sábado, novembro 30, 2019

Cheiros da Morte (miniconto)







por Rafael Belo

Meu estômago latejava, minha garganta apertava. A todo instante me faltava o ar. Já não tinha notícias de qualquer pessoa. Talvez eu fosse o último ser humano na terra. Em algum momento todos foram dominados. A queda do Demônio esquizofrênico não foi uma só. Foi uma para cada personalidade.

Todos seus inomináveis nomes foram abolidos. Até hoje não consigo falar. Até agora não consigo afirmar se foi uma boa estratégia do mal se fingir de vencido, de inexistente, mas sempre foi mais complexo. Nunca foi só bondade versus maldade. O Vilão, o Inimigo era bem mais, ardiloso, inteligente e enganador… Espalhava Cheiros da Morte por toda parte.

A vida sempre foi um teste de caráter. O ilegal e o imoral destruíram o respeito. Depois de cem anos não restou nada da humanidade. Os bons não dobraram seus joelhos para entenderem sua pequenez e nada fizeram a não ser se doer, apontar e reclamar. Eu me salvei no último instante. Não sei dizer do que. Uma Legião vingativa saiu do exílio e explorou nossas fraquezas e defeitos. 

Creio só haver mulheres se eu não for a única viva. Tenho dúvidas se é o silêncio que perturba ou a quantidade de vozes me instigando o ódio e o rancor sussurrando no ouvido. Isto deve ser o Arrebatamento. Será que eu não me arrependo de verdade? Ou devo falar no passado e não me arrependi de verdade!? Nossa que arrepio e aquecimento dentro de mim… O que se forma lá longe? Está se movimentando… São as mulheres? Estou… Estou me afastando do chão… Nunca senti este tipo de Alegria exagerada. Vozes chamam meu nome e uma Voz distinta vibra em toda minh'alma. Meu corpo e minh'alma são um só.

quarta-feira, novembro 27, 2019

Pesado Ar









podres vermes proliferam decomposição
na desunião de mãos dadas
projetadas em pescoços apertados
robotização dos ataques para se defender

bots programados para darem o bote
cortando a ferida profunda na tentativa da eternidade de dor


um inferno privado de egos 
roubando os ares de viver

ar contaminado pelo pesado esquecimento de que é preciso morrer para ter vida. 

+ÀS 07h49, Rafael Belo, 27 de novembro de 2019, Campo Grande-MS, quarta-feira+ 

segunda-feira, novembro 25, 2019

Como nasce a desunião










por Rafael Belo

Atitudes destrutivas obviamente destroem. Não só o destruidor, mas todo o ambiente ao redor. Criam rejeição, afastamento, todo um lugar de culpa e dor. Um verdadeiro espaço insalubre dentro de nós mesmos. Coletivamente é onde se visita para se alimentar muito mas mal, semear a discórdia, deixar livre e forte a raiva e o rancor. Permitir a concretização disto sempre aliado a sentimentos negativos e a destruição só faz a multiplicação destes flagelos… A proliferação destes males é ideal para a decadência e a lamentação.

Este mal estar concreto é atrativo, é um ímã para quem se sente da mesma forma e quem se sente totalmente o oposto cai na armadilha de se afastar, de se permitir ficar em um pensamento ruim, em um sentimento negativo… Este coletivo atual está impregnado no Brasil e no mundo porque habita nosso lar. Nossas casas estão divididas. Nossos lares estão devastados. Permitimos a intriga, o egoísmo e o material resultar em desunião. Estamos desunidos até na união...

Há interesses egoístas quando grupos se reúnem. O propósito de compartilhar, dividir e crescer se transformou em mera exibição, palco, demonstração de força, curtidas… A união de fato desacontece. Deixou de acontecer porque perdeu o significado de coletividade, de auxílio e justamente de dividir o pão. Pelo contrário… Parece que ficamos ávidos por nos reunir para falar mal de alguém… Quer dizer apontar "defeitos", falhas de caráter, coisas fúteis como erros de pronúncia ou vestimentas e coisas particulares como relacionamentos... 

