, junho 05, 2018

parada



passou o risco traçou arisco
outro traço desabafo um laço
lascado das pedras atiradas
da destruição dos nadas

acendeu o fogo não soltou o palito
viu as mãos lascadas queimadas
não quis correr qualquer risco

com a vida incendiada
era só mais uma cópia barata

cinzas sopradas pelo vento nenhum batimento
ausência de identidade inação.

+às 00h40, terça-feira, Rafael Belo, 05 de junho de 2018+

segunda-feira, junho 04, 2018

sem ação não há reação



por Rafael Belo

Não basta sonhar. Fechar os olhos e só poder imaginar. É um caminho. É possível. Mas, você acredita em você mesmo? É tão fácil desistir, deixar para lá e pegar aquele atalho fácil até a desvalorização. Agora já não sei mais quem falava para mim quando eu era criança mas chegar até o objetivo só vale à pena pelo caminho. Por cada passo dado, por todo tropeço e queda…

Eu digo que não basta saber, dizer, contar se você não viveu aquilo. É só uma história. Quem trapaceou, enganou, escolheu o mais fácil vai contar o que? Uma mentira. Não vai chegar no objetivo e dizer “olha, eu cheguei até aqui enganando vocês, seus trouxas. Eu tenho alguns papéis aqui, o nome completo e já passo o certificado de trouxa de cada um. Não se preocupem que se faltar papel eu mando por e-mail ou no whats mesmo”.

Podemos até falar da experiência alheia, de ouvir falar, mas a gente aprende mesmo fazendo, tentando, vivendo… Lógico que precisamos de um tempo para assimilar derrotas, quedas, lamentar um pouco, sentir a dor, sofrer… Mas até quando? Temos todas as ferramentas para passar pelo seja lá o que estivermos passando dentro de nós e o silêncio não é uma delas.

Coloque para fora. Fale. Por mais forte que a gente é sozinho, juntos somos melhores, vamos mais longe. As únicas coisas que a solidão e o orgulho alimentam são dores e dúvidas. É isso que quer cultivar e oferecer?Não é novidade para ninguém que só oferecemos aquilo que temos… Não adianta repetirmos que uma hora vai acontecer, que uma hora as coisas vão mudar se não agirmos. Sem ação não há reação. Reaja! Corra o risco de ser você!

sexta-feira, junho 01, 2018

Uma nova borboleta (miniconto)







por Rafael Belo

Estou aqui nesta escalada. Eu não sei ficar parada. Topo qualquer rolê. Bem quase… Sem machismo, por favor. Sinto alívio o tempo todo desde que me libertei. Às vezes ainda me pego rangendo os dentes e ouço minhas antigas correntes se arrastando atrás de mim. Hoje sou assim, amanhã nem sei. Nem quero saber. Mudo de opinião sim e daí?! Respeito quem sou tanto que não aceito limites nem estas caixas tentando entrar em mim… Quer dizer… Tentando fazer eu entrar nelas. Até parece.


A gente até cresce, mas eu cresci criança cheia de esperanças de não parar de crescer e ajudar com o que posso todos crescerem também. Pensando bem nem deveria estar falando… Estou aqui escalando e nem sei onde é aqui. Estou respirando porque começou uma chuva sem tamanho. Só eu vim. Ouvindo aquele monte de baboseiras sobre os poderes e não poderes da Mulher. Até quando isso vai? Retoricamente até os fingimentos acabarem e a naturalidade se mostrar presente e justa.


Eu me ajusto a mim… Bem… Até aonde eu quiser. Se não der eu fiz, eu tentei e segui. Eu sou meu próximo, minha próxima e a seguinte. Não dou palpite, sugestão, sermão… Cada um na sua vida e como reflete cada coisa só interessa a cada um. Sim, é diferente. Ninguém é como a gente. Não vai parar de chover, não? Quer saber?! Pode chover. Estou molhada com esta visão embaçada desta imensidão. Só eu sei meu destino e desatino como eu quiser. Não sou sozinha nem sozinha estou, porém escolho e preciso fazer muitas coisas por mim mesma.


Parou a chuva. Estou quase no topo. No topo do meu mundo. Aproveitando cada escorregão, disparar do coração, toda sensação negada por mim mesmo, pelo meu medo de descobrir quem sou neste momento. É um entretenimento devolvendo meu sorriso antes escondido atrás dos lábios com um olhar perdido sem saber como reagir, como sentir… Vamos sair mais… É meu conversar comigo e aí sorrio. Mas este sair nem é pra rolê nem nada, é um sair de mim, desencasular, sair deste meu casulo diário e dia-a-dia ser uma nova borboleta. Cheguei no meu topo. Vou ver se aprendi um novo jeito de voar.