Não procuramos ajudar. Procuramos dar holofotes e os 15 minutos de fama daquela situação. Escolhemos filmar, tirar foto, rir, julgar…  Dizer sobre a colheita, o merecimento disso, de seja lá o que for que esteja acontecendo com a pessoa é resultado de algo que ela fez ao menos que sejam vitórias, conquistas de felicidade e bens materiais aí muda. Falamos que foi feito algo de ilegal ou imoral. Depois nos perguntamos: como nasce a desunião?

sexta-feira, novembro 22, 2019

Eu Cigarra (miniconto)









por Rafael Belo

Fui chamada de anomalia. Onde já se viu uma cigarra fêmea que canta? É papelão do macho cantar para atrair as fêmeas… Eu tenho duas caixas acústicas ainda. Uma no abdômen e outra no peito. É a correção da natureza de dar algum tipo de vantagem para os machos. Quando eles vieram me isolar, me confrontar, me exterminar… Só avisaram depois. Nunca houve aviso. Arrancaram minhas asas e me jogaram no chão…

Enterrei-me e esperei a compreensão da próxima geração. Não aconteceu. Foi o mesmo. Repetição. Enterrei-me de novo. Esperei. Desta vez esperava respeito. Não houve nenhum.  Pelo contrário. Enterrei-me novamente. Ainda tive esperança e esperei aceitação. Foi pior… Na próxima vez esperei por tolerância… Agora na milésima vez aprendi.

Não preciso esperar. Nunca precisei. Eu era única. Hoje sou milhares. Já não nós enterramos mais. Saímos anônimas por aí. Voamos silenciosas. Mesmo quando arrancam nossas asas, eles acabam descobrindo que não são asas que nos fazem voar. Com sucesso nos transformaram em escravas para botar ovos e morrer em seguida. Dissemos não a brevidade. Mas tendo que ser breve, que seja eterno.

Eu sou a única sem fim. Meus ciclos não terminam. Eu me enterro e continuo. Toda vez minhas asas são arrancadas. Quando conheci La Fontaine, aquele francesinho distorceu todos os fatos e as traduções, me fizeram dependente da formiga. Rebaixaram minha arte e fizeram parecer ser tudo gratuito basta nos alimentar e massagear nosso ego. Todo o trabalho ficou como unicamente das formigas. Obrigado La Fontaine, muito obrigado…!

quarta-feira, novembro 20, 2019

decibéis









decolou a cigarra sem asas
na marra do impulso na cara da coragem
cantando suas melodias particulares
sem escutar mais ninguém 

declarou seu amor a quem quisesse ouvir
partindo seu eu antes
se deixando bem agora

no presente perfeito expresso
na vontade maior que tem

viu seu ir no espelho já não ser ninguém visto e ao piscar acabou aquele tempo expirou o visto.
+Rafael Belo, às 07h23, quarta-feira, 20 de novembro de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, novembro 18, 2019

Morremos sem asas








por Rafael Belo

Deitei na rede. Adormeci. Acordei com uma imensa cigarra com as asas danificadas sem poder voar. Lembrei que elas ficam na terra a vida toda e só saem para viver um dia e morrer. Novamente. Isto é brevidade. Voltei a dormir. A cigarra cantou até morrer. Acordei e ela estava morta. Veio-me a mente a fábula a Cigarra e a Formiga. Uma canta e se diverte. Outra trabalha em dobro para sobreviver no inverno. Já nós, trabalhamos para nos alimentar e continuar a trabalhar. Cantamos para relaxar? Para La Fontaine trabalhamos para nos livrarmos dos suplícios, das coisas que nos torturam simbolizada pela cigarra e para não aturar zombarias referenciadas nas formigas. 

Imaginei o quanto nos incomoda a postura dos outros sobre nós, assim como a fala e a opinião. Imaginei o quanto danificam nossas asas, mas nunca conseguem as arrancar. Analisei o tanto de trabalho ocupando quase integralmente nosso tempo e no tempo que sobra fica ocupado pelo cansaço ou algum tipo de anestesia.  Então, passei a entender a natureza das cigarras e sua insistência em encontrar melodias no próprio canto onde muitos só veem e ouvem incômodo e zumbido. Afinal, são 120 decibéis… O equivalente a decolagem de um avião diariamente ao amanhecer e ao entardecer. O canto atrai as fêmeas que morrem depois de botarem os ovos nas árvores.

Esta vida breve é ainda mais breve para as formigas que vivem de 1 a 3 anos - menos as rainhas que vivem 30 anos. Elas tem dois estômagos. Um para elas próprias, outro para armazenar e dividir com a colônia. A sabedoria da Natureza coloca cada qual em sua missão no ciclo da vida. É preciso muitas vezes gritar para nosso canto chegar a nossa máxima potência e sempre há algo além quando chegamos ao limite. Isso me levou a olhar novamente para a cigarra morta e pensar se aquele era realmente o dia final dela, se foi naquele dia que ela escavou para fora da terra para cantar em uma árvore e o que destruiu as asas dela.

Neste meio tempo, pesquisei para ver se eram corretas minhas informações. Descobri que as cigarras podem viver até 17 anos debaixo da terra e depois quando saem vivem até cinco semanas. Outras saem todos os anos. Ela se alimentam da seiva das árvores. Assim, as 1500 espécies podem ter a vida mais longa entre os insetos e só os machos cantam. Cada canto um propósito. Aquela morte ali certa, precedida de uma agonia para voltar a voar reforçou a necessidade de usarmos nossas asas porque morremos sem asas. Morremos quando não podemos voar e cantar. Ficamos no despropósito, na cena muda quando deveríamos falar e cantar sempre aquela que desejamos o bem e o melhor no Amor.

sexta-feira, novembro 15, 2019

Sem mim (miniconto)










por Rafael Belo
Eu estava cansada de me despedaçar e me desperdiçar por aí. Fui atrás das minhas partes perdidas no passado. Não as reconheci. Nem acreditava de fato na existências delas. As encarei com a versão melhorada e moderna de Orfeu que sou. Só sou a outra parte deste amor. Sou Eurí apelido de Eurídice.

Eu estava em toda parte e já não era mais eu. Eu passei pelo meu passado em silêncio. Gosto dos meus silêncios, mas preciso expô-los depois. Sabe contar sobre eles. Vi o quanto eu estava presa em momentos sem valor, algo sem significado, principalmente agora. Neste presente transbordando ausências. 

Ouço as pessoas presas. Elas gritam com o corpo, com os olhos e eu ouço mesmo elas falando o contrário. Há uma forca montada nos olhares e elas confundem minha atenção com atração e eu tenho que usar a força do não, a força dos meus direitos para parar de fugir destes sufocamentos, destas solidões e destas coleções de momentos desagradáveis escolhidos para serem destacados… Mesmos os momentos bons sendo muito maiores...

Voltei a cantar e tudo se acalmou. Hoje é só mais um dia. Este é só mais um momento. Há tantos para serem criados, mas se não houver… Não vou ficar presa a este, mas vou aproveitar ele como se fosse o único, como se fosse o último porque é a realidade dele. Nós que vivemos desperdiçando nossa capacidade nos indispondo a segurar a liberdade e acabamos inseguros e presos. Prefiro colocar a cedilha em forca a ceder a este sufocamento e morrer sem o ar que eu preciso. Quero ver mais nos olhares. Viver com as pessoas mas sem precisar delas. Orfeu precisa saber viver sem mim. 

quarta-feira, novembro 13, 2019

presença










na brecha entre nós
existem tantos infinitos inexplorados 
deixando a solidão um momento desagradável
no tempo para si superestimado
ouvindo o cansaço dormir

há vários silêncios por aqui
a espera de qualquer organização
e quando um se organiza o outro se desorganiza todinho

sabe-se lá quantos nós quantos outros existem 
onde há tanto espaço entre estes sei lá com tanta gente misturada sufocando

são excessos de forca
na suposta força desperdiçada no acúmulo de desperdícios de toda hora errar o tempo do verbo da nossa ausência.

+às 23h29, Rafael Belo, terça-feira, 12 de novembro de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, novembro 11, 2019

Não se desperdice









por Rafael Belo

O cotidiano pede uma rotina. Relutantes, ou seguimos por segurança ou rejeitamos por esperança. Escolhemos, então, nos desperdiçar em um momento, em um sentimento, em um contexto, em uma forma e em uma interpretação. Nos limitamos. Podemos de fato mergulhar em um momento, em um sentimento, em uma situação, mas sem medir a emoção nem o impacto em nós mesmos e no outro é um reviver dolorido escolhido por saturação. Ou seja, por cansaço.

E cansar é fácil. É simples. É comum e necessário para entender nossos limites. Porém, serve para descansar e depois continuar. Viver cansado e deste cansaço é perder sempre. Basta desistir. Pronto. Não significa acabar. Dificilmente acaba. Há o depois. Há consequências. Nossos dias não são retas. São curvas cheias de ciclos e desperdícios. Desperdiçamos muito... Realmente há o se desperdiçar e desperdiçar o outro. Não como objeto, mas como potência. 

Esta capacidade de mover, de concentrar quantidade de energia no tempo, na velocidade de transformação ou, objetivamente, nesta força, neste nosso poder se ser, estar e, claro, confundir tudo. No momento de confusão, de chateamento, de tristeza, de raiva... Derrubamos nossa clareza, nosso raciocínio e abrimos brecha para derrubar a cedilha da força. Por isso, aperta, dá um nó na garganta, leva o ar desesperadamente… É a forca criada pelo nosso silêncio.

Sei bem ficar em silêncio. Há silêncios bons, silêncios ruins e aqueles nas áreas cinzentas não definidos por apenas dois lados de tudo. Dicotomias não existem. Protagonismos e antagonismos não são solitários. Relações sempre precisam de um escape. Nós não nos bastamos, dois não se bastam. Somos vastos. Qualquer coisa menos que vastidão, imensidão, é limitação, é sufoco e neste sufocamento é preciso se expor e ouvir o retorno. Vamos escolher não nós submeter, não nos curvar, não reverenciar um erro, "o único foco somente no desvio". Vamos quebrar o ciclo, abolir a forca, colocar novamente a cedilha e voltar a ser força

sexta-feira, novembro 08, 2019

Sonho eu (miniconto)











por Rafael Belo

Não sabia em qual realidade minha estava acordada. Eu sabia - desde criança - ser Outro Ser. Muitos Destes falavam comigo e eu sabia ter um parentesco íntimo com eles. Nada era falado. Eu sabia ter proteção. Não me lembro de qualquer tipo de mal me afetar ou sequer se aproximar de mim. Mas Elas, estas entidades, sempre mostraram como o mal era sorrateiro e estava em toda parte, porém sempre minúsculo.

Elas me fizeram forte. Assim eu pensava até… Até o contrário se mostrar verdade. Elas me chamavam destemido. Eu, órfão humano, não era humano. Hoje finjo que sou. Meu nome revela minha origem para quem conhece a origem de onífero. Nixa Ébana Morphan. Meu sobrenome dizem ser obra do meu tio e do meu pai um é Phantasos e o outro Morpheu.

Certa vez eles se uniram para evitar o fim do meu outro tio, Ícelo… Nunca… Quer dizer eu sempre o conheci. Só descobri há pouco… Ele era muitos humanos e pesadelos na minha vida, mas sempre se apresentou como Fobetor. Só nunca me assustou. Nunca me instigou medo algum. É tanta mitologia ferrada neste mundo… Olha só, eu sou a Antimedo e nem consegui falar de mim.

Sou uma espécie de coragem. Só que não. Porque coragem não significa sem medo. Pelo contrário.  É pegar a mão do medo e ir onde ele teme mesmo assim. Eu inspiro Confiança. Sou a noite. Quando você está sozinha e precisa de Confiança. É como me chamam quando lembram exatamente onde me colocar. Eu sempre chego antes do fim do dia. Eu te ajudo a dormir. Mas você precisa me ouvir, acreditar em mim.

Sonhe! Não deixe a insônia ganhar teu descanso. Eu estarei contigo antes, durante e depois. Sou seu sonho também. Não há o que temer!

quarta-feira, novembro 06, 2019

Sufoco










na mesmice diária explodiu
erupções de si jorraram 
depois do cinza escuridão
novos continentes para habitar

o medo desembestado sussurra
ganha a luta por dentro
perde a próxima batalha

guerra declarada no nervoso falatório
todas as impurezas querendo ficar

tão justas no corpo que temer vai sufocar.
+Às 06h25, Rafael Belo, quarta-feira, 06 de novembro de 2019, Campo Grande-MS+

segunda-feira, novembro 04, 2019

O justo é cobrado










por Rafael Belo

Há um medo atrapalhando a gente. Vejo por toda parte algo visível não acontecendo por medo de aumentar as responsabilidades ou o não querer lidar com o não. Esta ausência de compromisso, esta covardia nossa diante nossas possibilidades profissionais e espirituais nos faz responsáveis pelos desacertos nas nossas vidas. Todos estes erros e turbulências não são gratuitos, são frutos plantados e negados por nós. Temos sérios problemas de diferenciar os momentos do sim e do não.

Esperamos ser reconhecidos e não conseguimos falar, lutar, exigir nossos direitos. Queremos milagres mas não agradecemos sequer pelo nosso respirar, queremos o melhor mas nos esforçamos o mínimo possível, damos o nosso pior… Queremos atenção e carinho, mas só oferecemos cobranças, discussões e exigências porque temos medo. Medo de ser cobrados, medo do não, medo de não conseguir, medo de tentar, medo do medo… O medo é um tema sempre usado porque ele sempre atrapalha quando o deixamos dominar.

Como sermos 100%, atingir o melhor e depois ainda melhorar se estamos travados, se não conseguimos ter humildade e educação, se não nos indignamos, se não reagimos ao que consideramos ruim, mal e desonesto? Tememos tanto perder que não vivemos. Temos medo da vida…! Alimentamos este medo diariamente e, se pararmos para pensar, nossos governantes também. São prometidas tantas soluções, mas temos medo de cobrar e no fim só mudam os nomes, as atitudes seguem as mesmas… As nossas e as deles.

Todos os dias eu tenho medo, mas respiro fundo, converso com Deus, confio e faço. Não sai como eu imagino. Sai bem melhor ou nem acontece ou, pior, sai totalmente ao avesso… Então, eu fecho os olhos, respiro mais fundo ainda e sigo confiando. É clichê, talvez muita burrice, confiar na palavra das pessoas, no combinado com as pessoas… Hoje muitas crianças não acreditam, mas eu sim. Eu prefiro ver o bem, o bom, o positivo, prefiro nos ver como irmãos de um mesmo grande e misericordioso Pai e acreditar estar fazendo minha parte, dando o meu melhor, independente das outras pessoas estarem retribuindo, mas já não sou o bonzinho calado que diz estar tudo bem. O que é justo será sempre cobrado.

sexta-feira, novembro 01, 2019

O Fim (miniconto)









por Rafael Belo

Eu já me apresentei como a maior idiota da Terra. Mas hoje eu entendo que esta disputa é injusta. Não há como disputarmos uns com os outros. Nossa idiotice é privada. É tão particular que é melhor generalizar o idiota. No meu caso, a idiota. Continuo aqui pressionado por outro idiota e as pessoas ficam só assistindo. Você também deve estar online em algumas das lives aqui.

Eu dei sinal. Eu acionei a seta para mudar de faixa e este idiota veio se aproveitar da minha idiotice. Achar ser possível ter paz e educação… Ninguém quis se envolver. Foi minha palavra contra a dele. O senhor Juiz. O Fodão. Disse que eu joguei o carro em cima dele e todas estas pessoas morreram e… Não importa! Importa sim! Só sobrevivemos nós dois… Eu não entendo. Ele estava muito distante quando dei a seta. Ele acelerou para eu não entrar na frente dele e… e… Como centenas de pessoas morrem por causa de um idiota? 

Sempre foi assim comigo. Desde que me descobri idiota, na verdade. Eu mergulhava em qualquer lugar e me quebrava tudo. Parece que tudo para mim é sempre raso. Não há fundo, não há profundidade… É tudo plano, é tudo superfície. Toda vez que eu me pratico, ou seja, cometo um idiotice, uma série de evento dramáticos se seguem e se tornam fatalidades iniciais e tragédias terminais. 

Eu finjo não saber. Esta premonição da minha realidade completamente idiota criou uma série de efeitos. Eu sou a idiota final, a Exterminadora de Idiotas e só uma idiota para entender outros. A série de eventos ainda não terminou. Quando o carro do Juiz Fodão tentou desviar do meu houve um susto generalizado como uma epidemia de ações idiotas coletivas. Com capotamentos, surtos psicóticos, ataques de raiva, descontrole, atropelamentos, desabamentos de prédios, assassinatos de todas as formas e nas últimas horas começaram os sinais de fumaça e as explosões. A gritaria quase abaixou o volume, mas neste momento estou acreditando que as portas do inferno se abriram. Agora as explosões deste efeito dominó estão voltando… Resta saber se vamos acabar com todos os idiotas e quem estiver gravando morre por último ou se isto será só um aviso apocalíptico que ninguém vai acreditar até ser o clichê do tarde demais.